O telefone
chama. A ligação tem um quê de sentimental antes de ser puramente
jornalística. No quarto toque alguém atende. Digo que gostaria de falar com o Sr
Romualdo Arpi Filho. O homem do outro lado da linha diz que posso continuar, se
trata dele mesmo. Procuro um discurso coerente para o convite. Exponho minha
intenção mas o homem se esquiva com a habilidade de um boxeador. Diz,
categórico, que seu tempo passou, que a arbitragem mudou. Tento outro argumento
como quem aposta em um drible. Afirmo que não precisamos nem falar exatamente
sobre isso. As imagens das finais de Campeonato Brasileiro que apitou estão bem
guardadas nos arquivos e que bastaria ter a visão dele sobre os grandes momentos
que viveu exercendo a profissão e já daríamos sentido à gravação pretendida.
Sou obrigado a acreditar no que ouço, na legitimidade da recusa. Estou ciente de
que o personagem em questão não tem sido visto por aí. Então, decido me despir
da figura de jornalista. Abro o jogo. Digo que no fundo o convite tem também um
quê de acerto de contas com o passado. O meu passado. Conto que fui criado ali
em frente a imobiliária que ele tinha em São Vicente. Sem tempo pra muitos detalhes deixo de dizer que guardo na memória
um dia em especial. Zé Carlos, um moreno de
pernas tortas, dono de uma ginga infernal, tinha passado a semana dizendo que o
Romualdo tinha prometido uma bola pra garotada. Zé Carlos, como interlocutor com
o juiz famoso seria, claro, o fiel depositário do presente. E não é que numa
segunda-feira o Zé tratou de sair tocando campainhas , convocando a molecada pra
pelada porque o Romualdo tinha cumprido a promessa?
Trazia debaixo do braço
direito uma bola oficial, linda, novinha. E não era só isso ! Segundo tinha dito
o Romualdo, era a bola do grande clássico travado no final de semana. Um
Palmeiras e São Paulo, como esse jogado no último domingo. Aquilo enlouqueceu a
garotada. Foi o doping perfeito pro nosso imaginário quase infantil. A bola
rolou no terrão da Quintino Bocaiuva nos fazendo esquecer das pedras no caminho
que levava ao gol. Bom, Romualdo declinou do convite. Atencioso me consolou
prometendo quem sabe, no futuro, topar. Mas resistir ao encanto que se esconde
na possibilidade de revisitar o passado não é pra qualquer um, reconheço. O
primeiro árbitro brasileiro a apitar uma final de Copa do Mundo anda por
aí tentando nos convencer de que a regra é clara, e essa recusa me deixou aqui
imaginando o que diria a respeito de tudo o que temos visto o velho Romualdo,
que foi o segundo.
Um comentário:
Já que ele sucumbiu ao convite, que tal um psicólogo (esportivo), já que hoje debatemos mais condutas, ações e emoções, do que as regras da peleja. Lembro de ter participado de um seminário encerado brilhantemente pela, Suzy Fleury. Mais uma oportunidade para atenuar esse cheiro de cueca do CV. rs E de quebra sentaríamos no divã por uma hora, rs.
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