Somos um povo sem memória. Até os mais esquecidos devem lembrar de ter ouvido
essa frase ao menos uma vez na vida. E vou além, digo que como se não bastasse
não tê-la, muitas vezes a temos transformada, imprecisa, moldada para vender o
peixe de quem tinha mais poder quando foi escrita. O mote me vem agora porque o
momento soa propício para defender um ponto de vista que trago comigo faz
tempo. Não é de hoje que tenho a sensação de que se tem uma coisa para a qual o
amor do brasileiro pelo futebol serviu foi para ajudar a preservar a sua
memória. E assim driblar um pouco essa nossa mazela.
O único temor que alimento
ao defender este ponto de vista é ter sido influenciado pelo fato de durante boa
parte de minha vida profissional ter andado às voltas com esse tipo de trabalho.
O que pode ter me dado uma visão equivocada. Claro que nem todos os esforços realizados nesse sentido tiveram a divulgação ou a metodologia ideal. Mas nas
últimas décadas dei de cara com um verdadeiro batalhão se ocupando de
escrever sobre desde o mais nobre artilheiro até aquele que nem todos conhecem,
mas que para determinado grupo ou autor foi o maioral. E o mesmo vi se dar com a
história de times.
No final de semana que se aproxima uma das páginas mais
cantadas do futebol brasileiro estará em evidência e será incansavelmente
revisitada. O lendário título paulista de 1977 que, vencido pelo Corinthians pôs
fim a um longo jejum de títulos e, dizem, só fez crescer a legião de fiéis do
time do Parque São Jorge, hoje pomposamente instalado em Itaquera. Por uma
dessas coincidências do destino os dois finalistas daquele torneio, Corinthians
e Ponte Preta, praticamente exatos quarenta anos depois, ficarão frente a frente
para disputar outra final do mesmo campeonato. Campeonato que muita gente por aí
preferia que já nem existisse mais.
E há ainda uma outra questão que vem junto
com essa fixação pelas coisas do futebol, por sua memória e que me incomoda
muito. A comparação que, em geral, acaba sendo feita entre o passado e o
presente, quando nem sempre uma coisa tem a ver com a outra. Procurar analogias
é do jogo, adorna o papo, mas elas precisam, como tudo, de bom senso. A própria
importância do futebol hoje é diferente. Basta dizer que a marca de 138 mil
torcedores registrada no segundo jogo das finais de 1977 é, simplesmente, até
hoje e, provavelmente será pra sempre, a maior da história do Morumbi.
Quem
pegar os jornais daquela época verá que a cidade de São Paulo parou, aulas foram
suspensas nas escolas. Houve um verdadeiro frenesi. Ou seja, um passado bem preservado, é rico, necessário e
revelador. Deixa claro, por exemplo, que contestar a arbitragem foi desde
sempre um sintoma do jogo. A Ponte e o Corinthians atuais pouco têm daquele
tempo, como o futebol que veremos no Moisés Lucarelli parecerá outro. Mas será
um momento perfeito pra desfrutar daquela que, talvez, seja a grande virtude de
se ter a memória bem preservada: poder entender e sentir melhor o que o futuro
nos trará.
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