O futebol já não é aquele e o carnaval também não. Os dois foram de alguma forma transmutados. Ou, para ser mais claro, tiveram a alma tocada - e ferida - por outras intenções. Pela grana, pela TV. Ainda assim continuam sendo os grandes espelhos do nosso povo, ainda que espelhos não sejam.
Se alguém os quisesse mais puros, na medida da pureza possível nestes dias que correm, deveria pensar, antes de tudo, em separá-los. Não que
tenhamos de tirar da avenida a bola e os homens que com ela nos pés nos encantaram. Não! Pelé, Zico,
Rivellino, que ainda outro dia estava lá no meio da folia, merecem e seria
praticamente inevitável que em dado momento não fossem levados pra avenida. Ou
para o Sambódromo, melhor dizendo, já que foi-se o tempo em que o desfile se
dava na avenida.
Não há nada mais legítimo do que o carnaval se apropriar de
tudo o que retrata e revela nossa gente. Mas falo sobre um outro tipo de relação
que temos visto se dar entre os dois. Das torcidas organizadas que, podendo
trilhar outros caminhos, aos poucos vão fazendo o carnaval, paulistano em especial, se vestir com
a fantasia de uma rivalidade que não deveria jamais se fazer presente na mais
popular das nossas festas. Não é à toa que hoje quem cuida da tabela dos
jogos, ou da ordem de apresentação das escolas, tem de
cuidar pra que um certo tipo de carnavalesco não encontre
um outro, pra que um certo tipo de torcedor não vá pra rua no
mesmo momento que um outro. Civilidade e segurança neste nosso país,
faz tempo, não passa de um anseio.
E que me perdoem os que dão a vida por
isso. Não sou um sujeito obtuso. Não a ponto de achar que tanto o futebol quanto
o carnaval poderiam ter virado o que viraram sem que nosso povo lhes tivesse
emprestado os sentimentos, o coração. Mas gostaria de ver um carnaval sem
dinheiro público, um futebol com mais alma. Coisa que tivemos um dia. Pense na
nossa miséria de dribles, na saudade que chegamos a sentir de ver um gol de
falta. Pense na duvidosa qualidade de um samba-enredo atual. Qual deles hoje em
dia faria frente ao algum desses que o tempo transformou num clássico?
Lembro bem do dia em
que tomei o Metrô e vi piscar no letreiro de aviso pela primeira vez a seguinte
mensagem: em dias de jogos evite usar a camisa de seu time. Lembrei disso agora
ao tentar achar uma razão para que o futebol tivesse se misturado dessa maneira
ao carnaval. Não encontrei. Pra mim o futebol no carnaval só deveria ser
permitido entrar pelo viés da reverência. Reconhecido pelo que carrega de cada
um de nós. Mas não deve ter sido por acaso que o pensador russo Mikhail Bakhtin
escreveu certa vez que o carnaval"não é forma puramente artística de
espetáculo...ele se situa na fronteira entre a arte e a vida". Ou seja, essa
mistura um tanto nociva entre nosso futebol e nosso carnaval nos retrata.
* Pra quem gostou do tema segue abaixo o link da matéria escrita por Alvaro Costa e Silva no Ilustríssima do último domingo sobre o desenvolvimento do samba-enredo como gênero.
http://bit.ly/2lhKAGH
* Pra quem gostou do tema segue abaixo o link da matéria escrita por Alvaro Costa e Silva no Ilustríssima do último domingo sobre o desenvolvimento do samba-enredo como gênero.
http://bit.ly/2lhKAGH
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