Estou no meio de uma
gravação. Olho da cadeira de onde estou sentado. Tenho à minha frente o
ex-goleiro do São Paulo e da Seleção Brasileira, Waldir Peres, e ao lado dele, o ex-ponta-esquerda Zé Sérgio. A
conversa segue. E ao mesmo tempo em que ouço o que está sendo dito minha cabeça me transporta pra um tempo em que
eu era menino. Repentinamente a imagem do garoto que eu era se forma. O chute
vem no alto, do lado direito. Sem pensar muito em atiro em direção à
bola. Ao tocá-la a comprimo
entre as duas mãos. Quando vem a certeza de que não irá mais me escapar solto o
grito: Waldir Peeeres! Isso enquanto meu corpo desaba no chão de cimento da
garagem do velho prédio em que morávamos castigando um pouco mais
meus cotovelos. Não há dor nisso, nada.
Quando volto ao papo decido dividir com
eles o que em mim se revelou como uma dúvida: será que as crianças hoje em dia
ainda gritam o nome de alguém na empolgação inocente que o futebol costuma
provocar? Para dar sentido ao que está sendo dito explico a razão da pergunta.
Falo da minha mania de moleque de gritar os nomes dos jogadores que eu gostava,
e que não era só o nome do Waldir que me saltava da boca. O de Zé Sérgio também.
Mas é bem verdade que minhas escapadas pela ponta eram bem menos brilhantes do
que eu conseguia ali embaixo da trave, ou na maior parte das vezes entre um
chinelo e outro mesmo.
É, mas o mundo girou e o tempo já não me dá o direito de
saber - e muito menos desfrutar - do que podem as crianças hoje com uma bola nos
pés. Hoje só me é dado descobrir as emoções de quem flerta, muito de perto, com
meio século de vida. E se isso vem à tona agora nesta linhas é em razão de tudo
o que vivemos nos últimos dias, em razão de uma tragédia ter inundado de
lágrimas a página mais bonita que o futebol brasileiro escreveu nesta temporada.
E que ao dilacerá-la revelou uma face do futebol que andava escondida e que eu, com
minha descrença, dava até como perdida. A face que faz desse jogo de regras
simples um catalisador da nossa emoção. Que nos permite comungar com quem nunca
vimos, que nos permite sentir a dor de alguém que sequer conhecemos.
Um jogo que
desde sempre se alimentou de emoções profundas, honestas, e que ao dar de
cara com essa combinação já rara, se agiganta. O vivido deixa entre tantas
lições a de que o futebol segue entre nós com sua alma intacta. Dependendo, como
sempre, do homem, de boa intenção, de ser tratado com nobreza. Oportunistas
existirão sempre. Gente que se contenta com o universo medíocre dos resultados
idem. Gente que se nega a vestir a cor do rival. Mas enquanto houver aqui, ali e
acolá, um menino voando em direção a uma bola, com um sorriso estampado no rosto
gritando o nome de alguém que o faça sonhar... o futebol sobreviverá.
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