Dias atrás lendo o livro "Política, propina e futebol", do jornalista Jamil
Chade, mais uma vez lamentei em silêncio, como já fiz outras vezes, o fato
de que neste dito país do futebol os torcedores até hoje não tenham explorado
toda a potencialidade das arquibancadas. Nunca é tarde. Elas estão aí e
poderíamos desde sempre tê-las transformado em uma grande tribuna que
expressasse nossa indignação, nossas reivindicações e até nossas outras
alegrias, aquelas que nada têm a ver com o jogo.
O autor do livro repassa alguns
momentos em que as arquibancadas, pelo mundo, ganharam essa outra dimensão. Como
em um jogo no Cairo em que o líder da oposição foi efusivamente saudado pelos
torcedores, que ainda fizeram questão de adornar o momento com gritos de "Fora,
Mubarak". Amplificando o desejo popular de tirar o político do poder. Na
Jordânia, os gritos ofensivos dos torcedores do Faisali à Rainha Raina seriam
fatalmente punidos com tortura. Mas como era impossível prender todo mundo
restou aos donos do poder interromper o jogo e multar o time. O recado das
arquibancadas, no entanto, estava dado. O livro traz ainda uma interessante
declaração de um sociólogo britânico que nos alerta para o fato de que, apesar
dos governos insistentemente usarem o futebol e os eventos esportivos para se
autopromover, a massa pode durante noventa minutos transformar os estádios em
"enclaves de autonomia".
Eis que na última quinta-feira a nossa polícia militar
entrou em cena para impedir a torcida corintiana de se manifestar através de
algumas faixas, e fazendo do Estatuto do Torcedor seu escudo. Não vou entrar no
mérito do teor das faixas, nem vou fazer digressões a respeito das intenções da
torcida. Ocorre que o estatuto versa sobre faixas com conteúdos
ofensivos. Impedir que a torcida se manifeste é um abuso, é atentar contra a
liberdade de expressão. O torcedor pode até não fazer uso desse direito, como em
geral não faz. Salvo belas exceções como aquela faixa erguida com astúcia em
1979 durante um Corinthians e Santos para pedir "Anistia ampla, geral e
irrestrita". Algo que bem antes já se manifestava nas ruas.
A arquibancada não é
a rua mas tem a alma dela, sua transcendência. E digo mais, se de hora pra outra
o "Estatuto do Torcedor" passar a ser usado contra ele, que o
torcedor proteste exigindo que mude. Pois protestar, como aliás fizeram na
semana passada torcedores do Liverpool e mais tarde os do Borusia Dortmund,
indignados com o alto preço do ingressos, não deixa de ser uma forma nobre e
inteligente de comungar com o futebol.
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