Terça-feira à noite. O céu negro duela com o brilho clínico das luzes. No banco
ao lado está Nelinho, o ex-lateral dos chutes lendários, que fazia a bola traçar
curvas impossíveis. No banco de trás, Roberto Rivellino. Singramos a larga
avenida paulistana dividindo impressões sobre o futebol atual. Pouco antes de
avistarmos a Praça Charles Muller, Rivellino pergunta ao ex-companheiro de duas
Copas do Mundo se ele sabe onde está, se é capaz de se situar naquela paisagem.
E sem esperar resposta informa que estamos na avenida Pacaembu e, em breve,
vamos dar de cara com o velho estádio conhecido pelo mesmo nome.
Segundos depois
a imagem anunciada se descortina diante de nós. A fachada grandiosa enaltecida
por uma claridade de tom amarelado. Um silêncio se faz presente. No olhar
distraído daqueles dois homens vejo se revelar um um misto de saudade e encanto.
O pensamento que me vem nada tem de novo: o Pacaembu é uma unanimidade. E
pareceu desde sempre confortavelmente instalado nos braços daqueles dois
barrancos. Mas o meu deslumbre agora vinha da constatação de que o charme
feiticeiro do velho Paulo Machado de Carvalho, facilmente encontrável no peito
de quase todos os que já se derramaram naquelas arquibancadas, estava também
repousado do mesmo modo naquelas duas figuras emblemáticas do nosso futebol.
Homens que um dia tiveram o Pacaembu como palco e que, como nós, meros mortais,
se incomodam com esse abandono.
Há ali, adormecido na larga praça um símbolo do
nosso futebol, gestando em si, como os homens, a constatação de que o tempo
costuma nos tornar inadequados, costuma nos ultrapassar, seja qual for nossa
representação, seja qual for nossa história. Simples assim. Chega um dia em que
nos tornamos obsoletos. Discretamente desfruto a beleza do lugar. É quase meia
noite. Recordo que vinte anos atrás estava eu lá dentro, repórter em início de
carreira, incrédulo, como todo mundo ali, ao constatar que o time santista em
plena semifinal do Campeonato Brasileiro contra o Fluminense não iria para o
vestiário durante o intervalo. Ficaria reunido no meio do gramado, para depois
disso, de lá sair carregando o orgulho de ter construído um inesquecível cinco a
dois, uma das maiores viradas da história do clube. Tive vontade de dividir a
recordação com meus companheiros de viagem. Mas calei, certo de que os dois
tinham histórias bem melhores do que a minha pra contar.
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