quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Em nome do pai

O que vou dizer pode parecer enfático além da conta, amargo mesmo, mas o sinto de verdade. Acredito que a queda na audiência registrada nos últimos anos não é consequência apenas dos horários inadequados e da concorrência do pay-per-view, como sugerem os especialistas.

A questão é mais profunda. Noto, não é de hoje, um leve desencanto nas pessoas com relação ao futebol. E não vejo esse sentimento se abater sobre qualquer um. O vejo presente em gente que durante toda a vida sempre gostou do jogo. Há tempos a falta de paciência de Sócrates com o futebol me espanta, ao mesmo tempo que me encanta. Nada mais desafiador e livre do que ver um craque desdenhar do jogo.

Meu pai, o Seo Ary, que a vida levou na semana passada, também parecia enxergar muito bem essa rachadura invisível que tem sugado a magia do jogo. Já não dava nem pista do cara que em outros tempos fazia questão de praticamente todo domingo assistir “in loco” uma pelada que fosse. E graças a essa ligação paterna com o jogo de bola, eu e meu irmão passamos muitas manhãs e tardes soltos nas arquibancadas de madeira do velho Mansueto Pierotti, casa do São Vicente.

Até minha mãe quase entrou no clima, quase, porque ainda não esqueceu a experiência de ter acompanhado uma partida da Briosa em pleno Ulrico Mursa. A verdade é que os xingamentos da portuguesada ensandecida não lhe causaram boa impressão e, diante do que viu, chegou a sugerir que aquilo não era ambiente bom pros meninos.

Que nada! Os duelos dominicais mexiam com a nossa imaginação. E nós, carregados pelo Seo Ary, continuamos nos divertindo, torcendo para o Jabaquara, para o Paulistano, para o Continental, para o Beija-flor. Mas essas são lembranças de um tempo que passou.

Não que meu pai tenha deixado de ter um time, de ser palmeirense, mesmo porque ele fazia questão de dizer que essa tinha sido uma escolha coerente com seu jeito de ser. Lembro do dia em que lhe perguntei como alguém que cresceu cercado por corintianos, se divertindo no Corinthians, vivendo perto do Corinthians, acabou virando palmeirense. A resposta veio curta e óbvia:

_ Eu sempre fui do contra!

Nos últimos anos ele mantinha com o futebol uma relação distante o suficiente para evitar maiores desapontamentos. Aos domingos, geralmente perguntava sobre o jogo que poderia ser visto na TV. Terminado o almoço em família, mandava uma saudação geral e se entregava a siesta com fervor religioso. Não sem antes dizer:

_ Me acorda quando começar o segundo tempo.

Na maior parte das vezes, eu, que ficava ali vendo todo o desenrolar do jogo, concluia que era melhor que ele continuasse dormindo, não estava perdendo grande coisa. Mas convenhamos, teria sido uma receita perfeita para o clássico do último domingo, que terminou com vitória do time dele.

Sabe, meu pai, que foi marinheiro, tinha uma âncora tatuada no lado esquerdo do peito, e uma outra lançada bem no fundo do meu, por isso hoje, deixo nestas linhas o registro de um desencanto e um descontentamento com o futebol atual que certamente não eram só dele.


* escrito no dia 05/10/2009

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