Dias atrás, passada uma dessas chuvas torrenciais que andaram sendo notícia por aí, tomei o rumo da beira-mar. E como é de se esperar em ocasiões assim, lá chegando vislumbrei uma praia quase deserta. Na ausência do sol são poucos os que se interessam por ela.
Atravessei os canteiros do jardim com ar incabado do lugar e, antes que pudesse chegar mais próximo da areia, deixei que meus olhos, sempre prontos para alimentar saudades, passeassem pelas imagens do velho campo do Itararé.
Um campo humilde, com a escassez de grama sugerindo um desenho cônico de cada lado. A terra, ali transformada em lama, estava exposta e limitada por linhas que começavam perto da intermediária e se abriam até encontrar as traves, evidenciando o espaço mais castigado pelas peladas. Nas laterais onde, ao contrário, a grama pouco pisada permitia que o gramado quase virasse mato, pousavam alguns pardais abusados como eu, ignorando a possibilidade de uma nova tempestade.
Por todos os lados, espalhadas estavam, imensas poças de água, refletindo fragmentos de paisagens daquele início de tarde. Apreciava uma delas em especial, que trazia no espelho de suas águas uma rara fresta azul de céu, quando vi. Uma faixa branca com letras em preto tinha sido colocada bem no alto do alambrado que fica atrás de uma das traves. Nela pude ler: Araquem/ Fique com Deus /Sentiremos saudades/Dos seus eternos amigos do Itararé.
Não, não sei de quem se trata. Ainda assim, fui tomado no mesmo instante por uma reverência sem tamanho. Há tantos lugares para se homenagear um amigo que se vai. A porta da casa, do trabalho, a igreja. Mas ao que tudo indica, para o Araquem, ela faria mais sentido ali. Ou só ali. Não consegui parar de pensar. Tive ainda mais certeza de que os campos ficam mesmo com uma parte da gente. Como ficam todos os lugares que nos permitem viver de maneira intensa.
O calendário já ia além do domingo. Não havia torcida, juiz, peladeiros, nada. Mas a faixa dava sentido à toda aquela quietude, preenchia tudo de sentido. Por certo, haverá um vazio maior que todos os outros quando os amigos do Araquem olharem para o lugar que ele ocupava nessa imensa brincadeira da bola e da vida. Seja ele a lateral, a zaga, o meio, o banco de reservas, seja o que for.
Lembrei do dia já distante em que cheguei naquele mesmo campo, levado pelo meu pai, para tentar um lugar no gol do time de garotos do rubro-negro Itararé. Me perdi imaginando de quantas lembranças aquele pedaço de chão foi cenário. Ainda que nem o pedaço de chão seja exatamente o mesmo. É que se a memória não me trai, nos meus tempos de menino o campo ficava paralelo à faixa de areia, e não na diagonal como está agora.
Também não havia alambrado onde uma faixa pudesse ser estendida. O velho campo do Itararé antigamente tinha uma charmosa cerca de madeira baixa lhe rodeando, como tantos outros. Era a altura certa para encaixar os braços entre as ripas vermelhas e negras e ficar cara a cara com o campo. Nada emoldurava nossa visão. E era sempre agradável poder ver um jogo de várzea, bem de perto, e aos pés do oceano atlântico.
Ao menos o alambrado serviu para ostentar a nobre homenagem, e deixá-la pairar numa altura em que, de longe, parecia fixada lado a lado com as nuvens. E me chamou a atenção o fato da frase "Sentiremos saudades" ter sido escrita com letras maiores do que as outras, só perdendo em tamanho para o nome do homenageado. Sem querer, se fez justiça a esse sentimento de difícil tradução, porque a saudade quando pinta na área deixa no ar a nítida impressão de ser maior do que tudo.
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
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