A canoa corre silenciosa pelo rio. O caminho dela é traçado pelas beiradas, porque o que a leva adiante não é exatamente uma remada, o que a leva adiante é um longo remo que, mais do que açoitar as águas busca o fundo. É assim, com a sabedoria dos que levam a vida sem pressa, que o canoeiro transforma força em impulso e lentamente se impõe sobre a correnteza decidida a tomar o rumo contrário.
O rio de Contas, onde navegamos, nasce na distante Chapada Diamantina, e ali parece disparar, como alguém, que depois de uma longa viagem, apressa os passos ao ver tão perto o sonhado destino. Em seu caso o mar. Sentado perto da proa da canoa, tento me integrar a tudo isso, ajudando com um outro remo, venerando a maravilhosa paisagem que nos cerca, e provocando rápidas conversas. Com elas descubro que se tem uma coisa que preocupa um canoeiro, essa coisa é o “buzano”, uma lesma que habita aquelas paragens, e é conhecida entre esses homens como o “cupim da água”. Uma vez instalado no casco o bicho é capaz de acabar com a madeira da embarcação.
Não pensem que me ocupei de toda essa descrição só para diverti-los, nada disso. Queria que vocês dividissem comigo a surpresa com o rumo que a conversa tomou. Paulo, canoeiro, como seus dois irmãos, envaidecido, passou a me contar que um de seus filhos era bom de bola. A pequena cidade da Bahia, em que ele nasceu e por poucos dias me acolhia, nem tem um time de futebol dignamente estabelecido. Mas é impossível passar um dia por lá sem ver uma pelada - daquelas de responsa - sendo travada nas areias.
Paulo me contou orgulhoso também que, Rodolfo, o filho, é cabeça-de-área, como ele. E como ele, carrega a fama de jogador viril. Ele me conta ainda que de tão bom, Rodolfo já foi sondado por um olheiro que tem boas relações em São Paulo e que prometeu colocá-lo no Guarani. A condição pra isso é que é o detalhe. O tal “olheiro” disse que a coisa só iria adiante se ele conseguisse alterar a data de nascimento do garoto. Rodolfo tem 16, mas teria que “ficar” com 14.
Quero acreditar que por ingenuidade - ou por incapacidade de imaginar tudo que a simples troca de uma data poderia acarretar - Paulo me contou que chegou até mesmo a ir ao cartório onde o menino foi registrado com a intenção de fazer o sugerido pelo olheiro. Disse mais, disse que talvez a saída fosse passar a usar os documentos de um irmão mais novo.
Tímido, sugeri apenas que ele não aceitasse a condição porque os problemas futuros poderiam destruir o menino, principalmente, psicologicamente.
Nos dias que se seguiram, em conversas já nem tão despretensiosas assim, descobri que naquela bucólica cidade do sul da Bahia casos de jogadores que partem atrás de um sonho usando a carteira de identidade de um irmão mais novo estão longe de ser novidade.
Nesses dias descobri, orgulhoso, lugares da minha terra onde uma beleza monumental parece ser o princípio de tudo. Às vezes, os descobri entre alguns estrangeiros, que vieram de lugares muito mais distantes do que eu.
O que eles talvez não tenham visto é que o Brasil é o Brasil em qualquer lugar.
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
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3 comentários:
Um dos melhores textos que eu li aqui no seu blog desde que o frequento...
Mas é isso meu amigo, esses estrangeiros jamais saberão o que é o Brasil de verdade, senão conviver o suficiente pra isso.
Assim como uma pessoa não conhece a outra sem antes ter "comido um kilo de sal", como diz a sabedoria dos mais velhos das Minas Gerais...
Grande abraço e parabéns!
Ton
waguaru@hotmail.com
Ton,
bela lembrança essa do "quilo de sal".
Abraço
Sobre a coluna na Tribuna, concordo plenamente, Vladir.
No jogo do meu Palmeiras mesmo, ontem, o Diego Souza deu um chute ridículo, e sem ninguém atrapalhando. Até mesmo o Cleiton Xavier, um dos melhores chutadores, erra feio, e não são poucas vezes.
Acho que um pouco de treino não faz mal a ninguém.
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