sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Eu e a Seleção




Olha eu sei que eu nem devia falar disso aqui. Ainda mais agora que cumprimos todos os compromissos e neste final de ano não teremos mais nenhum encontro. Quem sabe no ano que vem as coisas mudem. Uma festa de gala sempre tem o poder de mudar as coisas. Fazer sacudir um pouco o pó dessa nossa rotina sul-americana meio pobretona e sem glamour. Até acho que o  melhor que temos a fazer é tocar a vida sem pensar um no outro. Tenho certeza que se trata de tática que trará um certo alívio. Você sabe que falo isso com dor no coração. Nos conhecemos há tanto tempo. Tá na cara que nossa relação não é mesma. Como eu sei que já não sou quem eu era. Quisera eu. Mas talvez seja mesmo você quem mais mudou, tá todo mundo dizendo. 

Entenda isso mais como um desabafo do que como uma acusação. Não existe insanidade maior do que acreditar que algo possa permanecer exatamente igual pra sempre. E com os anos tão entrados, como dizem, não fico alimentando esperança de que você volte a ser o que era. Nem eu tenho esperança de mudar. Quem sabe sendo um cara mais resignado, com mais vocação pra aceitar que, muitas vezes, é preciso se contentar com o trivial, pudesse voltar a ter alguma alegria em estar ao seu lado. Mas você me acostumou tão mal. E olha que eu te conheci depois de você ter vivido seu melhor momento. Que importa.  Fomos felizes. Prova disso é que nunca havia passado pela minha cabeça esse rompimento. A sedução que você exercia em mim me bastava. 



Lembro bem da época idílica que foi o começo dos anos oitenta, quando entre um bailinho e outro, ainda animados pela trilha sonora dos embalos de sábado à noite, eu desfrutava a sensação de que você me daria o que em outros tempos tinha dado a outros, aos que tiveram a sorte de chegar antes de mim. Você numa versão capaz de conquistar o mundo, de deixá-lo a seus pés. O que até viemos a viver, mas de um jeito diferente, mais normal. E esse tipo de simplicidade não cabe numa relação como a nossa. Por mais que eu a vida toda tenha cultuado o simples. E não fique pensando besteira. Que só estou nessa porque arrumei outro alguém para me divertir, pra me fazer sonhar.  A minha outra paixão de adolescente, que desde sempre me fez promessas muito parecidas com as tuas está que é um declínio só.  

Foi vista caindo por aí. E depois de ter dado a impressão de que tinha se aprumado voltou a fazer tudo errado. Não duvido que volte a viver o martírio que andou vivendo não faz muito tempo. E, olha, te digo que seria bem feito. A impressão que tenho é que pegou gosto pelas atitudes mal pensadas, mal refletidas. Anda flertando com o desatino. Tipo de atitude que eu sempre considerei imperdoável. Mas deixe isso pra lá. Falemos de nós. Acho até que você não vai mal, orientada por esse italiano que te arrumaram. Sei que é um nobre. E preciso admitir que é dono de uma reputação considerável. Não deixo de reconhecer isso. Se vai te dar jeito não sei.  Como nem sei se ele sabe com precisão de tudo que você andou aprontando. Se sabe dos descaminhos que a trouxeram até aqui. Se há alguém nesse mundo que pode consertar sua vida é ele, não eu. Mas se vai, não sei. 

Nunca a distância se fez tão presente entre nós. Antes te sentia tão perto. Mas o destino, pelo que vejo, insistiu e insiste em te levar cada vez mais longe. Acho até que não seria descabido dizer que ao te olhar agora, quase não te reconheço. E não sei se por isso posso culpá-la, já que esse costuma ser o que se dá com quem é enredado pela fortuna. Essa coisa tão maquiavélica que se finge ser o paraíso e tantas vezes se revela mais dura que um purgatório. Enfim, a realidade aí está. E diante dela o que posso prometer nesse momento é que por tudo o que já vivemos não serei capaz de te esquecer.  É possível que siga te acompanhando, mas com uma devoção fria, uma devoção não de quem ama, mas de quem apenas cumpre um ofício.    

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