Tenho dito não é de hoje que as transmissões têm feito pouco caso da beleza. Um pecado capital. Deveriam por natureza jogar a favor dela. Mas os tempos mudam. Nem lembro a última vez que ouvi alguém falar do futebol como uma arte. O que em outros tempos se não abundava era notadamente menos raro. São muitos os fatores que levaram à essa mudança de olhar. Mas ouso dizer que a obsessão atual pela arbitragem é um dos principais e se iniciou antes da implementação do árbitro de vídeo, mas foi levada às últimas consequências depois que isso se deu. Um dia, quero crer, evoluiremos. E corremos o risco de olhar para trás e ver de maneira escancarada a sandice que alimentávamos.
Digo isso porque diante de toda a dúvida que já alimentei tentando chegar a alguma conclusão sobre um sem fim de lances que as transmissões trataram de averiguar, sou levado a crer que mais do que opinião temos um olhar que é só nosso. Os filósofos que me ajudem com essa teoria. Ou cada um enxerga de um jeito ou não passamos de um bando de teimosos. Hoje um ponta pé qualquer, um tapinha que jamais iria doer, são resgatados no segundo seguinte e passam a ser analisados com um fervor absurdo. Ao mesmo tempo, um lance de efeito, um lençol bem dado, um chapéu, uma caneta, não recebem o mesmo tratamento. Prova da nossa indigência ao tratar do jogo.
Pudera. É tanta coisa pra mostrar. A tela que precisa se acomodar pra exibir a publicidade. O treinador que dá chilique à beira do gramado. O lance de potencial polêmico. E aí quase não sobra espaço para o drible, para uma matada de bola dessas que sempre será sinônimo de excelência. Sei que pode soar de um romantismo exagerado, algo de que sou constantemente acusado por companheiros de ofício. Mas precisamos reeducar nosso olhar. Não só porque seria uma maneira de acalmar essa veia estufada pela discórdia, mas também uma espécie de resgate da face mais sedutora do jogo. Sobre o romantismo, digo a vocês que secretamente até me alegro porque a essa altura ele chega a ser uma forma de desobediência, de rebeldia.
Além do mais, só quem nunca se viu em comunhão com alguma minoria é que não sabe da nobreza que elas podem guardar. Até me espantei vendo um jogo do Atlético Mineiro dia desses, pois em dado momento um jogador do Galo deu um drible bonito no marcador e o lance foi mostrado umas três vezes. E merecia. Usando os dois pés, o atleticano puxou a bola de um pro outro e a colocou entre as pernas de quem tentava barrá-lo, para em seguida se desvencilhar dos puxões, das tentativas sempre desesperadas que esse tipo de lance provoca. Sim, porque nunca bastou dar o drible, ou o chapéu, sempre foi preciso no instante seguinte se salvar da apelação que certamente vem. Esses lances são um tipo de castigo que uma vez sofrido tem na falta sua última possibilidade de vingança.
Digo isso ciente de que para muitos a coisa sempre foi assim. Mas um romântico incorrigível como eu quer acreditar que houve um tempo em que ser driblado não era exatamente uma questão de vida ou morte. E grandioso mesmo era devolver na mesma moeda. Mas não tô aqui pra semear poesia nesse árido chão. Gostaria apenas que essa minha reflexão fosse vista como uma proposta pragmática, pois é disso que se trata, e não como um devaneio de alguém que não entende o que virou o futebol. Já que é disso que me acusam, ainda que veladamente, quando você dá a entender que ainda alimenta alguma esperança de que o futebol venha a ser algo mais plástico do que tem sido. Até porque se entregar sem reflexão a essa mania instituída de autopsiar lances de natureza polêmica me parece o avesso da arte do jogo.

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