quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Do jeito que tá não dá





Teorias que tentam explicar porque é que o futebol virou o que virou são muitas. As que mais costumo ouvir: aquela embasada na evolução da questão física, e uma outra que afirma que a coisa anda assim porque acabaram os espaços. No fundo elas estão intimamente ligadas, creio eu. Afinal só com muito fôlego para se ocupar todos os espaços.  Tenho consciência da minha condição. Não me julgo dono de conhecimento suficiente para sugerir propostas. Mas, amparado na longa observação do jogo a que o ofício tem me condenado em bem mais de três décadas, me sinto apto a selecionar o que parece e o que não parece fazer sentido. Quanto tive a alegria de ter o Doutor Sócrates como companheiro 
de programa lembro bem de como ele defendia fervorosamente a tese de que pro futebol voltar a ter a graça que tinha seria preciso tirar dois jogadores de cada time. 

E, a respeito disso, nunca esqueci que certa vez recebemos como convidado o técnico Renê Simões, a quem o Doutor fez questão de externar a ideia. Passado muito tempo, quando a madrugada 
já era um tanto profunda, percebo um recado na caixa postal do celular. Intrigado, tratei de acessá-la. Era Renê Simões dizendo que depois de ter pensado muito a respeito da teoria do Magrão tinha chegado a conclusão de que ele estava coberto de razão. Se estava ou não, não sei. O que sei é que o Doutor tinha feito o homem matutar pra valer. O que, aliás, diria que era a grande marca do Doutor depois do calcanhar. Fato é que o futebol tem lá seu orgulho. Sempre fez soar um tanto profano sugerir mudanças em suas regras. Isso enquanto modalidades como o vôlei, por exemplo, praticamente se reinventaram. 

O que sei é que do jeito que tá não dá. Alguma coisa precisa mudar. Lembro que tempos atrás o guru desse tipo de questão era o ex-meio campista e treinador francês, Arsène Wenger, elevado em 2019 à condição de Diretor de Desenvolvimento Global de Futebol da FIFA. Conhecido não só pela história vitoriosa que construiu ao comandar o Arsenal - mas também pela grande contribuição que deu ao futebol ao tratar de modo singular e inovador a arte de selecionar treinar e até mesmo de alimentar jogadores - Wenger nunca soou como um lunático imbuído dessa missão. O que, convenhamos, não seria difícil. Uma das sugestões dele foi a de que os laterais deveriam passar a ser cobrados com os pés e em no máximo cinco segundos para agilizar o andamento do jogo. Para Wenger uma cobrança de escanteio cuja curva levasse a bola para fora do campo de jogo mas a trouxesse de volta deveria ser válida. E por uma razão óbvia: isso ajudaria a criar novas  situações de gol. 

Reverente ao que o futebol tem de melhor ele também se mostrou a favor de beneficiar os atacantes no que diz respeito ao impedimento, que não seria marcado caso alguma parte do corpo de quem ataca estivesse na mesma linha do último defensor.  O que talvez ninguém tenha se dado conta é que a criação desse cargo, digamos, desenvolvimentista, tenha saído do papel para arejar um pouco a cabeça do famoso International Board, o órgão da FIFA que regulamenta as regras, e que nunca se fez sinônimo de avanço. Ideias não faltam, o que falta é a vocação pro novo. Dias atrás o chileno Manuel Pellegrini, ex-treinador do City e atual do Bétis, da Espanha, deu uma ótima sugestão inspirado no basquete. Segundo Pellegrini, um time deveria ser proibido de voltar a bola para seu campo de defesa uma vez que ela passasse da linha de meio de campo. Sugestão que imagino deva causar taquicardia em muito jogador meia boca que anda por aí escudado em passes que não vão além de um metro.    

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Eu e a Seleção




Olha eu sei que eu nem devia falar disso aqui. Ainda mais agora que cumprimos todos os compromissos e neste final de ano não teremos mais nenhum encontro. Quem sabe no ano que vem as coisas mudem. Uma festa de gala sempre tem o poder de mudar as coisas. Fazer sacudir um pouco o pó dessa nossa rotina sul-americana meio pobretona e sem glamour. Até acho que o  melhor que temos a fazer é tocar a vida sem pensar um no outro. Tenho certeza que se trata de tática que trará um certo alívio. Você sabe que falo isso com dor no coração. Nos conhecemos há tanto tempo. Tá na cara que nossa relação não é mesma. Como eu sei que já não sou quem eu era. Quisera eu. Mas talvez seja mesmo você quem mais mudou, tá todo mundo dizendo. 

Entenda isso mais como um desabafo do que como uma acusação. Não existe insanidade maior do que acreditar que algo possa permanecer exatamente igual pra sempre. E com os anos tão entrados, como dizem, não fico alimentando esperança de que você volte a ser o que era. Nem eu tenho esperança de mudar. Quem sabe sendo um cara mais resignado, com mais vocação pra aceitar que, muitas vezes, é preciso se contentar com o trivial, pudesse voltar a ter alguma alegria em estar ao seu lado. Mas você me acostumou tão mal. E olha que eu te conheci depois de você ter vivido seu melhor momento. Que importa.  Fomos felizes. Prova disso é que nunca havia passado pela minha cabeça esse rompimento. A sedução que você exercia em mim me bastava. 



Lembro bem da época idílica que foi o começo dos anos oitenta, quando entre um bailinho e outro, ainda animados pela trilha sonora dos embalos de sábado à noite, eu desfrutava a sensação de que você me daria o que em outros tempos tinha dado a outros, aos que tiveram a sorte de chegar antes de mim. Você numa versão capaz de conquistar o mundo, de deixá-lo a seus pés. O que até viemos a viver, mas de um jeito diferente, mais normal. E esse tipo de simplicidade não cabe numa relação como a nossa. Por mais que eu a vida toda tenha cultuado o simples. E não fique pensando besteira. Que só estou nessa porque arrumei outro alguém para me divertir, pra me fazer sonhar.  A minha outra paixão de adolescente, que desde sempre me fez promessas muito parecidas com as tuas está que é um declínio só.  

Foi vista caindo por aí. E depois de ter dado a impressão de que tinha se aprumado voltou a fazer tudo errado. Não duvido que volte a viver o martírio que andou vivendo não faz muito tempo. E, olha, te digo que seria bem feito. A impressão que tenho é que pegou gosto pelas atitudes mal pensadas, mal refletidas. Anda flertando com o desatino. Tipo de atitude que eu sempre considerei imperdoável. Mas deixe isso pra lá. Falemos de nós. Acho até que você não vai mal, orientada por esse italiano que te arrumaram. Sei que é um nobre. E preciso admitir que é dono de uma reputação considerável. Não deixo de reconhecer isso. Se vai te dar jeito não sei.  Como nem sei se ele sabe com precisão de tudo que você andou aprontando. Se sabe dos descaminhos que a trouxeram até aqui. Se há alguém nesse mundo que pode consertar sua vida é ele, não eu. Mas se vai, não sei. 

Nunca a distância se fez tão presente entre nós. Antes te sentia tão perto. Mas o destino, pelo que vejo, insistiu e insiste em te levar cada vez mais longe. Acho até que não seria descabido dizer que ao te olhar agora, quase não te reconheço. E não sei se por isso posso culpá-la, já que esse costuma ser o que se dá com quem é enredado pela fortuna. Essa coisa tão maquiavélica que se finge ser o paraíso e tantas vezes se revela mais dura que um purgatório. Enfim, a realidade aí está. E diante dela o que posso prometer nesse momento é que por tudo o que já vivemos não serei capaz de te esquecer.  É possível que siga te acompanhando, mas com uma devoção fria, uma devoção não de quem ama, mas de quem apenas cumpre um ofício.    

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Era uma vez o futebol arte



Tenho dito não é de hoje que as transmissões têm feito pouco caso da beleza. Um pecado capital. Deveriam por natureza jogar a favor dela. Mas os tempos mudam. Nem lembro a última vez que ouvi alguém falar do futebol como uma arte. O que em outros tempos se não abundava era notadamente menos raro. São muitos os fatores que levaram à essa mudança de olhar. Mas ouso dizer que a obsessão atual pela arbitragem é um dos principais e se iniciou antes da implementação do árbitro de vídeo, mas foi levada às últimas consequências depois que isso se deu. Um dia, quero crer, evoluiremos. E corremos o risco de olhar para trás e ver de maneira escancarada  a sandice que alimentávamos.

Digo isso porque diante de toda a dúvida que já alimentei tentando chegar a alguma conclusão sobre um sem fim de lances que as transmissões trataram de averiguar, sou levado a crer que mais do que opinião temos um olhar que é só nosso. Os filósofos que me ajudem com essa teoria. Ou cada um enxerga de um jeito ou não passamos de um bando de teimosos. Hoje um ponta pé qualquer, um tapinha que jamais iria doer, são resgatados no segundo seguinte e passam a ser analisados com um fervor absurdo. Ao mesmo tempo, um lance de efeito, um lençol bem dado, um chapéu, uma caneta, não recebem o mesmo tratamento. Prova da nossa indigência ao tratar do jogo. 


Pudera. É tanta coisa pra mostrar.  A tela que precisa se acomodar pra exibir a publicidade. O treinador que dá chilique à beira do gramado. O lance de potencial polêmico. E aí quase não sobra espaço para o drible, para uma matada de bola dessas que sempre será sinônimo de excelência. Sei que pode soar de um romantismo exagerado, algo de que sou constantemente acusado por companheiros de ofício. Mas precisamos reeducar nosso olhar. Não só porque seria uma maneira de acalmar essa veia estufada pela discórdia, mas também uma espécie de resgate da face mais sedutora do jogo. Sobre o romantismo, digo a vocês que secretamente até me alegro porque a essa altura ele chega a ser uma forma de desobediência, de rebeldia. 


Além do mais, só quem nunca se viu em comunhão com alguma minoria é que não sabe da nobreza que elas podem guardar. Até me espantei vendo um jogo do Atlético Mineiro dia desses, pois em dado momento um jogador do Galo deu um drible bonito no marcador e o lance foi mostrado umas três vezes. E merecia. Usando os dois pés, o atleticano puxou a bola de um pro outro e a colocou entre as pernas de quem tentava barrá-lo, para em seguida se desvencilhar dos puxões, das tentativas sempre desesperadas que esse tipo de lance provoca. Sim, porque nunca bastou dar o drible, ou o chapéu, sempre foi preciso no instante seguinte se salvar da apelação que certamente vem. Esses lances são um tipo de castigo que uma vez sofrido tem na falta sua última possibilidade de vingança. 


Digo isso ciente de que para muitos a coisa sempre foi assim. Mas um romântico incorrigível como eu  quer acreditar que houve um tempo em que ser driblado não era exatamente uma questão de vida ou morte. E grandioso mesmo era devolver na mesma moeda. Mas não tô aqui pra semear poesia nesse árido chão. Gostaria apenas que essa minha reflexão fosse vista como uma proposta pragmática, pois é disso que se trata, e não como um devaneio de alguém que não entende o que virou o futebol.  Já que é disso que me acusam, ainda que veladamente, quando você dá a entender que ainda alimenta alguma esperança de que o futebol venha a ser algo mais plástico do que tem sido. Até porque se entregar sem reflexão a essa mania instituída de autopsiar lances de natureza polêmica me parece o avesso da arte do jogo.  

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Ah, os nossos treinadores !

Tenho um amigo de profissão, sábio, que vive alertando os estabanados de que é possível dizer qualquer coisa a qualquer pessoa, o segredo reside no modo de falar. Mas é fato que o mundo está repleto de gente que não faz a mínima questão de ser gentil. E como fiz dos treinadores brasileiros tema deste espaço dias atrás, não vou resistir à tentação de falar sobre o ocorrido no Fórum de treinadores realizado na última terça e que virou notícia pra valer graças a imensa saia justa provocada pelas declarações dadas por Emerson Leão e Oswaldo de Oliveira. Os dois sacaram a gentileza de campo e foram pro ataque pra mostrar que ainda não engoliram a realidade que os mandou, talvez para sempre, ao banco de reservas. Realidade que eles ajudaram a construir. 


Pensando no amigo citado, imagino que o momento até comportasse, pelo que representava, palavras que afirmassem aos presentes de que aquela era uma oportunidade para repensar tudo o que tinha sido feito pelos treinadores brasileiros na nossa história recente, e que claramente se faz necessário um esforço de toda a classe  para que num espaço de tempo muito breve eles possam retomar um espaço que foi todo deles e que hoje está ocupado por um dos treinadores mais respeitados do mundo, que aceitou a missão de trabalhar pelo futebol brasileiro, e  a quem fizeram questão de homenagear na ocasião. Algo nessa linha. Mas, levando em consideração o que prega o velho amigo de redação, adequar discursos exige humildade, exige cuidado. 


Em uma coisa , ao menos, Emerson Leão acertou, o culpado por Carlo Ancelotti hoje ser visto como o maioral na antiga colônia dos ditos professores que aqui reinaram é mesmo culpa dele e de seus conterrâneos. Isso sem falar em Oswaldo de Oliveira, que soou ainda menos polido do que o ex-goleiro da Seleção Brasileira. Mais pelo tom inflamado e por se mostrar tão incomodado com o fato de a Seleção estar sendo comandada por um estrangeiro, do que propriamente por afirmar que espera ver um brasileiro no cargo depois da Copa. E eu arrisco dizer que boa parte dos que acompanham futebol também gostaria que isso se desse. A questão posta - não é de hoje - é que o cargo exige alta capacidade. Também é interessante notar que a deselegância parte justamente de dois profissionais que estão certamente entre os principais nomes arrancados do panteão outrora intocável do futebol brasileiro quando a realidade começou a mudar.


O que eu sei é que não faltou canelada. Em Ancelotti, que topou dar uma descida da Sala que ocupa na sede da CBF já que lhe disseram que era uma homenagem o que lhe aguardava no Auditório do piso térreo. Canelada na aproximação que a Federação de Treinadores tentava com a CBF, como foi dito com todas as letras por um dos seus diretores que repudiou as palavras de Oswaldo de Oliveira. Enquanto o presidente, Wagner Mancini, adulado no discurso de Leão, adotando a linha que sugere meu amigo, reconheceu que foram falas fortes, mas frutos do tom democrático do Fórum, que o próprio Ancelotti sugeriu que a CBF recebesse, vejam só. À parte tudo que essa postura evidencia e justifica, devo dizer que Oswaldo de Oliveira foi dos treinadores mais educados que vi no trato com a imprensa. O mesmo não pode ser dito de Emerson Leão, que vi ser grosseiro algumas vezes, mas que sempre soube respeitar ambientes. Os que já viveram um tanto sabem bem que a partir de certo momento a gente passa a não ter papas na língua. O que não anula grosserias - nem de deixa de aclarar posições contestáveis - e que, no caso, só torna mais evidente o tamanho do trabalho que os treinadores brasileiros têm pela frente se quiserem voltar a ser vistos como os tais.