quinta-feira, 20 de junho de 2024

As Copas e a América



Dizer que a Seleção Brasileira está longe de ter o apelo que teve um dia é chover no molhado. As resenhas cansam de elaborar teorias a respeito. Motivos são muitos. E o mais apontado entre eles é o distanciamento que se deu entre os jogadores e a torcida. Há nessa receita muitos ingredientes e, na minha modesta opinião, um deles influi diretamente no ânimo dos jogadores: foi-se o tempo em que um triunfo com a Seleção era notoriamente o ponto alto da carreira de um atleta. Atualmente só a Copa é capaz de se aproximar desse significado. Não por acaso quando se fala no assunto hoje em dia sempre aparece alguém fazendo questão de se definir como um torcedor de Copas. Mas veja, não de Copa América, que por sinal começa hoje. Copa do Mundo!!! E mesmo ela já não goza do glamour que teve um dia. Mas resiste. 

Ponto alto pra um boleiro hoje em dia é vencer a Champions League  ou a Premier League. E não lhes tiro a razão. Se o peso das competições mudou ao longo das últimas décadas seria insano pedir que continuassem as encarando com o mesmo ânimo. Talvez isso explique a Seleção Brasileira que temos visto em campo. Dorival  Júnior teve um contexto a favor dele. Logo de cara dois adversários desses sobre os quais um bom resultado diminui consideravelmente a margem para críticas dada a excelência de quem se enfrenta. E o escrete nacional foi bem, ainda que no segundo capítulo diante da Espanha parte do brilho visto diante dos ingleses tenha se escafedido. Depois disso a história andou e diante dos comuns México e EUA o futebol brasileiro voltou a ser mais parecido com o que a gente andava vendo. 

O garoto Endrick que os enredos em campo iam pintando como o talismã de Dorival não virou. O que pode ter sido bom até para o próprio Endrick que não parece disposto a dosar nem um pouco seu jeitão de se achar o tal. Também considero para o time a ausência de Neymar salutar. Como considero para Dorival. Espero vê-lo em campo jogando tudo o que sabe. Mas de tão talentoso e importante que se fez até hoje estou pra ver um treinador lidar com Neymar de acordo com o futebol que ele tem para oferecer no momento. E não tenho razões para acreditar que com Dorival seria diferente. Não podendo contar com ele será inevitável pensar em outras alternativas. E sem Neymar em campo a dinâmica de jogo da Seleção se altera. Pois se os treinadores são incapazes de lhe negar a vaga de titular os companheiros muitas vezes são incapazes de lhe negar a bola.  O que por outro lado só evidencia a  importância que lhe cerca. 

E, além do mais, um planejamento a longo prazo precisará levar em consideração já não ter como contar com Neymar. Diante dessa incerteza sobre o que ainda pode o nosso futebol e essa profunda mutação dos torneios e seu poder de sedução é bem provável que venhamos a ficar cara a cara com um sentimento que nos cerca há algum tempo: o de não saber ao certo a estatura de certas conquistas. Vencer a Copa América poderá soar como algo que não nos tenha colocado um passo sequer mais perto daquelas que são vistas hoje realmente como as grandes Seleções do mundo. Talvez um embate daqueles com a Argentina, atual campeã do mundo, nos envaideça mais do que o próprio título. A Colômbia antes disso é possível que nos crie algum temor. Mas tudo isso só irá nos mostrar que a Seleção Brasileira já não é o que foi. Mas nem as Copas o são.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

A realidade que consome reinados



Esta era de Sociedades Anônimas de Futebol, as tais SAFs, que andam aí a frequentar manchetes mostra que as aparências enganam. Em geral, nascem de grandes fortunas convencidas de que o futebol pode ser um bom investimento. Cria-se neste ponto um primeiro distanciamento com o torcedor. Tendo o clube um dono será fatal que em algum momento o interesse dele deixe de comungar com o de quem torce. E quem torce não está livre de descobrir tempos depois que este não é um caminho capaz de livrar alguém da bancarrota. Um olhar mais apurado sobre o futebol espanhol é capaz de deixar isso claro. E mais, pode servir de aviso aos nossos clubes que andam tomando os caminhos que estão aí. 

Em 2021 dirigentes e clubes da Liga espanhola se reuniram para assinar o acordo que seria feito com um fundo. Mas Real Madrid, Barcelona e outros dois clubes pularam fora. O resultado dessa decisão foi a exclusão deles do socorro financeiro de mais de dezesseis bilhões de reais injetados pelo fundo de Luxemburgo em troca de dez por cento das ações da Liga. Por outro lado não ficaram sem os dez por cento de seus direitos de TV pelos próximos cinquenta anos. Mas isso é apenas um recorte da história que depois teve outros desdobramentos. E se o resgato é para mostrar que nem SAFs, nem Ligas estão livres de acabarem vitimadas pela má administração, ou por interesses outros.  Ouso sonhar que bem administrados os clubes por si seriam viáveis. E é a este ponto que quero chegar. 

Durante todo o tempo que acompanho futebol ficou muito claro que é possível alcançar grandes resultados usando métodos temerários, longe de serem ideais. Mas o óbvio é que mesmo projetos que pareciam perfeitos, ou quase, com o tempo se desmancham. São muitos os exemplos vistos nos últimos anos. Chega-se à glória para, tempos depois, voltar ao caos. Desde a última sexta o Corinthians se fez, ainda mais, um notório exemplo disso. Há pouco mais de uma década vivia seu apogeu, ao menos no que diz respeito a conquistas. E parecia sólido para encarar o futuro. Hoje tudo mudou e, se em campo as Copas ainda permitem ao torcedor alvinegro sonhar com dias desses em que é possível sair por aí tirando onda dos rivais, o Brasileirão aos fiéis torcedores tem outra face, revelando um time que se distanciou da elite, ainda que nos últimos dez anos tenha terminado como campeão em duas ocasiões.  

Lembranças que não por acaso lhes voltam opacas por causa do descalabro administrativo que se instalou no clube. A ponto de aquele que foi anunciado como o maior patrocínio "master" da história do futebol brasileiro ter virado caso de polícia. E na esteira disso tenha sido vista uma debandada imensa de dirigentes. Difícil saber quais são as forças que agem verdadeiramente sobre um time como o Corinthians. Não descarto a possibilidade de que em campo seja capaz de extrair algum novo triunfo. E se ele vier certamente servirá , como sempre no futebol, de escudo para os cartolas. Bem intencionados, ou não. Entendo quando o torcedor corintiano torce o nariz para resenhas que miram a administração, essas coisas extra campo. Isso torra a paciência. Mas a qualquer tempo o que o fiel torcedor deve mesmo exigir é que o Corinthians, por seu tamanho, história e importância, tenha o fôlego de um Flamengo destes dias. Sem esquecer jamais que o rubro-negro também é parte dessa realidade que sempre consumiu reinados.  

sexta-feira, 7 de junho de 2024

O abstrato no futebol



Já disse aqui em outras ocasiões que sempre achei muito interessante a capacidade que o futebol tem, ou tinha, de fazer as pessoas comungarem com diversos conceitos que não estão escritos em lugar nenhum. É certo que o mundo se rebuscou um tanto e que já não se vê por aí tantas peladas com os gols marcados , por exemplo, com um par de chinelos. Mas essa é a imagem que eu sempre invoco e volto a lhes dizer a razão. Uma bola rasteira que passe entre eles não deixará dúvida de que se tratou de um gol. Ocorre que o futebol é infinitamente mais complexo do que isso. As bolas , em geral, saem do chão. Traçam linhas cruzadas. De modo que boa parte das vezes, estando num cenário desses, não é coisa fácil dizer o que foi e o que não foi gol. 

Mas é fato também que desde moleque o futebol incutiu no nosso imaginário um jeito de resolver questões dessa natureza que decretava e anulava gols. E as decisões por mais que causassem rebuliço desaguavam num consenso. E esse é o tipo de coisa que as tais orientações recentes trataram de violentar. Quando vieram com essa de decretar que bola na mão dentro da área sempre seria pênalti roubaram do futebol a capacidade que ele tinha de semear em nós esse modo quase instintivo de nos entendermos. Pra embasar essa tese ouso dizer que décadas atrás mesmo os lances mais clamorosamente polêmicos não causavam tanto balbúrdia quanto causam hoje. E os motivos são vários. 

Um deles certamente essa questão de que a maneira de ler o jogo era mais consensual. Some-se a isso o vício estabelecido de esmiuçar os lances atrás de algo que seja passível de contestação. É uma insanidade achar que uma imagem por si irá esclarecer tudo de fato. A quem duvida sugiro lembrar das vezes em que diante de uma delas se viu sem saber ao certo o que pensar a respeito. Aos que não acreditam que pesam sobre o futebol coisas impalpáveis, que pensem no tal do fair play. Tão invocado, tão santificado. Mas que jamais constou das regras do jogo. É um acordo implícito, meio na linha desse que se escondeu desde sempre em nós e ajudou a resolver os bafafás que se davam quando se disputava uma pelada com gols marcados por chinelos de dedo, como diria minha saudosa mãe. 

O futebol propõe questões complexas. Exige levar em conta temas abstratos. Mas ao que parece o andar do jogo vem sendo definido por idiotas da objetividade. Termo que, de tão preciso, vira e mexe faz questão de nos lembrar que continua atual. Pra não dizer renovado. E o futebol é inocente nisso tudo. Ele é só um produto gerado por quem o faz, por quem o interpreta. E os astros que aí estão se estivessem interessados em respeitá-lo não andariam fazendo ceras descaradas, não estariam fingindo contusões, tapas na cara, não estariam cercando árbitros com dedos em riste. 

Diante disso pedir que um adversário se revele um santo porque em determinado lance alguém se viu descaradamente prejudicado é algo que beira a malandragem. E tudo é tão sem pé nem cabeça, vejam vocês, que o árbitro, este senhor que deveria ter o poder de disciplinar os jogadores, fica de mãos atadas porque, afinal, fair play não é algo estabelecido na regra. Enfim, desde sempre pesou sobre o futebol algo que não está escrito em lugar nenhum mas que age sobre o jogo. E é preciso dizer também que houve desde sempre nas peladas de gols marcados com chinelos os espertos que forçavam a barra tentado fazer todo mundo enxergar um gol onde a maioria não via.