quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Skate, a onda. ( ou O Futebol que se cuide)



Já tive o prazer de contar aqui algumas de minhas memórias relacionadas ao surfe. Falar da época ancestral de quando ele entrou na minha vida. Relembrar as pranchas de isopor, motivo de cobiça da meninada, que eram turbinadas com quilhas feitas à mão usando como matéria prima a madeira de caixas de uva que íamos garimpar no final da feira. Bons tempos. E devo confessar que toda empolgação com o skate nessa Olimpíada singular que acabou há pouco anda me trazendo muitas lembranças. Descobri o skate praticamente na mesma época que descobri o surfe. Eu, não, toda a garotada que vivia ali nos limites entre o Gonzaguinha a a Vila Valença, em São Vicente. Se não estou enganado o limite entre os bairros era - e é ainda imagino - decretado pela ferrovia, que só chamávamos de linha do trem, hoje do moderno VLT. 

A ladainha na orelha do meu pai foi a mesma que acabou brindando a mim e a meu irmão com uma verdadeira Kamehameha, assinada pelo lendário surfista e shaper Homero Naldinho. Soubesse o que significaria jamais teria me desfeito dela. Pois bem, em matéria de skate o chororô nos valeu um autêntico DM. Que já não sei se era top mas era um skate que fazia brilhar os olhos da molecada. Não sei bem como, em torno do skate, foi se formando um grupo.  A única vontade que se igualava a de ter um skate era  a de ter  uma rampa para usá-lo. De modo que durante um bom tempo à noite nos dividíamos em grupos e saíamos atrás da matéria prima para tal: compensados de madeira. Um verdadeiro tesouro.  As vigas também eram garimpadas. De modo que a vaquinha que se fazia no final era só pra dar conta dos pregos. 

Disso nasceu ali na esquina da Quintino Bocaiúva com a Cândido Rodrigues uma das maiores rampas do pedaço, que mais tarde se tornaria ainda maior e seria transferida para o terreno baldio que ficava exatamente nessa esquina. E lá permaneceria até que fosse desalojada pela construtora que no lugar ergueu um prédio de três andares. A desilusão foi imensa. Em sua versão mais radical a rampa chegou a ter uma altura de quase dois andares. Um dos projetistas , o cara que processava tudo que a garotada encontrava de material era o Hélinho. Tinha uma mão incrível.  Lá vi andarem, para deleite de todos, caras como Dinho e Luciano Kid, que viria a ser o primeiro campeão brasileiro de street. Eram habituês do local. Figuras com lugar mais do que garantido quando tudo o que cercava o skate no Brasil era  mato.  

Tempos atrás lembro de ter visto um documentário, tenho a impressão de que estrangeiro, que traçava um perfil tão nobre de Dinho, que ao dar de cara com aquilo foi impossível evitar a nostalgia.  Enfim, é com alegria que vejo tudo o que anda acontecendo. Outro dia me peguei pensando se o Comitê Olímpico Internacional não se aproveitou em certo sentido de toda essa história, que não deve ser muito diferente da que  se desenhou pelo planeta, ainda que em momentos diferentes. A rebeldia nesse universo sempre foi uma marca e talvez valesse tentar ficar fora da grande máquina.  O que vale para o Comitê Brasileiro também. 

Não custa lembrar que não fosse o skate e o surfe terem debutado nesse olimpo não teríamos tido a tão cortejada melhor participação do Brasil na história dos Jogos. E tanto uma modalidade quanto outra andaram, não custa lembrar, com as próprias pernas. Respeitando seus valores, se provando capazes de cuidar muito bem dos seus torneios mundiais. Reconheço, claro, que a inclusão deles carrega consigo um reconhecimento , uma possibilidade de que os dois se façam ainda maiores. E isso soa justo, muito justo. ​Além de todo o talento de quem fez o skate neste momento ser o que é, há outros detalhes - e isso vale pro surfe também em algum grau - como a capacidade que os atletas, e a modalidade como um todo, tiveram de saber usar as novas tecnologias, não só pra se comunicar com os apaixonados, mas também para desnudar toda beleza das manobras e o estilo e a filosofia de vida que as cercam. O futebol que se cuide.  

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