sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

O que os olhos não veem



A morte de Paolo Rossi dias atrás me fez pensar muito sobre esse nosso viver o futebol. A geração que antecedeu a minha já tinha visto poucas e boas quando o italiano nos fez sentir da forma mais dolorosa possível  que é mesmo impossível saber de antemão o que o jogo de bola nos reserva.  Entrou em campo envolto numa aura mezzo boleira, mezzo policial. Tinha vindo de um gancho por envolvimento num escândalo relativo a manipulação de resultados. Mas mostrou que era mesmo do ramo da bola. 

Divulgada a notícia foram muitos os relatos de gente, em especial da minha geração, dizendo que poucas vezes tinham chorado por causa de futebol, mas que nas poucas, ou únicas vezes, o responsável tinha sido aquele italiano que agora partia. Sinceramente , não recordo se chorei ao ver tudo o que aconteceu naquele dia julho de 1982, tamanho foi o trauma. A definição mais precisa que já ouvi daquele fatídico Brasil e Itália, e tenho a impressão até de já tê-la dividido com vocês, foi dada pelo amigo e escritor, Joca Terron.  

Diz o Joca que naquele bendito dia quando o jogo começou ele era um menino. E que quando o tal acabou era um homem de barba feita. Que me perdoem nossos campeões do mundo mas de lá pra cá não houve, para mim, seleção que tenha nos dado o que aquela de 82 nos deu. O tempo me convenceu de algo que na época não quis , ou não pude compreender: a Itália estava num dia iluminado, jogou muito. Basta pensar no que jogava o time que tinha Sócrates , Zico, Falcão & Cia  pra se concluir que não seria qualquer time que faria o que o time italiano fez.

Tão incrível quanto a façanha de Sarriá foi ver que, ao contrário do que toda grande rivalidade sugere, Paolo Rossi não só era imensamente respeitado e querido por aqueles de quem, de certa forma, foi algoz, mas que nutria pelo nosso futebol admiração e respeito. Em uma das manchetes lembro de ter lido algo como: nunca falou mal do Brasil. E eu, como dizia, mesmo tendo tentado driblar um pouco a intimidade com a notícia da morte de Paolo Rossi, fustigado que andamos por tantas e tão penosas partidas, me peguei imaginando o que não sentiram as testemunhas de outros fatos gigantescos dessa nossa história com o jogo de bola. 




Os abençoados que certo dia foram ao estádio da Rua Javari e viram , meio sem acreditar nos próprios olhos, Pelé marcar o mais magistral de seus gols. Ou aqueles que um dia  se assomaram a um Maracanã, novinho em folha, certos de que veriam pela primeira vez na história nossa seleção ser campeã do mundo. E de lá saíram repletos de cicatrizes deixadas por essa veia cruel e inocente da qual o futebol nunca irá nos poupar.  Aquele silêncio que dizem se abateu sobre o estádio depois do triunfo uruguaio, a desesperança que se viu pelas ruas nos olhos de quase todos. 

Chega a ser injusto reduzir o ídolo italiano a esse papel de vilão dos nossos mais tenros sonhos. Mas não se trata disso obviamente. Sócrates, talvez por pura provocação, costumava brincar dizendo que se a Seleção de 82 tivesse vencido a Copa da Espanha, seria menos contundente, seria mais normal.  Depois de tudo, e de Paolo Rossi, ouso dizer que  é possível sim entender a grandeza de certas derrotas. 

2 comentários:

Maximilian disse...

Muito bom o blog. Primeira vez que eu leio e espero voltar mais vezes. Acredito que por conta do falecimento do Maradona, a morte do Paolo Rossi não recebeu a atenção que normalmente receberia.

Vladir Lemos, jornalista disse...


Agradeço a visita. Apareça. Dois personagens com histórias incríveis, cada qual com seu tamanho.