Tomem ciência. Fosse o maior camisa dez de todos os tempos um italiano, um alemão, e era uma vez essa proximidade que de alguma forma nos deixa na condição de íntimos do Rei. Talvez a essa altura as pessoas já nem lembrem, até pela insanidade do ato, que certo dia um certo presidente santista decidiu mandar Pelé, que ocupava um cargo de diretoria, embora do Santos. Bastaram algumas horas e um mundo de jornalistas estava às portas da Vila Belmiro esperando a despedida, como se um adeus desse tipo fosse possível. Foram horas de espera até que um carro parou em uma das esquinas e dele desceu Pelé, com o sorriso de sempre no rosto como sendo o avesso do fato. Respeitosa, a pequena multidão de jornalistas foi se dirigindo a ele. Mas para a surpresa de todos uma repórter em disparada, esbaforida, quase arrastando o cinegrafista pelo cabo do microfone avançou em direção ao Rei e para lá de afoita perguntou:
_ Pelé, o que você tem a dizer?
No silêncio que se deu, o sorriso dele cresceu ainda mais, e com aquele tom de voz sereno e inconfundível disse:
_Agora? Nada!
Murcha e sem entender direito o que tinha vivido, a repórter se encolheu e voltou a sumir entre os profissionais e curiosos. Tinha sem querer atropelado o protocolo que quase todos ali conheciam bem. Passada a cena, sem microfones em punho, perguntamos ao Rei qual seria o itinerário dele. Pelé disse que subiria até sua sala e depois iria se despedir dos jogadores que treinavam no gramado e lá falaria com a imprensa. Resgato a história por achar que ela reflete de algum modo essa proximidade, esse privilégio de ao menos em algum momento da história estar perto de Pelé e que esta data a se comemorar me fez notar melhor. Como veladamente mostra o cerimonial que se cumpria, mesmo Pelé tendo sido sempre um homem despido de arroubos. Não tardou e Pelé estaria de volta à Vila, ao Santos, claro. E como era assim nunca esqueci também certa cena que vi registrada em noventa e quatro, na época da Copa dos Estados Unidos. Num evento com o Rei uma fila imensa - que transbordava a sala de um prédio luxuoso e descia pelas escadarias de alguns andares - colocando em linha convidados vips, celebridades, Chefes de Estado. Tudo muito diferente de certos dias em que Pelé aparecia em Urbano Caldeira e era cercado por alguns poucos repórteres que faziam a cobertura diária do clube. Escolhi essa receita pra homenagem porque falar do jogador é chover no molhado. E também pra driblar algo que já virou um chavão: colocar na balança o Rei e o Edson. Pois, de verdade, acho que não existe homem que exposto desse jeito aos olhos do mundo pareceria perfeito. Não que isso deva servir de perdão. E vamos em frente, Rei, que o tempo sempre foi dos nossos adversários mais duros.
* Foto: Domício Pinheiro
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