quarta-feira, 3 de julho de 2019

A torcida e o Mineirão

Foto: Guilherme Piu

Ouvi dizer por aí que a torcida anda azeda. Ouvi até  ela ser acusada de andar jogando contra. Compreendo a colocação. E ao contrário dos que se mostram preocupados com ela, eu afirmo que se isso é fato deveria ser motivo de comemoração. Uma torcida descontente é, em última análise, prova de evolução. Evolução da sua capacidade crítica, como nunca perco a chance de deixar aqui escrito nas entrelinhas. Não desprezo, por outro lado, a possibilidade de  que esse humor alterado seja sintomático. Um sinal de esgotamento, um cansaço, a paciência chegando ao fim. Afinal, ela sempre trata de enviar antes algum sinal. E não é pra menos, se aqui do lado de baixo do Equador nem jogos entre seleções andam dando muito caldo que dirá o nosso futebol do dia a dia. 

O sentimento que disso transborda é compreensível. Se entregar com devoção a uns noventa e poucos minutos de jogo e receber em troca dois ou três lances de gol, não poupemos palavras, é caso evidente pra se repensar a relação. Ao mesmo tempo é possível vislumbrar nisso uma grande demonstração de que o jogo de bola ainda envolve alguma dose de paixão, esse sentimento que desde sempre fez pouco caso das evidências.  Caso não esteja convencido faça o teste. Seja lá onde for, provoque um papo de futebol e verá que não tardará a aparecer uma figura de contornos conhecidos, molhando as palavras com a ânsia dos abstêmios, de olhos meio tristes, dizendo pra quem quiser ouvir que já não aguenta mais, que não vê a hora dessa pompa toda acabar para que ele possa, enfim, matar a saudade de ver o time dele em campo. 

E é amparado nesse entrega que afirmo: a torcida pode tudo, pode querer ser cruel, condescendente, o que for. E tá pra nascer quem tenha moral para enquadrá-la, para dizer assim, lhe olhando nos olhos, como deveria se comportar. Digo mais, vejam esse Brasil e Argentina que acaba de rolar agigantado pelo que significou em termos históricos. Esse jogo foi outra prova de que o coração da torcida é livre, que ela está longe de ser injusta. E mesmo que muitas vezes vá além do jogo de bola está preso a ele. Aí, Daniel Alves jogou o fino, Gabriel Jesus e Coutinho foram na onda e, de repente, o Mineirão, que foi pra mim antes de qualquer outra coisa um estádio monumental -que certo dia teve sua imponência desafiada pelo chute potente de Nelinho que tratou de chutar uma bola pra fora dele - virou exatamente o que tinha dito o técnico Tite a seu respeito dias antes do embate com os argentinos.  

Pois perguntado sobre os fantasmas que poderiam ali assombrar o time brasileiro o técnico da seleção tratou de pesar as coisas e recordar também que foi no Mineirão que bateu a Argentina por três a zero e que tinha sido ali que tinha visto a torcida mais em sintonia com o time dele.  Ouvi sim relatos de uma breve vaia, mas endereçada ao Presidente da República que mesmo sem marcar um único gol até agora resolveu dar uma desfilada pelo gramado para tirar uma casquinha. Mas isso é detalhe. Bacana foi perceber que esse Brasil e Argentina personificou o sonho possível do torcedor brasileiro , o barato dos adereços, da rivalidade, que foi sempre infalível na hora de apimentar encontros. Rivalidade que, segundo o treinador da nossa seleção, só se tem com quem se admira. Sei não,  Seo Adenor, sei não.

2 comentários:

Anônimo disse...

Vaiar é justo a depender da qualidade do espetáculo, até porque o ingresso à 500 reais já elitiza o ambiente. Imagina você pagar para assistir a seleção por preço exorbitante e ainda ver futebol ruim, nem no clube cobrando um ingresso assim o torcedor seria trouxa de apoiar incondicionalmente. Acho que se o ingresso fosse mais barato talvez essa paciência fosse maior.

Vladir Lemos, jornalista disse...


É verdade. Se o preço fosse menor, digamos,
talvez o torcedor desse um desconto.rs