quinta-feira, 30 de maio de 2013

Sobre alguém que se foi


Nesta semana em que Neymar mais do que nunca dominou as manchetes peço licença ao nobre leitor para deixar a bola passar. Darei uma atrasadinha, para usar um jargão do futebol. O general argentino Jorge Videla morreu dias atrás. Foi sob as ordens dele que nasceu uma das mais perversas tabelinhas entre política e futebol. Ao longo da história muitos mundiais trabalharam a favor de regimes que não tinham a liberdade como bandeira. Mas nesse panteão macabro a Copa disputada na Argentina em 1978 se destaca.
 
Para quem não lembra, fomos eliminados depois de ficar dependendo de um resultado do time da casa. E quem tem mais ou menos a minha idade até agora não engoliu aquele seis a zero sobre o Peru que nos tirou do páreo sem ter sofrido uma única derrota. De todos os resultados suspeitos que já vimos por aí poucos tiveram seus bastidores tão revirados.
 
De lá pra cá muitas histórias sobre aquela Copa vieram à tona, inclusive a de Havelange, cartola mais poderoso do mundo, presidente da FIFA, que na época depois de conversar com Videla conseguiu libertar o brasileiro Paulo Paranaguá, que tinha sido preso pela ditadura argentina. O caso foi relatado no livro " A vergonha de todos", escrito por Pablo Llonto.
 
A morte de Vidella, que acabou condenado por crimes contra a humanidade, teve alguma repercussão. Mas um outro fato recente, não. E ele, apesar de menor, deixa claro que por lá a perversa tabelinha entre política e futebol resiste de maneira um tanto cuel. Na Argentina, já faz alguns anos, o governo é o detentor dos direitos de transmissão do campeonato argentino. Para ter esse direito pagou cerca de 300 milhões de reais à Associação de Futebol do país, dirigida pelo mais longevo cartola das Américas, Júlio Grondona.
 
Com esse poder nas mãos na semana passada a presidente Cristina Kirchner simplesmente decidiu trocar o horário da partida entre Boca Juniors e Newell's Old Boys. A partida foi transferida para a noite, justamente no horário do programa "Jornalismo para todos", de Jorge Lanata, exibido pelo canal 13, que pertence ao grupo Clarín. Lanata, como é fácil concluir, costuma fazer denúncias e é um reconhecido crítico do governo.
 
O Boca fez a parte dele, esperneou. Em vão. O vice-governador de Buenos Aires, sem constrangimento, afirmou que os canais públicos usarem o que têm para concorrer com os programas de boa audiência é um jogo justo. Apesar do momento que vivemos, é uma ilusão achar que essa perversa tabelinha entre futebol e política ocorre só por lá. Fosse assim, não teria escutado a piada que escutei outro dia. A de que a nossa presidente com tantos ponta-pés iniciais nesta temporada já esteve mais em campo do que o Valdivia. 
 
 
* artigo escrito para o jornal " A tribuna", santos  

quarta-feira, 22 de maio de 2013

O futebol de sempre

 
Se tem uma coisa rara desde que o Brasil foi anunciado sede da próxima Copa é ver alguém peitar a FIFA.
Em todas as instâncias temos agido como cordeirinhos. Mesmo quando o secretário geral da entidade, Jérôme Valcke, transbordando deselegância, sugeriu um chute no nosso traseiro, a indignação parecia mais uma postura da mídia do que dos envolvidos. Chiar pra valer só o Ministro dos Esportes chiou. Chegou até a dizer que não aceitaria mais ter o secretário-geral como interlocutor de assuntos ligados à Copa. Mas o desenrolar dos fatos acabou mostrando que tudo não passava de um atitude pró-forma.

Por tudo isso na semana passada a postura forte do Corinthians com relação às declarações do poderoso Valcke me chamou a atenção. Descontente com a possibilidade de não ter a Arena do Corinthians pronta até dezembro, o secretário-geral disse, em tom de aviso, que a FIFA poderia mudar o local de abertura da Copa até o próximo dia primeiro de agosto. Em nota o Corinthians respondeu dizendo que a FIFA deveria ficar à vontade para mudar o local da abertura do Mundial se achasse o caso. O impasse estava criado.

Não demorou e as partes interessadas se reuniram no Rio. Selaram as pazes diziam os jornais no dia seguinte. E selaram porque? Porque a Caixa, aquela mesmo que recentemente passou a patrocinar times de futebol, teria sinalizado que aceita ser o agente financiador do empréstimo do BNDES no valor de 400 milhões de reais. O detalhe aí é que a Caixa irá substituir o Banco do Brasil que, não custa lembrar, não aceitara as garantias dadas anteriormente.

As negociações com o Banco do Brasil não andaram porque a empreiteira se recusava a dar garantias físicas, se limitava a comprometer apenas rendas da futura Arena. Para viabilizar o negócio com a Caixa o Corinthians aceitou hipotecar o Parque São Jorge. A questão é: o Banco do Brasil é que estava sendo muito rigoroso ou foi a Caixa que conseguiu ver um bom negócio onde o outro banco via risco ? Aceitando hipotecar o Parque São Jorge o Corinthians fez com a Caixa o que não tinha feito com o Banco do Brasil?

A única certeza, por hora, é a de que depois dessa bendita Copa do Mundo nosso futebol jamais será o mesmo. Prova disso está no preço dos ingressos. Na inauguração da Fonte Nova a arquibancada custou 90 reais. No próximo dia 26, o Santos estréia no Brasileiro recebendo o Flamengo, em Brasília, no Mané Garrincha. Os ingressos para o jogo começaram a ser vendidos na última quarta. Os mais baratos a módicos 160 reais. Teve gente que ficou na fila por quase quatro horas. Pensando bem o nosso futebol continua exatamente o mesmo.

* artigo escrito para o jornal " A Tribuna", Santos 

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Um outro Santos


Com um pouco de boa vontade é possível enxergar o atual Corinthians como o sucessor daquele Santos que foi capaz de voltar a vencer a Libertadores depois de quase cinquenta anos. Um time que estava na crista da onda, onde agora se vê a equipe dirigida por Tite. Os mais azedos dirão que o Corinthians de hoje está longe de ter a pulsação daquele que bateu o Boca e o Chelsea. É verdade. Mas isso não lhe tira ainda o título de time do momento. 
 
Aquele Santos que reconquistou a América e começou a desenhar essa hegemonia no futebol paulista além de verdadeiramente competitivo, qualidade muito citada ultimamente por Muricy, era um time afinado com a história do clube. Ou é ilusão deste que vos escreve o compromisso do time da Vila com o futebol bem jogado?
 
Até bem pouco tempo atrás quando se falava do Barcelona alguém sempre fazia questão de lembrar que o clube catalão há muito tempo se mostra fiel a uma maneira encarar o jogo. Resgato esses detalhes porque o Santos que tenho visto em campo me dá a impressão de fazer pouco caso disso tudo. Acho que é algo a se pensar. O Corinthians de Tite nunca foi chamado de brilhante. Ao contrário, enfiou goela abaixo de muita gente adjetivos até então pouco enaltecidos. Mas alguém aí duvida da eficiência do seu jogo? Jogadores, comissão técnica, ali tudo parece, ou não parece, reforçar um estilo?
 
Uma filosofia de trabalho é também uma estratégia. É perfeitamente compreensível que a fase mude, que o treinador encontre desafios pela frente, mas é difícil aceitar que em tão pouco tempo nenhum vestígio dessa antiga vocação santista seja visto. Outro dia ouvi Muricy e Neymar desdenharem da beleza. Entendo a intenção deles quando dizem que não estão nem aí, que não querem dar show.
 
No caso de Neymar chega a soar como uma heresia, pois foi justamente a beleza de seu futebol que o transformou nesse cara cortejado. Pra mim a falta de beleza é um sintoma. Onde existe beleza o futebol bem jogado é mais provável. Onde existe beleza há encanto. Sem a beleza tudo se iguala, no pior sentido possível.
 
Nem sei se beleza é o nome. Talvez fosse só o caso de se jogar futebol com alguma graça. Ou de dar ao jogo alguma alma. Afinal, Drummond não disse um dia que é na alma que se joga futebol? E mais, se ser competitivo é o grande objetivo o Corinthians com seu futebol maduro parece muito mais do que o Santos, ainda que o futebol esteja aí sempre pronto pra nos desmentir. Na minha modesta opinião o Santos tem uma chance no domingo: ser um pouco aquele outro Santos.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

O Veríssimo de hoje


Impossível ler o artigo do Veríssimo no Estadão de hoje (02/05) e não lembrar
do nosso Doutor Sócrates.Vá até o fim e verá que o nobre escritor colorado
descobriu mais um motivo para explicar porque é que o Magrão não sai do
nosso imaginário.


O melhor

02 de maio de 2013 | 2h 06

Luis Fernando Veríssimo - O Estado de S.Paulo


Era uma época cheia de perigos. Sarampo, caxumba, catapora, bicho do pé. Engolir chiclete era perigoso porque colava nas tripas. Fazer careta era perigoso porque se batesse um vento você ficaria com o rosto deformado pelo resto da vida. Pé descalço em ladrilho: pneumonia. Melancia com leite: morte certa. Banho depois de comer: congestão.

Um dia fizeram uma cabana num terreno baldio. Ainda havia terrenos baldios. A cabana era o mundo secreto deles, da turma. Ganhou um nome: Clube da Sacanagem. Ninguém precisava saber o que acontecia lá dentro. Os cigarros roubados de casa. As revistinhas. Mas a primeira coisa que o menino fez dentro da cabana foi comer melancia com leite e não morrer.

Com o tempo, os perigos mudavam. Desatenção na escola, falta de estudo, notas baixas: fracasso, nenhum futuro, ruína. Sexo sem camisinha: doença, gravidez indesejada, ruína. Amizades perigosas: drogas, dependência, nenhum futuro, ruína, morte.

- E banho depois da comida?

A ironia não era entendida.

- Pode.

O grande amor deixava olhar, mas estabelecera um ponto nas suas coxas do qual era proibido passar. Como o Paralelo 38, que dividia as duas Coreias. E ela era rigorosa. No caso de transgressão, soavam os alarmes e havia o perigo até de intervenção americana.

Mas bom, bom mesmo, era o orgulho de um pião bem lançado, o prazer de abrir um envelope e dar com a figurinha rara que faltava no álbum, o volume voluptuoso de uma bola de gude daquelas boas entre os dedos, o cheiro de terra úmida, o cheiro de caderno novo, o cheiro inesquecível de Vick Vaporub. Mas melhor do que tudo, melhor do que acordar com febre e não precisar ir à aula, melhor até do que fazer xixi em piscina, era passe de calcanhar que dava certo.
É ou não é?



 

O Neymar, o tetra e as caxirolas



Abro os jornais e vejo que a maré está mudando. Foi-se o tempo em que o coro pela permanência de Neymar era vigoroso. Os defensores vão claramente perdendo os argumentos. Sou levado a concluir, cruelmente, que todo esse fica-não-fica ao menos serviu para nos mostrar como o futebol brasileiro estava - e está - despreparado para lidar com esse tipo de situação. Mas Neymar só deve se preocupar pra valer se no íntimo tiver alguma dúvida de que será capaz de dar conta de tudo que se espera dele.

Ostentando uma invencibilidade de treze jogos a única coisa que se pode cobrar do time santista é aquele futebol encantador levado a campo em torneios recentes. Logo, na condição de grande espelho da equipe comandada por Muricy normal que Neymar também não esteja refletindo o brilho de outros tempos. Autógrafos comercializados à parte, em campo quem tem feito mais pelo Santos do que ele?

Aos desatentos não custa lembrar que nos acréscimos do clássico contra o Palmeiras foi visto indo buscar a bola junto à linha lateral para depois sair driblando, passar por alguns adversários, até mandar a bola precisamente na direção do gol.

A oportunidade que se apresenta ao elenco santista é rara, muito rara. O Campeonato Paulista pode não ser a menina dos olhos dos boleiros profissionais mas esse, em especial para os santistas, é a garantia de entrar de vez não só para a a história do clube. É preciso pensar um pouco para tomar noção do que significará conquistar o primeiro tetracampeonato da história do futebol paulista na era profissional. Pelé e seus nobres companheiros certamente gostariam de trazer mais essa no currículo.

Dizer que o Santos está perto da façanha seria quase leviano. O Mogi Mirim - e seus quarenta e dois gols -impõe respeito. Isso sem falar que numa suposta final o Santos teria pela frente um dos seus maiores rivais, se não o maior. E pelo menos até aqui a pegada do time santista dá a impressão de ser menor do que o momento exige.


Agora, permitam-me mudar de assunto, porque não dá pra deixar de falar dessa tal caxirola, o instrumento criado por Carlinhos Brown para fazer barulho na Copa do Mundo. As vuvuzelas do Mundial da África do Sul eram uma tradição por lá. Mas e a caxirola o que é? Um instrumento nascido de oportunidades? Protestar na arquibancada a torcida não pode, mas fazer o papel de animador de auditório pode? É isso? Ora, se for pra tocar alguma coisa por lá que se resgate as velhas charangas. Elas, ao menos, têm a ver com a história dos nossos estádios e do nosso futebol.