quinta-feira, 12 de março de 2009

O torcedor

Torcedor é, antes de tudo, instinto.
Mas não um instinto natural, um instinto diferente, admitido, concebido.

Torcedor é alguém esquisito. Um ser que sangra um sangue invisível só de ouvir que seu esquadrão não triunfou. Torcedor é uma linda ausência de razão. O que os olhos dele não vêem o coração sente, e como sente.

Torcedor é o que ousa desafiar o provável. Torcedor é imenso.

Torcedor é coisa tão vital que foi ele que o "fenômeno" procurou depois de explodir de alegria no último domingo. Torcedor parece ter sido inventado justamente pra esse instante em que nem uma comemoração com a própria mãe faria tanto sentido.

Ao falar dele, do torcedor, falamos de uma alma condenada a um sentimento capaz de irmana-la com um desconhecido. Uma alma condenada a trazer consigo um impulso incontrolável que faz brotar na boca, numa ínfima fração de segundos, um palavrão que dinamita a educação, os bons costumes. Um desatino.

Quem torce desafia sem querer a caretice intelectual de quem não consegue esquecer que o futebol é o ópio do povo.

E chega de Ronaldo. Chega!

Não estranhe não. É isso mesmo que estás pensando. Essas linhas, hoje, foram escritas pra você, em vosso nome, por alguém que se recusa, de maneira rebelde até, a propor comparações inexplicavelmente simples, como a que o reduz meramente a um ser apaixonado.

São palavras alinhadas para enaltecer os que um dia juntaram dinheiro pra comprar um ingresso. Palavras escritas pra quem um dia qualquer acordou cedo só pra acompanhar um jogo chinfrim num campinho singelo, ou pra quem se deixou levar pela ginga descoberta repentinamente ali na areia da praia.

Torcer é ampliar a possibilidade do sarro bem tirado, da alegria dividida.

Torcer é aceitar o risco prazeroso de uma dor que não mata. Torcer é aceitar que uma paixão nos toma tempo e nem sempre traz satisfação plena.

Torcedor é um ser que sonha acordado um sonho que não é seu, porque torcer é ter o poder de viver o delírio de colocar a bola entre as pernas de um adversário mesmo quando o pé que conduz a bola não é o nosso.

Dos torcedores é um reino absurdo e mágico. Antiquado e trágico. Mas onde a esperança de um acontecimento sublime está sempre viva.

Torcer é detectar uma certa pobreza escondida entre todas as teorias daqueles que não entendem esse ato.

A beleza do torcedor é resistente, humanamente complexa. Podem lhes tirar as bandeiras. Podem aumentar o rigor das revistas nas portas dos estádios. Podem ameaçá-los com a gatunice dos cambistas. Podem entregá-los à esperteza dos flanelinhas. Torcedor resiste.

Mas, olhe as palavras ao redor. Repare nos títulos. Investigue os primeiros parágrafos dos jornais. Tudo isso foi feito pra eles, em nome deles. E eles pouco aparecem.

O torcedor é um místico.

O torcedor sugere o vazio que ameaçaria os santos na ausência dos devotos.



* artigo escrito pra o jornal "A Tribuna", Santos

4 comentários:

Anônimo disse...

Excelente, Vladir!

Abs,

Maurício Fernandes.

Anônimo disse...

Esse, até a minha esposa achou bonito.
Eu então nem se fala...
Parabéns! Belíssimo texto.

Grande abraço.

Ton
waguaru@hotmail.com

Anônimo disse...

Torcedor é louco.

Anônimo disse...

O torcedor ia aos estádios para ver grandes jogadas e lances geniais,inesperados,acho que ele torcia para ver um bom futebol,um bom espetáculo,hoje o que a gente ver é muita pancadaria dentro e fora do campo.