Faz quase dez anos.
Estava nas numeradas do Morumbi acompanhando um clássico entre São Paulo e Corinthians. De repente, um torcedor à minha frente se levantou e começou a trocar insultos com um torcedor rival que estava no outro setor. Distante.
Entre eles uma imponente grade de ferro.
Minha primeira reação foi de espanto total. Não percebi nada, nenhum gesto que pudesse desencadear aquilo tudo. Talvez os dois tivessem trocado olhares antes daquele instante, se provocado, e isso tenha sido o suficiente. Cheguei a pensar que aquilo não passava de uma brincadeira grotesca.
Mas, pouco a pouco, eles foram se aproximando da grade.
E as ofensas aumentando, deixando todo mundo ao redor constrangido com aquela cena bizarra. Não demorou muito estavam cuspindo um no outro. Bradando palavrões cabeludos. Bárbaros. Tinham esquecido totalmente o futebol, não tinham mais o menor interesse pelo que se passava no gramado. Acredito que se não tivessem separados pela tal grade de ferro teriam trocado socos e ponta-pés até que um deles perdesse a consciência e deixasse de ser capaz de levar adiante aquela agressividade.
Essas palavras, confesso, me incomodam.
Não gosto de mal dizer o futebol, por causa dele já testemunhei muitas cenas encantadoras. Cenas que me emocionaram, que me levaram às lágrimas. Lágrimas e encantamentos que precisei dissimular porque não é isso que se espera ver estampado no rosto de um repórter esportivo.
Como dizia Gandolim - e não falo de nenhum ex-jogador, falo de um comediante italiano - o repórter deve ser dotado da fibra robusta dos carteiros.
Mas o que me faz perder a esperança é a constatação de que as boas coisas estão longe de contagiar tanto quanto a hostilidade desses infelizes que frequentam os estádios. Ao passo que uns poucos ignorantes são capazes de colocar a vida milhares em risco.
Veja. Qualquer cidadão de bem jamais pensou em desafiar a polícia. Não é o caso desses vândalos. As fardas e cassetetes não lhes intimidam. São homens, e até meninos, que partem para cima dos policiais sem o menor temor, trocam socos com eles cheios de desprezo pela autoridade. Estão escancaradamente conscientes de que os estádios viraram terra de ninguém.
Não, não se trata de um fenômeno nacional.
E não esqueço de uma partida da Libertadores entre São Paulo e River Plate. Lembro de ver um argentino enorme, com um pedaço de madeira arrancado dos bancos do Morumbi nas mãos, vestindo uma camisa 10, partindo pra cima de dois ou três policiais armados de escudos. Creiam, ele colocou os três pra correr. E provavelmente contou a façanha cheio de orgulho para seus colegas baderneiros na volta aos arredores de Nuñes.
Nem em sonho sou capaz de acreditar que esses doentes possam ser domesticados com carteirinhas.
Eles fizeram os estádios virarem a própria ameaça. Pode haver coisa mais triste, mais limitada, do que um jogo de uma torcida só? Mais triste do que isso, só pensar que o dia em que esses animais não tiverem mais um adversário na arquibancada, ainda assim estarão por aí. Marcando brigas pela internet, tramando emboscadas em estações de Metrô. Ameaçando nossos filhos, ameaçando qualquer um que ainda tenha coragem de vestir a camisa de um time de futebol, ameaçando qualquer um que tenha a coragem de desfraldar uma bandeira.
A violência deles há tempos reduziu times de futebol a argumentos de guerra. Uma guerra onde só perdem os torcedores de bem.
Jamais seremos uma torcida só, graças a esses outros.
* artigo escrito para o jornal " A tribuna", Santos
quinta-feira, 26 de março de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
A Ponte foi assaltada ontem à noite, contra o Corínthians, e ninguém na crônica paulistana falou nada sobre isso. Depois reclamam das safadezas do futebol brasileiro, esses hipócritas. E vejam só como os "grandes" precisam de uma forcinha da arbitragem: só assim conseguem empatar em casa jogando contra dez pernas-de-pau. Lamentável!
Vladir,
o que eu acho mais desanimador dessa violência que só aumenta e espanta os demais torcedores é que os clubes estão envolvidos, mas parecem se esquecer disso.
Boa parte dos clubes ajuda as organizadas a irem para o estádio. Seja com ingressos, seja com dinheiro ou até facilitando a entrada de material que seria proibido pela polícia.
E é nas organizadas que boa parte dos nossos hooligans se esconde.
Eu acredito que há como resolver o problema da violência nos estádios, mas é preciso ser firme, consistente e isso a gente não vê muito por aqui, nem por parte dos dirigentes dos clubes, nem da polícia e nem da justiça.
beijo
Guilherme,
se você viu o Cartão Verde está ciente de que contestamos várias atitudes do árbitro. Realmente está difícil ser feliz com essa nossa arbitragem.
Abç
Cris,
dias atrás um depoimento do presidente do Corinthians na polícia - sobre aquela confusão no Morumbi - deixou claro que os dirigentes mentem se dizem que os clubes não têm ligações com essas torcidas. Dias depois a Folha, inclusive, fez uma matéria sobre isso. Ação...que é bom. Nada !
Abç
Postar um comentário