segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Futebol na medida

De todas as coisas que penso sobre o mundo da bola a que mais me faz encontrar adversários é a intolerância que cultivo com os exageros cometidos em nome da paixão pelo futebol. Passei os últimos dias na companhia de um estimado amigo espanhol que, a certa altura, se mostrou perplexo com o fato dos brasileiros praticamente exigirem que qualquer pessoa tenha um time pra torcer.

E olha que Javier está longe de ser alguém que não dá bola para o assunto. Acompanha os fatos que envolvem o Real Madrid, time da cidade em que vive, mas sem deixar de levar em conta que o clube merengue carrega consigo a mácula de ser historicamente ligado ao Franquismo.

Se fosse pra torcer mesmo, diz ele, talvez escolhesse o Celta de Vigo, onde passou boa parte da infância, ou pela Real Sociedad, da cidade de San Sebastian, onde nasceu. No nosso longo papo sobre essas coisas sem boa medida, ele citou, inclusive, o Atletic de Bilbao que até hoje só contrata jogadores bascos, ainda que tenham nascido em uma das três províncias que ficam do lado francês.

Aproveitei para contar a ele algumas histórias, tendo como única intenção esclarecer a quantas anda a relação dos brasileiros com o futebol. Uma delas era sobre um amigo corintiano que toda vez que o filho precisava passar por uma experiência desagradável, como tomar um injeção, por exemplo, tratava de levar junto um distintivo do maior rival.

E outra, sobre um também corintiano, que morando próximo do Parque Antártica, foi praticamente obrigado a frequentar o clube com o filho pequeno. Mas desde sempre disse ao menino que estavam indo ao Corinthians. Um dia o inevitável aconteceu, e o filho disparou:

_ Pai, aqui não é o Corinthians?

E ele, já precavido, dissimulou:

_ Era, mas agora o Corinthians mudou!

As duas estratégias surtiram efeito. E a velha geração conseguiu forjar mais dois corintianos convictos. Quando digo ao amigo espanhol que a coisa mais comum por aqui é ver pais, tios, irmãos, comprarem, logo nos primeiros dias, um uniforme do time do coração para vestir o recém-nascido, ou nascida, sua expressão de espanto fica maior ainda.

Sempre acreditei que muita coisa ruim que vivemos no futebol se deve ao fato de termos deixado que ele ganhasse importância maior do que deveria ou merecia. Javier concorda. Não se trata de ser rabugento, mas que mal pode haver em ter um filho que não optou por se emocionar com o nosso time?

Quem perde a graça de torcer junto, pode muito bem descobrir a graça de torcer contra. E bom senso e boa medida nunca fizeram mal a ninguém, muito menos ao futebol.


* artigo escrito pra o jornal " A tribuna", Santos

3 comentários:

disse...

ola, Vladir,
Achei muito interessante sua matéria, pois veja só, eu prezo cada vez mais meu pai por isso, ele foi um corintiano (fanático digamos) teve o carater e a sabedoria de deixar seus 05 filhos com autonomia para torcer para qq time (apesar de influenciar dando camisetas, etc, inevitavel), resultado: 03 se tornaram corintianos, um (acredite) não torce para nenhum time (só p/o Brasil) e eu graças a Deus (e ao meu pai, claro) sou sãopaulino (e unico hexa da família).
abs
Sérgio

Vladir Lemos, jornalista disse...

Poxa, Sérgio,
que história bacana a sua. Fico feliz em ver o texto ganhando uma base empírica.

Abraço

Geraldo disse...

Valdir,

Gostaria de saber se há interesse numa troca de links entre os nossos blogs: http://www.corintimao.com.br/blog/

Atenciosamente,
Geraldo Machado