sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Carta ao Deus do futebol

Antes que o senhor comece a achar que estas são palavras de alguém que perdeu a fé em ti me ponho a avisar que não se trata de nada disso. Descobri vossa magia ainda menino, tão menino que só tempos depois fui me intrigar com o fato de um Deus se manifestar através de uma bola. E desde aqueles primeiros dias continuo sendo um discípulo fiel.

Devo confessar, no entanto, que já não são raros os momentos em que me pego sem conseguir me entregar como no princípio. Não sei, certas horas tudo deixa de fazer sentido. Não são poucos os pecados que os homens por aqui têm cometido em seu nome. Faltas tão graves, que pensar em cobrar quatrocentos reais por um ingresso quase alcança explicação.

As heresias também são tantas. Diminuir o número de jogadores em campo, fazer uso de tudo quanto é tipo de recurso eletrônico. Meu Senhor, imagine só. Perdoai-vos, eles não sabem o que fazem. Transformam, aos poucos, nosso sagrado ritual numa espécie de Big-Brother. Às vezes, penso que não tardará o dia em que um esperto qualquer decidirá propor a modernização dos dez mandamentos.

Agora mesmo, quando nosso Campeonato Brasileiro vai chegando ao fim, quando os homens vão tendo que provar suas virtudes, o que se vê é a nossa falta de fibra. Quem vai ganhando o jogo são as malas, pretas, brancas. O fim se aproxima com essa nossa dimensão terrena, na qual o dinheiro vai se impondo como o motor de tudo. Aí precisa vir o Zico - ele mesmo, o seu “galinho” – lá do Uzbequistão pra passar um pito em todo mundo.

Eu sei que o senhor deve andar muito atarefado, e de cabelo em pé, só pensando no que essa gente está fazendo lá na Inglaterra.E os russos então? Sempre os russos. Senhor, sou capaz de aceitar tudo de ti. Até mesmo essa ausência. Nunca nosso jogo de bola esteve tão pouco divino.

Mas, meu Deus... já ouvi falar que o senhor também é brasileiro e não vai deixar de dar uma mãozinha. Não precisa se preocupar com essa coisa de parecer imparcial, não. Aqui no Brasil os jornalistas já se encarregaram de explicar em alto e bom som que seja lá qual for a nossa missão, cada um tem sua preferência.

Olha, aproveito pra dizer que não quero mal o Dunga.Quem sou eu pra duvidar das qualidades de um semelhante? Ainda mais um que aos olhos de todos nunca deixou de colocar a perna em qualquer dividida pela nossa seleção. Peço somente que o Senhor, ou nos dê alguém mais amável pra nos conduzir, ou que o ilumine.

E se não for pedir demais, afinal, tenho aqui comigo a impressão de que já estou passando da conta, imponha seu brilho sobre a última rodada desse nosso Brasileirão, que vença o melhor, sempre, só nos livre dos castigos impostos pelos árbitros, estamos fartos.

Em teu nome prometo acender uma vela e tomar um bom banho de mar, além de bater uma bolinha com os amigos, claro, pra provar de vez minha devoção, pra provar que minha fé permanece intacta.

4 comentários:

Anônimo disse...

Amigo Vladir...

O texto foi brilhante, agora, pedir para que ficássemos livres dos erros de arbitragem, de fato, foi pedir demais...

Grande abraço.

Ton
waguaru@hotmail.

P.S.: E qual não foi a minha surpresa ontem e teve cartão verde em pleno domingo? O que houve, está sendo sempre assim ou foi apenas especial para o fim do BR-08?

Abraço.

Vladir Lemos, jornalista disse...

Caro Ton,

foi mesmo uma edição especial em razão do encerramento do Campeonato.Mas foi bacana reviver o Cartão na noite de domingo. Falha minha não ter postado algo aqui sobre isso.

Abraço

Anônimo disse...

Vladir, estava aqui na minha morada - a do Sol - curtindo férias forçosas e entrei no teu blog.
Rapaz, que texto bom. Que crônica gostosa, suave, miudinha, ao "rés do chão" como sentenciou o Antonio Candido.
Não quero parecer presunçoso, apenas informar-lhe que meu mestrado tem o título : "Crônica de futebol, o drible entre o futebol e a literatura".
Parabéns pelos teus dribles, meu caro.
Cartão Verde pra você

Anônimo disse...

Lindo texto. Amém!! O Cartão verde não passou aqui, nem quarta e nem domingo. Só Deus sabe se vai voltar a passar.