sexta-feira, 25 de julho de 2008

A arte da escolha

Os árbitros têm se esforçado, como tem, diria até que têm se superado na tarefa de irritar o torcedor. Mas para a sorte deles o descontentamento com as escalações é imbatível.

Tenho encontrado por aí uma multidão de palmeirenses indignados com o fato de Diego Souza continuar em campo. Tempos atrás, na Vila, torcedores quase arrancaram os próprios cabelos ao perceber que o treinador insistiria em dar à Carlinhos a incumbência de cuidar da lateral esquerda do time santista. Já o embalo do tricolor pode até livrar atletas como Richarlyson de viver um papel similar. Enfim, escolhas que enlouquecem a torcida no pior dos sentidos existem aos montes.

E essa realidade, aparentemente desprovida de bom senso está, também, nas convocações da nossa seleção, seja ela principal ou sub-23. Chegamos ao cúmulo de montar uma equipe olímpica com posições visivelmente carentes, nas quais uma séria e repentina lesão fará nosso treinador se sentir diante de um xeque-mate.

Há tempos a lógica do mercado condenou o futebol brasileiro a ignorar um detalhe vital para o espetáculo: a fase vivida pelo atleta, que pode ser boa ou não. Só os fora-de-série estão livres dessa oscilação, e nem sempre. De outro modo como seria possível explicar que,atletas quase medíocres, vivam a glória de ter seu nome cantado pela torcida?

Ocorre que o futebol atual já não pode ficar refém dessa pureza de atitude. O mercado ditou outras lógicas. A lógica das transferências, a lógica do jogador de confiança, a lógica dos serviços prestados, como se uma vaga na seleção ou num grande time pudessem ser transformadas em uma espécie de recompensa. E não se trata de pedir que os "professores" ignorem seu lado mais humano, seu instinto.

É nessa hora que vejo minhas lembranças de infância ditarem o caminho. Quando chegava a hora de escolher um time para disputar uma pelada, dois dos mais respeitáveis integrantes da turma se reuniam no meio do campo, escondiam uma das mãos nas costas e decretavam um justo "par ou ímpar".

A vitória dava ao vencedor a vantagem de iniciar a escolha. Alternadamente eles iam montando os times. Ali não havia camaradagem, compromissos, nada. O que pesava na escolha era a capacidade de tratar a bola, ou até uma outra qualidade, mas que pudesse ser útil ao time.

E se havia algum pequeno privilégio ele vinha muito depois dos craques, ou daqueles que viviam grande fase, terem sido escolhidos, e ainda assim a margem para a camaradagem era mínima. Sabia-se que a escolha era o início do triunfo e, além do mais, não havia dinheiro na parada.

Bons tempos, bons tempos aqueles em que o jogo da nossa vida começava a ser decidido com um simples par ou ímpar. Escolhas! Quanto mais decisivas, mais difíceis. Quem nunca precisou fazer uma? Não se trata mesmo de uma arte?


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos

4 comentários:

Anônimo disse...

Boa tarde meu dileto amigo Vladir!
Como vai?

Não que os textos anteriores não mereçam comentários, mas este aqui me tocou num momento e num ponto especial: as escolhas..

Favorecimentos, compromissos, palavras... ali o que importava era a bola, o talento em busca da vitória, aquela vitória que entraria pra história, que alimentaria os sonhos, que daria orgulho...

Que saudade do tempo que meu destino estava em jogo num par ou ímpar.
Ou até na mão daquele professor de educação física que me escolheu como armador direito para as Olimpíadas Colegiais de Guarulhos 2005.

Grande abraço!

Ton
waguaru@hotmail.com

Anônimo disse...

Na hora de partir os times para a pelada, sempre fui o último

Vladir Lemos, jornalista disse...

É meu Caro Ton,

as escolhas feitas moldam nosso caminho.

Abraço

Vladir Lemos, jornalista disse...

Olha, João Sérgio,

eu, se não era o último...
estava sempre perto.

Abraço