quinta-feira, 17 de março de 2022

O prazer e o desprazer do gol



Como se costuma dizer, mesmo que a frase não tenha sentido prático, Freud há de explicar minha fixação pela posição de goleiro. Tá certo que a presepada protagonizada dias atrás pelo italiano Donnarumma,  e que há de ficar na história como o lance que marcou o início da mais retumbante  derrocada do endinheirado PSG, contribuiu sobremaneira pra que o meu interesse fosse desaguar outra vez nos homens que reinam na grande área  E ainda que ser exigido cada vez mais na profissão que se exerce seja castigo imposto à maioria, essa coisa de ter tornado o bicão pra frente coisa praticamente proibida em certos esquemas só tem ampliado o já enorme calvário dos arqueiros. 

Ser goleiro, no fundo, sempre escondeu aceitação e coragem para se correr o risco dos grandes castigos. Não por acaso um frango soa como um gol perdido elevado à décima potência. Que não se engane aquele que venha a se aventurar debaixo de uma trave porque ali bem menos que uma bola entre as pernas pode ser o suficiente para minar uma reputação. Vejam, no mesmo dia, poucas horas depois pra falar a verdade, o ótimo arqueiro Fábio do Fluminense se viu nessa situação na partida contra o Olimpia pela Libertadores. 

Um erro que permitiu o empate do time paraguaio. Um desavisado poderá pensar que os outros dois gols que acabariam por decretar a vitória do time carioca bastaram pra que o erro se diluísse nesse enredo, afinal, vitorioso. Que nada. No outro dia não se falava do jogo sem citar o ato falho. Mesmo que ele tenha depois do erro feito um par de defesas incríveis e imprescindíveis para que o placar terminasse como terminou. Na verdade uma análise mais minuciosa revelará que ainda ontem à noite quando o Flu decidiu a vaga no Paraguai a falha pairava sobre o estádio Defensores Del Chaco, mais precisamente sobre a cabeça do camisa um tricolor.  

Não me entendam mal,  considero Fábio um ótimo exemplo porque só um equivocado amante do futebol seria capaz de afirmar que não se trata de um grande goleiro. Minhas aventuras futebolísticas de moleque sugerem que há nisso tudo uma compensação. Detalhe que Freud certamente consideraria substancioso se viesse mesmo a tentar esclarecer o assunto. A mim soa óbvio. Vira e mexe dizemos que os meias criativos sumiram, temos um time endinheirado há tempos procurando um nove daqueles. Mas goleiros bons não nos faltam. Tenho certeza de que você citaria de cara uma meia dúzia. E tô falando de gente que joga aqui no nosso país. Nada de olhar além fronteira. 



Weverton, um monstro. Fábio, espetacular. Santos, de respeito. O santista João Paulo, quase um mágico. Everson, do Atlético Mineiro, de Seleção. Walter, que no Brasileiro passado brilhou defendendo o Cuiabá. Jaílson, que na terça foi o herói da classificação do América Mineiro pra fase de grupos da Libertadores. Estão aí aos montes.  A posição, estou convencido, não só tem algo de nobre, apesar dos pesares, como se afina com figuras que têm algo de singular.  Por falar em Freud , uma das teorias dele falava do princípio do prazer e do desprazer.  Em linhas gerais algo que pregava que todo o funcionamento mental do indivíduo está voltado para diminuir o desprazer e aumentar o prazer. Pensando bem nos castigos que tenho visto ser impostos aos goleiros - e lembrando de como me diverti nos tempos de moleque pegando no gol - imagino que deva ser mais ou menos por aí. E que sem saber  na ânsia pelo prazer os goleiros acabam conhecendo um desprazer imenso.

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