quinta-feira, 31 de março de 2022

A tradição do Paulistão

                                                           Foto: Alex Silva/ lancepress

O Campeonato Paulista caminha para o final de mais uma edição. Imagino que deva  por isso ter ditado o tom de muitos na noite de ontem, seduzindo torcedores de várias camisas, não só palmeirenses e sãopaulinos.  Gente que desde sempre andou ligada no jogo de bola.  Não que o jogo de ida tenha sido uma maravilha . Mas levando em consideração que andamos neste momento desfrutando do que seria o filet-mignom do torneio, dá pra arriscar que o que se viu horas atrás no gramado do Morumbi esteve muito acima da média do que foi o torneio como um todo. Ou seja, nunca ficou tão claro que o mais antigo torneio de futebol do país precisa de cuidados. 

Renovo aqui a posição que sempre defendi que é  a de que os estaduais não devem ser extintos. É preciso neste caso, talvez, admitir que  falar de maneira tão abrangente pode não ser o ideal.  Uma vez que a realidade de cada um deles deve conter detalhes que o meu conhecimento não abarca. Difícil é discordar que o torneio Paulista é o que supostamente teria  - e tem - mais recursos para se justificar. Aceitar simplesmente o fim dele seria, a meu ver,  relevar a forma pouco nobre com que os cartolas o trataram ao longo dos tempos.  É preciso uma saída que honre a história , a tradição que os estaduais carregam. 

É evidente que tudo isso está intimamente ligado a outras questões do futebol nacional, como o tão falado calendário. E, especificamente no caso do Paulista, a maior prova de que ele é viável está no fato de que ao longo do tempo proporcionou faturamentos grandiosos.  O que acabou  sendo crucial para que sobrevivesse, desse jeito estranho, mas sobrevivesse.  De outro modo, nem a história, nem toda a tradição teriam lhe salvado. E nem vamos dizer do papel que sempre exerceu. A saber, o de ser o amparo de times menores. De ser  a razão pela qual muitos times distantes das capitais ainda sobrevivem. Ainda que pagando salários infinitamente distantes dos que costumam aparecer  nas manchetes.  

Quem viu os jogos da fase de grupos não há de ter esquecido a modorra de muitos deles. Mesmo os jogos  únicos que definiram os semifinalistas, com seus ares de tudo ou nada, não deram conta de representar com louvor o momento. Alguém talvez dirá que o tempo dos estaduais ficou pra trás. Que nunca mais veremos uma final de estadual ter o peso que teve  a lendária decisão de 1977.  Decisão que com todos os detalhes que a envolveram até pode ser considerada um ponto fora da curva.  Mas há um sem fim de outras decisões, que foram a seus modos gloriosas, para corroborar o que vai aqui escrito. 

Os embates entre  Palmeiras e Corinthians no início dos anos noventa.  A inusitada final caipira. A magia de uma Internacional de Limeira dirigida pelo Seo Macia, o Pepe. Fragmentos que juntos formam uma história linda. Preservar o Campeonato Paulista seria  preservar cada um desses momentos.  Que no domingo quando Palmeiras e São Paulo estiverem frente a frente de novo e encerrarem a edição mais atual de um campeonato que carrega 120 anos de história estejamos mais convencidos de que mais do que acabar com o Paulista é preciso reinventá-lo. E assim voltar a encontrar bons motivos para chamá-lo de Paulistão.

quinta-feira, 24 de março de 2022

Não me diga



Não sei direito quando foi que tudo começou. A única coisa que sei é que houve um tempo em que jogadores de futebol não colocavam a mão na frente da boca pra falar o que precisava ser dito. Ou o que queriam dizer.  Mas o que me espanta é a maneira como o ato é executado. Seria de se supor que envolvidos com algo que mexe tanto com a emoção em determinados momentos a última coisa que alguém lembraria ali no calor da hora é que alguém poderia,  mesmo sem ouvir, acabar por desvendar o que está sendo dito. A arma encontrada por boleiros e afins para fazer do futebol um mistério ainda maior para os não iniciados é eficaz. Disso não duvido. 

E, se a memória não me trai, essa onda começou com algum ocorrido envolvendo um treinador da Seleção Brasileira o que - por tabela - fez o caso ir parar no Fantástico.  Ou algo que o valha. Aos jovens peço que não estranhem, pois houve um tempo em que não existiam redes sociais, nem YouTube e o apogeu de um fato jornalístico se dava mesmo era no referido programa dominical. E disso ninguém duvidava. De lá pra cá outros momentos similares vieram à publico.  

Momentos que envolveram figuras como o técnico Wagner Mancini, que teria pedido a um de seus comandados para forçar um segundo cartão amarelo. Nenhum pecado, digamos, capital.  Mesmo porque na referida partida, um clássico entre Bahia e Vitória, a confusão foi generalizada, com direito a socos e pontapés. E meio mundo já tinha sido expulso.  Ou seja, nela se viu pecados que poderiam ser tidos como piores. Em outra ocasião, um empate entre Grêmio e Flamengo, a leitura labial acabou deixando a coisa meio esquisita pro lado de Renato Gaucho, que teria ouvido o auxiliar dele sugerir que Vitinho deveria ser tirado de campo. Até aí nada demais, se Vitinho não tivesse feito os dois gols do rubro-negro que de início ia perdendo por dois a zero. E se Renato não tivesse sido anteriormente treinador do time gaúcho na ocasião ameaçado um rebaixamento que viria a ser consumado. 

Fato é que a coisa se enraizou de tal modo que agora mesmo o papo descontraído entre os jogadores depois do apito final se dá com bocas tapadas.  O que será que se diz de tão valioso?  Ou proibido. Quero acreditar que temas estritamente pessoais não acabariam investigados por especialistas em leitura labial.  Se boa parte dos gestos se dá porque o palavreado não é polido, faça-me o favor.  Estamos cansados de saber que um campo de futebol não tem a polidez dos salões da Academia Brasileira de Letras.  Portanto,  diria aos boleiros que relaxem.  

Além do mais, estamos todos cansados de saber que conversas proibidas existem em qualquer profissão. Mas o que se diz no Supremo Tribunal Federal, no Congresso, nas Assembleias Legislativas nestes dias que correm também é transmitido ao vivo.  Acho que esse tipo de situação diz muito sobre a relação de atletas e comissões técnicas com a imprensa. Vale uma reflexão. Também não quero que entendam estas minhas linhas como uma recriminação. Cada um sabe bem onde o calo aperta, diz o dito popular.  

Como não custa lembrar que já houve casos em que a leitura labial serviu para apontar palavras que não deveriam ser ditas. Um deles quando o brasileiro Neymar acusou o zagueiro Álvaro González de ter lhe proferido uma ofensa racista em uma partida entre o PSG e o Olympique de Marselha. Enfim, pode até ser que você não veja um gol no próximo jogo do seu time, mas deixar de ver alguém em campo colocar a mão na boca preocupado com o que está sendo dito, isso chego a achar que será mais fácil de ver do que um gol.  

terça-feira, 22 de março de 2022

O Roda Viva com Abel Ferreira, técnico do Palmeiras

 



                                            Roda Viva - Abel Ferreira / Íntegra

quinta-feira, 17 de março de 2022

O prazer e o desprazer do gol



Como se costuma dizer, mesmo que a frase não tenha sentido prático, Freud há de explicar minha fixação pela posição de goleiro. Tá certo que a presepada protagonizada dias atrás pelo italiano Donnarumma,  e que há de ficar na história como o lance que marcou o início da mais retumbante  derrocada do endinheirado PSG, contribuiu sobremaneira pra que o meu interesse fosse desaguar outra vez nos homens que reinam na grande área  E ainda que ser exigido cada vez mais na profissão que se exerce seja castigo imposto à maioria, essa coisa de ter tornado o bicão pra frente coisa praticamente proibida em certos esquemas só tem ampliado o já enorme calvário dos arqueiros. 

Ser goleiro, no fundo, sempre escondeu aceitação e coragem para se correr o risco dos grandes castigos. Não por acaso um frango soa como um gol perdido elevado à décima potência. Que não se engane aquele que venha a se aventurar debaixo de uma trave porque ali bem menos que uma bola entre as pernas pode ser o suficiente para minar uma reputação. Vejam, no mesmo dia, poucas horas depois pra falar a verdade, o ótimo arqueiro Fábio do Fluminense se viu nessa situação na partida contra o Olimpia pela Libertadores. 

Um erro que permitiu o empate do time paraguaio. Um desavisado poderá pensar que os outros dois gols que acabariam por decretar a vitória do time carioca bastaram pra que o erro se diluísse nesse enredo, afinal, vitorioso. Que nada. No outro dia não se falava do jogo sem citar o ato falho. Mesmo que ele tenha depois do erro feito um par de defesas incríveis e imprescindíveis para que o placar terminasse como terminou. Na verdade uma análise mais minuciosa revelará que ainda ontem à noite quando o Flu decidiu a vaga no Paraguai a falha pairava sobre o estádio Defensores Del Chaco, mais precisamente sobre a cabeça do camisa um tricolor.  

Não me entendam mal,  considero Fábio um ótimo exemplo porque só um equivocado amante do futebol seria capaz de afirmar que não se trata de um grande goleiro. Minhas aventuras futebolísticas de moleque sugerem que há nisso tudo uma compensação. Detalhe que Freud certamente consideraria substancioso se viesse mesmo a tentar esclarecer o assunto. A mim soa óbvio. Vira e mexe dizemos que os meias criativos sumiram, temos um time endinheirado há tempos procurando um nove daqueles. Mas goleiros bons não nos faltam. Tenho certeza de que você citaria de cara uma meia dúzia. E tô falando de gente que joga aqui no nosso país. Nada de olhar além fronteira. 



Weverton, um monstro. Fábio, espetacular. Santos, de respeito. O santista João Paulo, quase um mágico. Everson, do Atlético Mineiro, de Seleção. Walter, que no Brasileiro passado brilhou defendendo o Cuiabá. Jaílson, que na terça foi o herói da classificação do América Mineiro pra fase de grupos da Libertadores. Estão aí aos montes.  A posição, estou convencido, não só tem algo de nobre, apesar dos pesares, como se afina com figuras que têm algo de singular.  Por falar em Freud , uma das teorias dele falava do princípio do prazer e do desprazer.  Em linhas gerais algo que pregava que todo o funcionamento mental do indivíduo está voltado para diminuir o desprazer e aumentar o prazer. Pensando bem nos castigos que tenho visto ser impostos aos goleiros - e lembrando de como me diverti nos tempos de moleque pegando no gol - imagino que deva ser mais ou menos por aí. E que sem saber  na ânsia pelo prazer os goleiros acabam conhecendo um desprazer imenso.

quinta-feira, 10 de março de 2022

Lembra da CBF?



​Tem sido intrigante, para não dizer constrangedor, a maneira como a imprensa vem tratando a principal entidade do futebol brasileiro. No fundo a cartolagem  deve estar erguendo as mãos para o céu que em momento tão complexo a entidade pareça não despertar o mínimo interesse dos veículos de comunicação.  A impressão que tenho é de que a coisa beira o esquecimento. É certo que a CBF nunca careceu de histórias como as que envolveram o recém destronado presidente Rogério Caboclo para se ver no meio de escândalos. Jamais. Eles sempre foram fartos. Cabeludos. E pior, por mais que os incêndios tenham chamuscado biografias nunca se mostraram suficientes para derreter o poder de quem manda. Quem mandava, segue mandando. 

Uma outra maneira de encarar essa realidade é ver como ela escancara a fragilidade dos clubes brasileiros. O quanto eles seguem cúmplices de tudo o que faz o futebol brasileiro menor. Sem capacidade de abrir um caminho para o futuro. Espanta que nem em um momento de tamanha fragilidade institucional como esse a questão da formação de uma Liga tenha ido adiante pra valer. Há, eu sei, todos sabem, uma sendo urdida e que andou deixando vazar suas cifras impressionantes.  Com a grana sempre saindo das Arábias. 

Seria até um desdobramento natural desse momento em que a lei permitiu a chegada de investidores e as Sociedades Anônimas de Futebol - que mal acabaram de nascer - vão sendo vendidas sem que isso tudo desague numa união entre os clubes. Algo que permitisse a eles ter a rédea do negócio.  Mas não deve ser por acaso que apenas os quebrados financeiramente é que se viram na condição de alvo. Deveriam obviamente e, primeiramente, duvidar da intenção de seus pretendentes. Mas, voltando à situação atual da CBF, na minha modesta opinião a cobertura jornalística a respeito dela e dos acontecimentos importantes ocorridos nas vísceras do luxuoso prédio erguido na Barra da Tijuca, tem sido inversamente proporcional a importância deles. 

Eco à altura só teve o escândalo de tom sexual que envolveu Caboclo e que foi o estopim da crise atual. Depois disso, quando a poeira baixou, não se foi a fundo em mais nada. E nem estou falando aqui de se praticar jornalismo investigativo que é  modalidade quase extinta. Nesse meio tempo figuras que deram as cartas por lá caíram, outras assumiram.  É de se supor que um sem fim de arranjos foram e têm sido necessários. Tempos atrás quando o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o presidente mais velho deveria assumir a presidência e convocar Assembleia para reformar o Estatuto antes das novas eleições, nem assim o fato foi devidamente noticiado. E olhem que se tratava de uma intervenção. Coisa que a eles assusta mais do que assombração. A FIFA pediu explicações por carta. 

Não tardou e decisão tinha caído porque a CBF e o Ministério Público tinham chegado a um arranjo, quero dizer, acordo.  Por força da lei na última segunda nova Assembleia se deu. A aberração de a Confederação ter tempos atrás dado peso diferente aos votos de seus associados, numa clara tentativa de manipular o colégio eleitoral,  permaneceu.  Tudo coma anuência dos clubes que dizem ter recebido a promessa de se trabalhar pela criação da tal Liga. Mas talvez você não estivesse sabendo. O que fortalece a teoria que embasa esse meu lamento.   

quinta-feira, 3 de março de 2022

O futebol é guerra



A frase era ouvida aqui e ali toda vez que o jogo esquentava. Toda vez que revelava seu lado bélico. A metáfora conceitual, como vi definida certa vez num estudo e que dá título a estas linhas, pelo visto foi atingida em cheio e naufragou nas águas sujas deste tempo em que o ar do politicamente correto começou a fazer vítimas.  Atingidas sem poder se defender boa parte das vezes. Já que seus algozes não hesitam  em mirar o passado. No que está dito ou escrito não é de hoje.  Não que tenha algum apreço pela definição. Longe disso.  Aos poucos vão caindo nessa batalha também outros termos, como matador. Coisa tão frequente em outros tempos.  

Não sou um puritano mas sou capaz de ver com bons olhos que o futebol se dispa desse vocabulário, digamos, de referências discutíveis. Mas por mais que o mundo tenha mudado confesso ter certa dificuldade de imaginar que um dia um termo como artilheiro, por exemplo, venha a cair por terra. Segue aí mais vivo do que a tal metáfora conceitual, que parece não ter mais lugar no time. E mais vivo do que o hábito de chamar quem não deixa a bola ficar pingando na área de alguém que mata. Termo que se não tem os dias contados anda frequentando cada vez mais o banco de reservas. E nem vou falar dos boleiros com seus dedos em forma de arma. 

Noto agora ao invocar essas analogias que mesmo a maneira tão ancestral de se definir um chute potente nominando o tal de bomba já não se ouve mais. Mas triste de verdade  é constatar que  com toda essa preocupação , ou com esse modo up to date de tratar as coisas,  o mundo não melhorou. Segue sujo como o futebol. Rendido a interesses. Mesmo que custem vidas. Putin decidiu guerrear com a Ucrânia e, de repente, o futebol se viu atingido. Brasileiros levados ao país invadido por causa do bom e velho jogo de bola se uniram num hotel com filhos e esposas para pedir ajuda. Sem informações, sem saída. E foi impossível não ver naquilo e em tantas outras histórias que viriam a agonia o medo. 

Polônia, Suécia e República Tcheca envolvidas na fases finais das Eliminatórias Europeias  se apressaram em avisar que se recusavam a jogar na Rússia. Como não tardou e São Petersburgo se viu chamuscada em seu glamour ao  perder o direito de ser a sede da próxima decisão da Liga dos Campeões da Europa. Ah, a Europa. No fundo parece ser ela que o insano russo mira nessa jogada  horrorosa. Capaz de entristecer até o Rei do Futebol que de seu leito em um hospital fez questão de lamentar que o mundo se visse novamente envolvido num lance desses. O Rei que encantou o mundo depois de decantado o pós guerra. O rei que foi aos Estates quando a guerra tinha se feito fria. 

A Rússia palco da última Copa. A Rússia que pelas mãos de Putin, o homem dado a cenas de exibicionismo e força,  usou e abusou do esporte. Sediando também uma olímpiada de inverno que custou mais do que a Copa do Brasil e a Olimpíada do Rio juntas.  Jogos que fizeram o  ditador disfarçado de presidente figurar na capa da Revista americana New Yorker e na inglesa The Economist. Na primeira aparecia em uma ilustração não apenas como patinador artístico mas também como os cinco jurados da própria performance dele.  Dizer mais o quê? Enquanto não esqueço que alhures as bombas explodem sonho com um futebol que mostre com grandes  atitudes que não é guerra.