A modernidade é cruel. Diante dela nem aquele velho chavão de que onde joga um goleiro nem grama nasce deixou de ter sentido. Embora ouse apontar que por ali o gramado sintético estará sempre mais maltratado. Sei que cada posição tem sua dor e sua delícia, mas o caso dos goleiros é outro. Ficar ali na zona do campo em que todo mundo quer chegar tendo de evitar que a bola lhe alcance a rede sabendo que viris atacantes não medirão esforços para dar conta do recado beira a insanidade. Não é á toa que na época de moleque testemunhei várias peladas orfãs de quem aceitasse se sujeitar à tal condição, como muitas vezes escutei também o elegido para o gol, com voz de condenado, suplicar que tudo bem ficar ali entregue à sorte mas que não valia dar bicão.
Pra você que por ventura se apresente a essas linhas na condição de outsider saiba que um bicão vem a ser usar toda a força no pé pra chutar a bola. Agora, se você foi o tipo de moleque que cansou de ralar a parte de fora das coxas dando carrinhos suicidas , ou do tipo que deixou pelo caminho um sem fim de tampões do dedão do pé ao tentar se consagrar em peladas travadas em chão de terra, saberá bem do que estou falando. Estará neste momento quem sabe até rindo sozinho, com certa nostalgia estampada no rosto.
Tudo isso me veio na cabeça não por causa da lembrança do velho Barbosa, o grande Barbosa, símbolo do Vasco que quis o destino personificasse como ninguém as agruras a que um goleiro está exposto, mas sim pelas declarações de Muralha, aquele mesmo que alguns anos atrás passou a ser o grande alvo da torcida do Flamengo. O arqueiro andou brilhando no Campeonato Paulista, teve atuações enaltecidas pela crônica e se o Mirassol uma vez mais voltou a figurar entre os semifinalistas do torneio estadual foi por obra dele. Notem que por si só o apelido desse mineiro de três Corações, de nome Alex Roberto, é prova de que um dia ele foi visto de modo respeitoso, de outro modo não teria ficado conhecido como Muralha. Seria conhecido - como tantos por aí - como mão de alface, o jeito carinhoso que a torcida como costuma tratar aqueles cujas mãos não inspiram confiança.
O gol, meus amigos, guarda o céu e o inferno como nenhum outro lugar do campo. Isso nestes dias em que o gaúcho, Alisson, goleiro do Liverpool, virou herói ao avançar pra área adversária e marcar um tento de virada aos quarenta e nove do segundo tempo. Coisa que o time inglês jamais tinha visto em seus cento e vinte e nove anos de história. Mas nada foi tão esclarecedor da importância de alguém que topa defender o gol do que a situação que se desenhou para o River Plate na noite da última quarta-feira. Tomado por um surto de covid o time argentino viu seus quatro arqueiros infectados e precisou achar entre os jogadores de linha alguém pra cumprir a tarefa. Encontrou o herói na figura de Enzo Perez. O que provou, ao mesmo tempo, que a vida dos goleiros é mesmo uma mistura indócil de consagração e flertes com a ruína e a Conmebol... uma ameaça ao futebol.
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