quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Um devoto do futebol arte


Neste momento em que a qualidade e os métodos dos nossos treinadores são tão questionados me pareceu muito simbólica a partida de Otacílio Pires de Camargo, o técnico Cilinho. Confesso certo incômodo ao ter dado de de cara com manchetes que o definiam como o técnico dos "Menudos do Morumbi", quando ele foi na verdade bem mais do que isso. Não é fácil defini-lo, existia uma certa complexidade na sua figura. Era orgulhoso de sua veia de boêmio. Gostava de contar que quando ia ao sul um dos programas que cumpria era ir tomar umas e outras com Lupicínio Rodrigues que, segundo ele, era assíduo frequentador de um mercado de Porto Alegre. 

Cilinho era um cara do interior e moldado pelo futebol do interior numa época em que isso era sinônimo de certa excelência. Diria que ele tinha algo de Fernando Diniz, um treinador que destoava dos outros. O São Paulo realmente teve um peso na trajetória de Cilinho, foi o grande que lhe abriu as portas depois de ter visto o que ele andava fazendo. Uma aposta que deu muito certo. Segundo Cilinho foi por causa do sucesso com o tricolor que a questão do uso dos cones nos treinamentos ganhou tanta importância. Os usava para ajudar a mostrar o posicionamento que queria de seus jogadores em campo. Acontece que a boa fase do time do Morumbi gerou certa espionagem. E os espiões quando puseram os olhos sobre o trabalho dele deram de cara com os cones sem entender bem o que viam. 

Enfim, os cones ganharam fama. Cilinho beirava a poesia, certa vez disse ao amigo e repórter Dorival Bramont que o futebol era um ato de amor, e aproveitou pra dizer também que gostava de usá-lo para abrir caminhos para os outros, o que explica o apreço que tinha por trabalhar com jovens. Não faz muito tempo dei de cara com uma antiga matéria que mostrava o famoso time do São Paulo acompanhando um espetáculo de circo. Imaginem quem tinha levado o time  lá? Ele! Cilinho afirmava que o ambiente enriqueceria seus jogadores, os faria se relacionar com o mundo artístico. Jamais teve dúvida de que o futebol devia , antes de qualquer outra coisa, ser um espetáculo. 

Deixava entrever em seu papo uma vaidade nobre. Um orgulho de certo meio campo do XV de Jaú montado por ele e reconhecido na ocasião como o melhor do futebol paulista. A respeito dos cones disse certa vez, que em dado momento eram tão eficientes que tinha a sensação de que se trabalhasse bem durante a semana talvez no domingo nem precisasse estar com o time. Se sentia realizado ao perceber que um comandado seu nem precisava mais olhar para o companheiro para saber em que parte do campo estaria. E sobre a famosa história do espelho com Careca,  esclareceu. Vendo a fase que o jogador atravessava lhe perguntou se poderia contratar um nove. Careca o autorizou. Na sequência Cilinho lhe disse que tinha encontrado um amigo em comum e este havia lhe enviado um presente. O jogador o abriu e deu de cara com um espelho. Ainda mirava a própria imagem quando Cilinho conclui dizendo que era aquele o jogador que ele queria. Ah, não tô a fim de estátua, também disse Cilinho certa vez . 

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