Talvez a essa altura mais do que uma memória o que vou dividir com vocês seja uma idealização do passado. Mas dela estou convencido. Lembro bem que no meu tempo de moleque o gol nem sempre era um indicador de qualidade, embora num primeiro momento pudesse parecer. Placares elásticos eram coisa de pelada requenguela. Salvo exceções, como em tudo nessa vida. Jogo bom pra valer, aqueles aguardados, redundavam em placar apertado. Nesse quesito o dois a um era um clássico. E, lógico, quando se sabia que o time da rua de trás andava jogando o fino, e que uns dois ou três por lá tinham sido vistos exibindo um futebol de se admirar a molecada se reunia para falar de estratégias. Mas retranca era quase um palavrão.
O compromisso com o ataque era uma questão moral. Razão pela qual mesmo levando em conta a necessidade de se distribuir uma canelada aqui, uma chegada forte acolá, nunca se mandava pra escanteio a vontade de vencer. Até porque ninguém queria voltar pra casa como integrante de um time de mãezinhas, que era o termo usado na época pra situações do tipo. E ainda porque os jogos de campeonato eram raros e assim sendo um empate era de pouca valia. No máximo servia para evitar um sarro, e no caso da fama do time adversário andar turbinada tudo o que poderia dar ao adversário era um certo verniz de esquadra respeitável.
Ocorre que no futebol profissional ( leia-se cheio da grana) um jogo passou a valer muito, por isso arrisca-se pouco e o resultado é este que está aí: um deserto de gols. Deserto refletido na manchete de tom urgente que tenho em mãos ao batucar estas linhas. Urgente, sim, e não é pra menos. A digníssima avisa que no último final de semana cinco das onze finais disputadas não deram aos torcedores o direito de um mísero grito de gol. É o triunfo da covardia sobre a ousadia por mais que os analistas tenham na ponta da língua uma explicação tática para o ocorrido. É verdade, cada duelo tem uma história e há mesmo de existir entre eles um zero a zero de respeito. Mas de algum modo essa pobreza estatística nos grita alguma coisa , e suspeito que seja nossa indigência futebolística.
No mais, se há uma beleza a resistir em relação ao jogo de bola é essa esperança que se renova no torcedor, insistentemente, apesar de todas as evidências em contrário. A esperança de que aquele clássico ou aquela final irá redimi-lo. Irá, enfim, lhe dar algo de saboroso. Paixão mais louca essa que teima em não sucumbir a esse mar de desapontamentos. Falem o que for, expliquem os entendidos o que quiserem, futebol sem gol tem gosto de saudade, cheira a vazio. O gol ,velho Parreira, é detalhe sim senhor, mas detalhe indispensável. Enfim, como seria bom se os finalistas todos num acesso de insanidade entrassem em campo no próximo final de semana obcecados por ele. Fazendo questão do gol, orgulhosos até de terem deixado de ter a defesa como primeira arma e, assim meio que sem querer, dessem ao jogo de bola uma ingenuidade que ele tinha no nosso tempo de moleque e que foi fundamental para que nos apaixonássemos por ele.
Um comentário:
Hoje, pela Champions League, bastaram 10 minutos para sair 4 gols no jogo entre Tottenham e Manchester City. Talvez o buraco seja 'aqui' embaixo, até pouco tempo auto-proclamado " O País do Futebol"...
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