quarta-feira, 17 de outubro de 2018

A velha casa e a Seleção


O fato se deu no dia em que o time de Tite voltou a campo. Atendi a um chamado da família que organizava um almoço na velha casa em que meus avós maternos passaram boa parte da vida. Uma construção que beira os noventa anos e que em breve dará lugar a uma nova. Um encontro simbólico para reverenciar um cenário tão presente nas nossas memórias e que daqui alguns dias só existirá mesmo nelas. Junto com a feijoada vieram um sem fim de cenas. As noites à espera dos balões que pudessem cair por perto para nosso divertimento, as reuniões de meninos na esquina contando casos de assombrações. Um clássico passatempo na época. E, claro, as muitas peladas travadas ali na rua, que nos tempos áureos trazia pintada no asfalto as linhas de um campinho. 

Situada na Zona Leste profunda da capital, não exatamente no sentido geográfico, mas no sentido cultural, cravada em reduto corintiano, a velha casa tem como um dos moradores, desde que meus avós partiram, meu Tio Afonso, sem sombra de dúvida o boleiro-mor da família. Daí ter me causado estranhamento que terminada a feijoada ele não tivesse se colocado em frente à TV para acompanhar a Seleção. Esquisito, muito esquisito. Quando entrei na sala, depois de ter apressado um pouco as últimas garfadas, o homem estava de costas pra TV, sentado na escada que dá pra calçada. Trata-se de uma construção muito antiga, como disse, dessas em que a sala de estar acaba quase no passeio. 

Mais surpreendente que isso foi notar que os dois filhos da minha prima, garotos na flor da idade, para usar uma expressão quase da idade da casa, não estavam nem aí pro jogo.  De celulares em punho se divertiam em paragens virtuais. Por um momento pensei que estava sendo duro demais ao interpretar a cena. Afinal, quem hoje em dia consegue vencer a tentação de colar os olhos nessa maquininha sedutora?  Que nada. Nem o tom notadamente exagerado do locutor -  para lances que estavam longe de empolgar - era capaz de fazer os dois tirarem os olhos das pequenas telas.  Pensei comigo: mas por que te surpreendes? 

Levantei e fui na direção do meu tio, quem sabe numa prosa rápida tiraria dele uma justificativa original pro descaso com o escrete nacional. Eis que me deparo com outra cena. Ao chegar ele se despedia do vizinho ao lado que saia de casa com os filhos. Pelo que deu tempo de ouvir deduzi que meu tio, mesmo tendo ignorado o jogo, havia perguntado se ele não ia ver.  O cara também sempre amou futebol. O que ouvi foi o boleiro-mor da família respondendo à própria pergunta com ar compreensivo. Você só quer saber do Corinthians, dizia. O riso discreto disparado de longe soou como um sim imenso. 

Detalhe, antes que o vizinho entrasse no carro vi que vestia a camisa dez da seleção, a camisa do Neymar. Isso mesmo. A realidade do futebol brasileiro me espanta, já não deveria, eu sei.  E o jogo foi  tão inexpressivo do ponto de vista técnico que nem o Tite, com aquele seu vocabulário rebuscado, se viu em condição de criar qualquer teoria para lhe agregar algum valor. Parti pouco depois com a nítida sensação de que a casa era de alguma forma uma metáfora da nossa seleção. O que talvez fique mais claro quando eu voltar, daqui algum tempo, e constatar que ela passou a ser outra, sendo ao mesmo tempo, aquela casa  de sempre. 

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