Da vida dos Reis costuma-se exaltar os grandes feitos, o conforto, as facilidades da nobreza, as muitas mordomias. Tudo normal, quando o mundo, de tanto girar, fez desses nobres personagens fáceis. Que Reis nos sobraram? O Juan Carlos, da Espanha?
O que não se fala é que ao longo da história grande parte dos Reis não teve vida fácil. Morriam cedo. Muitos passaram a maior parte da vida em meio a batalhas ferozes, dormindo em camas de campanha, cercado de homens e de uma realidade imunda. Assim, e só assim, conseguiam reafirmar a condição de líderes e manter a honra.
Metaforicamente com o Rei do Futebol não foi diferente. Lembro que dez anos atrás, quando completava sessenta anos, Pelé concedeu uma entrevista a uma rádio. Depois de cumprir o compromisso por lá, se entregou a um bate-papo em clima amistoso, como sempre, com os jornalistas que naquele dia tinham a missão de ouvi-lo e, mais importante, tinham a informação de onde ele estaria.
Recordo também que no final do encontro, quando o pessoal já dispersava, eu, e se não me engano, o Luciano Faccioli, estendemos um pouco a conversa e tomamos a liberdade de brincar com o fato de sua majestade não ter um único fio de cabelo branco. Usaria o rei uma tintura? Nada como estar diante de um Rei "diferente".
Desta vez, perto de completar setenta anos, Pelé decidiu não falar. Quantas perguntas sobre o tema fariam sentido? Sinto, porque por outro lado, a idade costuma dar aos homens uma lucidez impressionante. Além do mais, uma chance a menos de falar com o Rei será sempre uma chance a menos.
Mas queria dizer que parte dessa lucidez percebi na entrevista que Pelé concedeu na última sexta durante o lançamento de um programa educacional-esportivo. Disse, por exemplo, que chegou a dizer pra Neymar que " o dom do futebol a gente ganhou de Deus. Mas o resto é a gente que tem que cuidar. A gente tem que cuidar da condição física".
Como li certa vez, se a gente pudesse aprender com a cabeça dos outros deixaria de dar várias cabeçadas nessa vida. Mas já vivi o suficiente para perceber que, entre aqueles que viram essa lenda dos gramados de perto, a condição física dele, inata ou não, foi um fator que o colocou na frente de todos os outros. Portanto, fica aí a dica, que serve até para os cabeças-de-bagre irem um pouco além.
Acho até que isso pode explicar aquela ausência de cabelos brancos nessa divindade. Há quem diga ainda que Pelé foi muito ajudado pelo fato de ter brilhado em uma época em que a televisão já se fazia presente. Não entro nessa. Se pouco vi Pelé, imagina os que vieram antes dele.
Respeito os homens pela história que deixam. Não é fácil construí-las. Pelé, quem sabe, desta vez, ciente disso decidiu dar um drible nessa invenção maluca que leva tudo de bom e de ruim para dentro da nossa casa. Pobre dos que não sabem usá-la com moderação. O que sei do Rei é que poucas vezes na vida encontrei alguém com tamanha capacidade para lidar com a fama.
Um dia, quando o Santos inaugurava o CT ali perto da Santa Casa de Santos, depois de perceber que o "homem" iria chegar e não havia uma bola no lugar. Sim, o centro de treinamento estava sendo erguido. Perto do desespero, implorei a um guri que se amontoava entre os fotógrafos e cinegrafistas para que arrumasse uma bola. O menino deu conta do recado.
Quando o Rei chegou, olhou aquela multidão de sedentos por imagens e declarações, mirou o sol, e decretou:
_ Quem está com câmeras vai pra lá. A luz tá melhor pra lá!
Ordenou que todos se posicionassem atrás de um dos gols. E com a bola debaixo de um dos braços caminhou lentamente até a linha imaginária do meio de campo, que também não existia. Colocou a bola no chão e veio com ela dominada, narrando sua trajetória até o chute derradeiro. Finalizou dizendo:
_ Lá vai Pelé! É gol!!!
Foi ao fundo da rede, pegou a bola e saiu dizendo:
_ O primeiro gol aqui nesse lugar foi eu que fiz! Isso ninguém vai tirar!
E eu nunca mais esqueci como era diferente de tudo ver Pelé fazer um gol.
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
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