Vida de juiz nunca foi fácil e a modernidade a tornou pior. Mas não ache que a do torcedor melhorou. No começo a onipresença da TV criou o replay. Invento terrível e admirado. Depois dele nunca mais tivemos o prazer de ficar na arquibancada sem a sensação de estar perdendo alguma coisa.
Aí vieram as câmeras invertidas e suas posições estratégicas, capazes de dar nó na cabeça dos mais distraídos. Sem querer a torcida foi se entregando a essa ilusão de ficar cada vez mais próxima do jogo. Um vício pós-moderno que se alimentava de takes fechados. Um verdadeiro paraíso artificial que foi ganhando cada vez mais cor e definição, e convencendo o torcedor de que era ele que estava se tornando onipresente, quando na verdade corria o risco, cada vez maior, de se tornar um solitário.
Do sofá, ou da poltrona, passou a ser possível ver um senhor roendo unhas na geral, o jogador arrumando o calção na intermediária, o técnico aos berros na beirada do campo. Abençoado por esse olhar eletrônico, o torcedor passou a ver por trás do gol, de cima, de lado, no detalhe. Aos poucos as câmeras foram levando embora uma a uma cada dúvida. E quando o poder das lentes já não surtia efeito o jeito foi convocar o computador. Estava criado o tira-teima. E o juiz lá, sozinho, com seu apito e algumas poucas parafernálias.
Ninguém teve a sensibilidade de sacar que poderia não ser uma boa estratégia imunizar o futebol contra o olhar de cada um. Aos poucos, o nossa maneira de ver, a nossa interpretação, se reduziu a uma simples constatação. Afinal, o que dizer daquela imagem frisada no último domingo no Palestra Itália com a linha do gol exatamente no meio da bola? Como contestar esse e todos os outros flagrantes que temos visto por aí?
Nunca mais poderemos nos confortar achando que se não fosse um erro, um equívoco do juiz, o nosso time teria sido campeão. Nunca mais poderemos dizer que tudo não passou de uma calúnia contra o nosso zagueiro ou atacante. E não me venham com sentimentalismos, não me venham falar em intenções, provocações, sussurros imperceptíveis, porque os precisos juízes do STJD já não têm tempo para gastar com a insanidade de lances que não foram captados.
As transmissões atuais são como um édem oferecido aos torcedores. Um édem que os devotos do pay-per-view podem desfrutar melhor. E os juízes? Ora, os juízes podem padecer um pouco mais no purgatório, como na última rodada.
E se quiseres recordar a sensação de testemunhar uma partida de futebol com direito a interpretações e espaço para a teimosia, vá à várzea, à praia ou a uma pelada qualquer. O futebol profissional está vigiado, virou um Big-Brother, e é cada vez mais um espetáculo pra quem tem a virtude de se render à tecnologia, para quem basta, simplesmente, assistir.
O torcedor anda hipnotizado pelas lentes. Enquanto o juiz, bom, o juiz está nu!
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
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3 comentários:
Mas eu não acho que tenha acabado o "papo de bar" com o tira-teima. Ele só ganhou mais um ingrediente. E mesmo sem querer, a gente sempre acaba entendendo os erros deste o daquele juiz... Ladrão!
Até quinta-feira, Vladir
Marcio,
o "papo de bar" não vai acabar nunca.Ainda bem, né? O que tentei dizer é que a coisa anda até desleal com o juiz, que jamais terá a visão de uma dúzia de câmeras.
Abç
É cruel, EX-ÁRBITROS, criticar aqueles que estão em atividade. O Márcio Resende de Freitas, chega a irritar. Para quem não sabe, ele é comentarista da Globo Minas.
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