quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Fui na onda

Não se trata de ser radical. Longe disso. E aviso logo que seu estranhamento diante do tema que vou propor é prova cabal - em tamanho diretamente proporcional – de que o surfe, apesar de toda evolução, ainda está distante de ocupar no cenário esportivo o lugar que merece.

Acho que isso nem é de todo ruim. Uma consciência mais clara de tudo que ele pode proporcionar elevaria a população dentro da água à níveis ainda mais insuportáveis. Foi-se a era sem crowd.

Mas o mar ainda guarda um lugar todo especial para aqueles que se dispõem a cruzar a arrebentação. Um lugar onde o oceano se transforma num espetáculo poderoso e arrebatador, com enormes degraus de água desabando sobre si, criando um mundo de sons e espumas.

Muitos foram os momentos que me vi por lá e agradeci pelo simples fato de poder presenciar tudo aquilo tão de perto. Estar ali exige saber ler o horizonte. É preciso interpretar os sinais que chegam de alto-mar. O oceano nos impõe uma lição de humildade. Só é possível pensar tentar compreende-lo. Vence-lo, jamais. Usar a força é em vão.

Me entristece, mas não me admira, que uma cambada por aí transforme esse esporte em algo agressivo e sem alma. O surfe tem conceitos complexos, é tarefa exigente praticá-lo em sua plenitude. O que eu sei é que o mar guarda tesouros para quem o corteja.

Lembro de ressacas intimidadoras na Praia da Gonzaguinha, em São Vicente, com ondas tubulares e longas. Isso antes que enchessem a orla de pequenos piers e mudassem toda a geografia da baía. Tempos em que pegar jacaré era a grande curtição. Mais tarde vieram as pranchas de isopor, as clássicas Rio-Santos, a descoberta da grande e generosa Praia do Itararé, com o Cantão, a Feiticeira, o Curvão.

Só depois de muita conversa meu pai entrou na onda. Comprou pra gente uma prancha de verdade. Uma monoquilha de bordas grossas e amarelas, que uma namorada de um primo tinha desistido de usar. Era uma autêntica Kameha Meha. Obra do lendário Homero. E por muito tempo xodó meu e do meu irmão.

Diante de tamanho entusiasmo logo tivemos que arrumar outra.

Quem convive mais de perto comigo sabe da veneração que tenho pelo mar, e o surfe é uma maneira nobre de se integrar com ele. Pra mim não se trata exatamente de fazer manobras. Creio que quanto mais competitivo o esporte, mais mercantilista ele se torna. E isso é uma ameaça ao que o surfe tem de melhor, a tradição, a transcendência.

Uma tradição que faz parte da história de Santos, com Osmar Gonçalves, Jua Hafers, Thomaz Rittscher. Uma história, que vejo, está sendo preservada, com atitudes dignas e, ainda bem, constantes. Os pioneiros não se dispersaram e isso é muito bom.

O que me motivou a escrever esse artigo, uma verdadeira ode ao surfe, uma confissão, foi o fato de ter encontrado no último domingo, ali no Canto da Ilha Porchat, um pouco mais no fundo, uma turma de quarentões e cinquentões munida de longboards, dando risada, cantando entre uma onda e outra, lamentando a morte do Paul Newman.

Por um momento voltei no tempo e me enchi de saudade da época em que estar no mar era estar entre amigos.

Eu disse, eu disse, falar de surfe no país do futebol é estranho. Mas, tudo bem, é sempre bom confessar uma paixão.


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos

5 comentários:

Anônimo disse...

Será que a TV Cultura não pode exigir que o ex-jogador compareça ao Cartão Verde sóbrio? É constrangedor ouvir aquela voz pausada e etílica. Outro dia na Band, Sócrates deu uma entrevista bebâdo ao Fernando Fernandes, viu-se o copo e o cigarro (que belo exemplo para uma juventude saudável!!!!!), é inadimissível que o dinheiro público seja usado para pagar salário a um pau d'água

Vladir Lemos, jornalista disse...

Há vários mecanismos para impedir que comentários como o feito acima sejam filtrados. No entanto, ainda assim, prefiro não recorrer a isso, coisa que aliás nunca fiz.
E me deixa muito feliz o fato de travar aqui diálogos educados na maior parte do tempo. O mínimo de credibilidade que se espera de uma colocação como essa é que seja assinada.

Grato

Anônimo disse...

Não conheço nenhum surfista pessoalmente, também nunca vi uma competição, não acompanho nada do esporte. Mas tive a experiência de conhecer o mar, a primeira foi inesquecível, eu senti que dei um salto no meu amadurecimento, me emocionei de uma forma que nunca achei que fosse me emocionar, o contato com a natureza de uma forma direta é espetacular.A segunda vez, não foi tão legal, a praia estava cheia, e eu , como boa mineira, fiquei intimidada com tanta gente. Enfim, vamos ver a terceira...até mais!

Vladir Lemos, jornalista disse...

Núbia,

tenha certeza de que o mar não vai, jamais, te decepcionar.Já as pessoas que desfrutam dele...


Abç

Anônimo disse...

Caríssimo Vladir...
Saí em férias no início do mês passado e desde então não lia seu blog.
Volto e começo a ler de onde parei...
E o texto sobre o mar e o surfe, além de surpreendente, pois não o imaginaria nunca um surfista, é fantástico. A gente sente o cheiro da praia, o sal da água no lábio a cada palavra do meio de sua descrição.

Parabéns mais uma vez e um grande abraço!

Ton
waguaru@hotmail.com