quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Bons personagens



Pode-se falar o que quiser do futebol, menos que deixou de nos oferecer bons personagens. Ainda que se tenha a impressão de que vão rareando. E isso nada tem a ver com divisões. É possível encontrá-los por toda parte, eu aqui mesmo já citei alguns. Tenho certa predileção por isso. É receita certa pra revestir o jogo de certa humanidade.  Juan Pablo Vojvoda, que acaba de desembarcar na Vila Belmiro, pode ser apontado como um deles. Chegou ao Brasil sem causar alarde e lembro bem que quando o trabalho dele no Fortaleza foi lhe dando notoriedade descobriram que entre um compromisso e outro  tinha ido ver de perto uma pelada de society que rolava nos arredores. Não seria nada demais, se tão raro não fosse encontrar entre nós um técnico de time grande se ocupando do tempo dessa forma. Talvez existisse nisso uma investigação sociológica. Afinal, estava conhecendo um outro país. Ou talvez fosse simplesmente uma forma de matar o tempo já que andava apartado dos amigos, da família. 

Fato é que para além dos hábitos que gosta de cultivar esse ex-zagueiro desafiou como poucos a maneira de se comportar que tem sido padrão no futebol brasileiro. Ao terminar a segunda temporada no Brasil com o trabalho à frente do Fortaleza reconhecido, virou alvo de grandes clubes. E ainda assim resistiu. Negou aventuras que poderiam ter se revelado lucrativas, como costumam ser as de muitos treinadores que mal se despedem de um clube e já assinam com outro, mesmo quando debaixo de fortes evidencias de que o convite tem um grande ar de roubada. E assim Vojvoda desenhou uma das mais longevas trajetórias de um treinador por estas bandas nos últimos anos. A recompensa talvez seja poder ter dito sim ao Santos e ser visto de forma mais respeitosa, como alguém realmente capaz de tirar o time do lugar incômodo em que se encontra. Uma respeitabilidade que nem Pedro Caixinha, nem Cleber Xavier estiveram perto de ter. A sedução pode ter se dado por toda a história que o clube construiu. E é bem provável que neste momento seja só o que o clube santista tem pra oferecer.

 Tenho andado de olho também em Leonardo Jardim, que chegou ao Brasil com boa fama e que nos últimos tempos tem dado declarações que me chamaram a atenção. Uma delas a de que não pretende ficar muito tempo por aqui dadas algumas peculiaridades do nosso futebol como os grande deslocamentos. Coisa que Vojvoda também deve ter percebido, pois ao chegar aqui só tinha trabalhado em países de extensões geográficas mais modestas, no entanto, nunca citou tal questão, que é interessante. Em geral não temos muita noção de nossa dimensão continental. 

Leonardo Jardim, também falou com certa elegância sobre uma das coisas que desabonam nossa arbitragem. A falta de critérios. Mas o disse com elegância. Afirmou ver muitos jogos do Brasileiro e notar que os mesmos árbitros em outros jogos, e diante de outros times, tomam decisões de maneira diferente. Realmente intrigante. E também sugeriu dias atrás - depois de não concordar com uma decisão do homem que apitava o jogo do time dele - que os técnicos deveriam ter direito ao desafio técnico, como se dá no vôlei, quando o treinador pede para que se consulte o vídeo quando tem dúvida a respeito de uma marcação. Fosse nosso VAR ágil... quem sabe. Mas, enfim, vejamos quanto há de durar a paciência de Leonardo Jardim e como se sairá Vojvoda. 

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Quem dá a bola ?



Claramente, agora, quem dá a bola não é o Santos, como sugere o cântico "Leão do Mar". Digam o que quiserem, e que me perdoem os cruzeirenses que andam sonhando alto, os botafoguenses atuais donos do caneco, e todos aqueles que têm uma ponta de esperança de que seus times possam estragar os planos que palmeirenses e flamenguistas têm muito bem traçado. Mas um campeão brasileiro que não venha a ser nenhum dos dois terá sim um quê de surpreendente. Interessante notar, para além das contendas que os dois desenharão pela Libertadores entre a noite de ontem e a de hoje, que o diagnóstico que se faz deles é similar. Elencos renovados que precisam um tempo para que passem a mostrar tudo o que podem. Um parecer difícil de não aceitar, e nem há razão pra isso. 

Chega-se a conclusão, portanto, que triunfará aquele que mais rapidamente conseguir se reinventar. E nesse caso a atuação da dupla formada  por Flaco Lopez e Vitor Roque no meio da semana passada diante do Universitário se não sugeriu certa vantagem do time paulista encheu os alviverdes de esperança. Enquanto a atuação do Flamengo diante do Inter só reforçou uma sensação incômoda não é de hoje para os rubro-negros, que é a de ver o time comandado por Filipe Luís se impor sem no entanto conseguir desenhar placares que corroborem as diferenças vistas em campo em relação aos adversários. E levando em conta o poderio dos dois é preciso tratar as eliminações nas oitavas da Copa do Brasil, não como um fracasso, mas como um insucesso. Se é que não me faço entender, pois o dicionário, se não estou enganado, apontará os dois substantivos como sinônimos. 



Dito de outra forma, ficou no ar essa coisa de que o time rubro-negro não tinha a tal Copa em alta conta, dela não fazia questão. Dá pra entender, mas ainda considero cedo demais. No caso do Palmeiras, a rivalidade com o Corinthians impediu qualquer possibilidade de tratar a questão como algo menor. E o discurso palmeirense, pelo que me lembro, não deixou essa possibilidade nas entrelinhas, ao contrário do Flamengo, cujo diretor, José Boto, disse com todas as letras que a prioridade do clube da Gávea nesta temporada é o Brasileiro. Uma prioridade que exigirá disciplina para ser levada à termo.  A sedução da Libertadores é imensa. Sem contar o fato de que num futuro breve, se vier a ter o Palmeiras como adversário, será instado a repensar a questão. Tudo bem que isso pode depender também de como as coisas andem no Brasileirão. 

Gostaria de acreditar que esse quadro que se desenhou prova a importância do principal torneio de futebol do nosso país. Mas talvez não seja o caso. Diria que ele tem sido tratado como algo que não se pode ficar tanto tempo sem ganhar. E nada mais. Lembrem que o Palmeiras já se viu nesta situação. Com Abel já tinha vencido a Copa do Brasil e sido bi da Libertadores, mas lhe faltava o dito Brasileirão. E naquela momento nem na crônica esportiva, nem no clube, alguém ousou dizer o contrário. O Palmeiras quando venceu o Brasileiro em 2022 tinha sido campeão pela última vez quatro anos antes, com Luiz Felipe Scolari. No ano seguinte, veio Jorge Jesus e o Flamengo não só ficou com a taça como se sagrou bi no ano seguinte, mas sob comando de Rogério Ceni. E, detalhe,  com Felipe Luiz, então lateral, sendo muito elogiado pela atuação na partida do título. O que significa que, apesar de toda a pompa, há quase meia década o time carioca não dá essa emoção ao seu torcedor.  E aí se revela a realidade: o Flamengo, que tanto almeja, se vê necessitado de um Brasileirão. No mais, creio, sejam quais forem as teorias, Palmeiras e Flamengo têm tudo para seguir dominando a cena.  

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

A grande pauta



Sei que o assunto talvez não se revele o mais interessante para o torcedor. É compreensível. Mas digo a vocês que a questão do piso sintético segue sendo, na minha opinião, a grande pauta do futebol brasileiro. E por isso Neymar foi muito bem ao ressuscitar o tema dias atrás. A falta de estudos conclusivos torna o assunto espinhoso. Pesquisando um pouco, como tudo nos dias de hoje, é possível encontrar pareceres à favor e contra. E aceito perfeitamente a validade de quem argumenta que não há provas para se condenar o piso sintético. Mas considero a posição da FIFA um grande sinal de que mesmo com toda a tecnologia disponível ele não consegue fazer com louvor o papel de um gramado natural. E, sejamos sinceros, essa condição talvez inadequada de jogo tem sido enfiada goela abaixo dos jogadores. 

Por isso, digo que é de se condenar que a entidade máxima do futebol chancele o piso sintético mas o proíba nas competições que organiza. Pode haver posição mais ambígua e descarada do que essa? Creio que isso basta para qualquer contestação. Nem precisamos apelar para o fato de as principais Ligas do mundo não quererem nem ouvir falar em gramados que não sejam naturais. É uma pena que inevitavelmente o assunto se revista quase sempre de um viés clubista. A facilidade com a manutenção ampara esse tipo de escolha não há a menor dúvida. Mas acima de tudo influi na questão o gasto, que tende a ser consideravelmente maior no caso da grama natural. Difícil convencer administradores a abraçar uma manutenção mais complexa, e isso só piora quando junto com ela vem também um gasto maior. 

Feita essa reflexão só há uma maneira de impor aos clubes  usar o tipo de grama que o futebol usou desde sempre, ou quase, exigir! Um detalhe pouco lembrado quando se fala nesse assunto é que na tentativa de diminuir gastos passou a ser cada vez mais comum que os campos das categorias de base passem a ter piso sintético. E não me espanta que quem é do ramo aposte que as reclamações tendam a diminuir com o tempo já que as novas gerações se farão mais acostumadas com essa realidade. Mas não é preciso pensar muito para admitir que qualquer vantagem mínima em termos de impacto, qualquer ganho que se tenha em termos de saúde, devem ser tratados como suficientes para definir a questão. E nem vou aqui entrar no mérito do jogo. Faça uma averiguação a respeito e facilmente encontrará gente que joga e jogou, gente credenciada para tratar do tema, falando do quanto o piso sintético transforma o jogo, muda os movimentos, altera sua plástica. Mesmo que dito de maneira velada, com outros termos. 

Neymar com toda a patente que tem bem poderia fazer disso uma bandeira, tem voz pra isso, tem visibilidade, se relaciona bem com os companheiros de ofício, é respeitado por eles. Para além do que conseguirá entregar em campo, o que sabemos depende de um sem fim de fatores, seria uma nobre contribuição para o futebol brasileiro. Nesse momento da história em que nosso jogo de bola é acusado de estar muito aquém daquele que se pratica, em especial nos gramados europeus, seria um modo de, minimamente, fazer o futebol brasileiro mais parecido com o das grandes Ligas do planeta. De outro modo, a grana vai continuar definindo o modus operandi condenando os de agora e os que virão a se apresentar num palco que um dia todos souberam que não era o ideal.  

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Antiquado é tentar ganhar no grito

 Alexandre Schneider/Getty Images


Olha, a volta não é fácil. Todos os que tiraram alguns dias para descansar sabem bem disso. Já não falo em férias porque sou levado a crer que a realidade do mercado de trabalho brasileiro fez delas um luxo. E como qualquer luxo não é coisa da qual se possa tirar conclusões que sirvam para o todo. Aos que voltam a dar de cara comigo depois de um período desses e fazem aquela fatídica pergunta: como foi? Costumo brincar afirmando que é duro voltar, mas a gente acostuma. Frase sempre seguida de um risinho sacana. Digo a vocês que a maior virtude de um período de descanso é nos jogar na cara o quanto a nossa rotina é cruel. Seja como for, fato é que estou na área. E, estando, uma das coisas que de cara testaram minha paciência foi o comportamento pouco civilizado dos praticantes profissionais do nosso velho esporte bretão. 

Sobre a cera dos goleiros já tinha tido a oportunidade de falar neste espaço, elencando ideias e iniciativas pensadas aqui e alhures pra tentar colocar os arqueiros na linha. O do Vasco pode até ter sido injustiçado, mas não terá sido à toa. Já nas arquibancadas, outrora tidas como terra de ninguém, onde praticamente tudo era tido como normal, incluído aí cenas que beiravam a barbárie, pelo que vejo agora se cobra um comportamento de nobre. Onde o torcedor que não conseguir segurar um grito de mercenário para alguém que ganha milhões corre o risco de ser intimado pelo próprio. Enquanto isso, em campo, o clima é quase de  vale tudo. E que diga que estou exagerando aquele que diante de berros e palavrões proferidos olho no olho com os árbitros já não pensou: agora esse cara vai  ser expulso. Mas, meio sem acreditar, acaba testemunhando que o homem do apito deixou por isso mesmo. 

E muitas vezes nem se trata do capitão do time que, em tese, poderia fazer essa interlocução. Se é que o que se dá pode ser chamado de interlocução. E na beira do gramado? Bom, ali na área reservada aos ditos professores, a linha de conduta é muito parecida. E acho que não seria exagero afirmar que o técnico do Palmeiras se fez o grande baluarte desse tipo condenável de comportamento. O português mete a boca, como diziam antigamente. Um dia depois do jogo entre Corinthians e Palmeiras cheguei na redação e a conversa se alimentava do tema. Os envolvidos se mostravam indignados com a reação de Abel Ferreira na coletiva pós jogo, quando disse que estava desiludido com o que viu, levantou, e foi embora. Grosseria que ele repetiu no final de semana. Talvez Abel não saiba, mas não há desrespeito maior que se possa fazer a um repórter. 

E como observou um dos que participavam do papo - fazendo coro ao que tem se ouvido por aí - Abel não respeita ninguém. Não respeita o adversário. Não respeita o juiz. Não respeita jornalista. E depois de tudo que já vimos, me digam, como discordar de uma observação dessas? Agora, das feitas por ele, gostei particularmente de uma. Foi quando Abel disse o seguinte: estamos no século vinte e um e andamos a trabalhar com ferramentas do século passado. Ainda que dito de maneira enviesada, porque com a intenção de colocar o VAR em dúvida, sigo considerando uma aberração mesmo não darmos a arbitragem o amparo de tecnologias como a da linha do gol e a do impedimento semiautomático. Não seria a solução de tudo, seria uma ajuda imensa. Mas voltando ao nosso personagem, homem esclarecido que é, deveria se ligar que a essa altura nada soa tão antigo e antiquado quanto querer ganhar no grito.