quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

O que pode o esporte



O que vou dizer pode soar utópico. Mas, no fundo, é óbvio.  Escolhi falar a respeito depois de ter recebido algumas fotos de um amigo que faz algum tempo, ao visitar a África, decidiu que antes de se entregar aos prazeres de um safari passaria alguns dias doando tempo a um projeto em uma aldeia da Tanzânia. Foi de lá que vieram as tais fotos. Mostravam meninos e meninas na mais tenra idade que tinham acabado de ganhar uma biblioteca e equipamentos esportivos. Nos registros aparecem jogando - melhor seria dizer brincado - vôlei,  futebol. Pulando corda.  Com raquetes na mão. Coisas que até então não tinham. Os tons vermelhos das bolas contrastando com a paisagem árida do lugar.  A alegria recém chegada pairando no ar. 

A cumplicidade com aquelas cenas foi inevitável. Provocada por memórias que os meninos da minha geração invariavelmente trazem consigo. A de ganhar uma bola nova. Só duvida do que pode o esporte na vida de alguém quem nunca se entregou a ele. Ou não teve essa oportunidade. E pensar que nós e essa nossa terra que tudo nos dá até hoje não temos um "Plano Nacional de Esporte". Acabamos de voltar de uma Olimpíada com um recorde histórico de medalhas. Mas, desculpem, não é disso que se trata. É de educação, de saúde. As faces mais nobres do esporte em geral encobertas pelo brilho de marcas e conquistas que serão sempre só de alguns.

Toda vez que vejo um campeão como o canoísta Isaquias Queiroz que, ao lado da ginasta Rebeca Andrade, acaba de receber o prêmio Brasil Olímpico. Tudo isso me volta. E dessa vez se reforçou com as tais imagens enviadas da Tanzânia. Isaquias só se revelou esse cara porque uma certa Associação da cidade dele lá no Sul da Bahia decidiu certa vez fazer um projeto, levando em consideração que lá o Rio de Contas faz do remo e das canoas quase uma necessidade. O que me faz lembrar também que nos idos dos anos oitenta meu irmão, que é professor de educação física, tendo ido morar numa das praias de São Sebastião, decidiu começar a treinar a molecada que vivia lá para fazer provas de Biatlo.  Boa parte filhos de pescadores. 

Não tardou e a meninada começou a desbancar todo mundo. Íntima que era do mar e, até por isso,  preparada para lidar com desafios físicos. Comiam bem, tinham tido uma infância ativa.  Vou resgatando essas coisas apenas pra dizer que não há muito segredo quando se trata de esporte. E não pensem que amparo esse modo de pensar em intuição. Não se trata disso. Se trata é de interpretar o que o esporte me mostrou no longo tempo que tenho passado prestando atenção, percebendo tudo o que  costuma provocar no corpo e na cabeça de quem, de algum modo, por mais singelo que seja, se entrega a ele. O que me fez pensar também que nessa época em que tanta gente pensa em presentes vale deixar uma dica. Sempre que possível aproxime uma criança do esporte. Uma bola, uma raquete, uma prancha, um skate. Porque feita a aproximação a probabilidade de que os dois sigam juntos só irá aumentar consideravelmente. Um feliz natal a todos.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

O tempo passa, torcida brasileira

Abro estas linhas já pedindo desculpas pois o conteúdo das tais pode não passar de um efeito colateral da idade. Tomo a liberdade de florear assim o que de modo raso poderia muito bem ser chamado de coisa de ranzinza. Sei que a crônica esportiva dá o tom. Orienta o olhar do torcedor sobre as as tramas que se desenham nos gramados. Mas algumas questões ligadas ao universo do futebol ainda me intrigam. O número de gols que decreta uma goleada é uma delas. A esse respeito vou contar uma história rápida que vai esclarecer como trato a questão. 

Era eu um repórter novato, que um dia foi mandado à capital para cobrir a reta final de um Campeonato Paulista.  A missão era pesada.  Cobrir um Santos e Corinthians. Ter na mão um microfone da TV Globo. Fazer matéria pro Globo Esporte. Agora, mais pesado do que isso era a responsa de trabalhar com o velho Reynaldo Cabrera, simplesmente um dos cinegrafistas mais icônicos da TV brasileira. Uma lenda.  Cabelos brancos. Pra minha felicidade o homem gostou de mim. Gozava de um prestígio imenso. Nunca esqueci uma cena da equipe descendo na viatura da TV a avenida que liga a Doutor Arnaldo até os fundos do Pacaembu e o Cabrera de mão pra fora cumprimentando e sendo reverenciado por um mundo de gente que descia a avenida também em direção ao estádio. 

O jogo acabou com placar de três a um, que eu chamei de goleada. Um desavisado. No outro dia estava eu sentado na redação quando vejo o Cabrera apressado passar por ali. O cumprimentei, perguntei se estava tudo bem. Ele parou, disse que sim, abriu um sorriso e em seguida emendou: tudo em ordem, mas goleada é quando se tem três gols de diferença. Nunca esqueci. Recordo de ter conversado sobre o assunto muitos anos depois com o mestre Michel Laurence. Pra quem três a zero também era a conta. Há quem diga que é preciso quatro. Não duvido que o tempo tenha alargado essa conta. 

Como não me importo de ser um cara das antigas. Outra coisa que pode ser fruto da minha formação é um desacordo com a maneira atual de se tratar a nomenclatura das conquistas. Pra mim, bi ou tri, ou tetra têm de ser seguidos. Essa coisa do time ganhar um título anos atrás e depois voltar a ganhar novamente não merecia esse tratamento. Ganhar três campeonatos seguidos nunca será o mesmo que ganhar três campeonatos ao longo de alguns anos.  A impressão que tenho é que isso foi mudando ao longo dos tempos. Quando se lê, por exemplo, a respeito dos anos 1930 quando o Flamengo interrompeu a sequência de títulos cariocas do Fluminense, no ano seguinte quando o time das Laranjeiras voltou a ganhar ninguém rotulava a sequência como se fosse uma coisa só.  

O título da Seleção Brasileira no México, e toda a euforia que o cercou, me dá a impressão de ter contribuído muito pra essa mudança. Era, e é, o Tri. Não tem jeito. Mas pra mim um time que ganha espaçadamente não pode ser visto e nomeado - outro exemplo -  como o São Paulo da primeira década dos anos dois mil que conseguiu a façanha de conquistar o concorrido Brasileirão três vezes seguidas. Não se trata de diminuir o que alguns conseguiram, mas sim de reconhecer adequadamente o que fizeram outros. No fundo dois temas bons pra uma conversa entre amigos. No fundo, talvez também, só um jeito de perceber que o tempo passou.  



* Em homenagem à memória de Reynaldo Cabrera 


quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Treinadores daqui e de lá





Em dinheiro a gente pensa sempre, sendo capitalista ou comunista, não se deixem enganar. Nesse sentido estou convencido de que não basta um viés de formação pra fugir dessa verdade. Seria preciso fugir do planeta. E sabe-se lá com que realidade daríamos de cara viajando por essas galáxias afora. Mas antes que venham a pensar que estas linhas deveriam estar na verdade nas páginas de economia me adianto pra dizer que a conversa foi dar aí foi por ter visto as cifras que o treinador Marcelo Gallardo fez vir à tona quando entrou na mira do Flamengo para comandar o rubro-negro carioca. Gallardo segundo foi noticiado recebe trinta e quatro milhões de reais por temporada. Isso sem contar o staff do argentino, que trabalha com onze outros profissionais, e leva a conta a praticamente quarenta milhões. 

Longe de mim tentar estabelecer o que é caro ou barato nesse mundo da bola. Ainda mais quando se trata do Flamengo que há tempos anda flertando com um faturamento de bilhão de reais. Diante disso nada soa muito descabido. Mas essa reflexão toda me fez cair a ficha de que mesmo com times menores se impondo na tabela desse Brasileirão que está por um fio não iremos escapar do nocivo desequilíbrio que a grana impõe. Ainda que entre nossos endinheirados, não é novidade pra ninguém, as contas andem mais frágeis do que porcelana. Sem contar outros fatores. Entre eles a constatação de que se em campo o drible anda virando coisa cada vez mais rara nas páginas contábeis seguem abundando. 

Olha, que Gallardo construiu fama capaz de justificar esse frenesi inicial entre flamenguistas não dá pra discutir. O que dá pra discutir é esse quase fetiche pelos técnicos portugueses que se deu ao mesmo tempo. Uma coisa é querer trazer de volta Jorge Jesus , amparado em tudo o que ele representou, outra é estender isso a nomes como  José Peseiro, Antônio Oliveira, Carlos Carvalhal, entre outros. Treinadores sem trajetória nem conquistas que os amparem.  Mas o interessante é que em dado momento resolvi questionar um companheiro de ofício a respeito, e o camarada - em tom um tanto sério - fez questão de me lembrar que os dois últimos treinadores que venceram a Libertadores  são portugueses, e que o bicampeão aqui aportou sem trajetória e sem conquistas.  

Seria um tipo de superstição?  Detalhes que me fizeram concluir que tão complicado quanto entender a economia do futebol é desvendar todas as conexões, razões e interesses que se escondem por trás da escolha de quem, até que provem o contrário, vai mandar no time. Gallardo que não virá, pois na tarde de ontem anunciou a permanência dele no River,  mostrou ter o que nos ensinar ao contar em sua comissão com um neurocientista.

Muito se fala também que os treinadores argentinos brilham na Europa, enquanto os brasileiros mal conseguem atravessar nossas fronteiras. O que não se fala, é que em outros tempos treinadores brasileiros tiveram vez - e brilharam - na Argentina. Brandão com o Independiente. Tim, ex-jogador da Portuguesa Santista, com o San Lorenzo, sendo campeão invicto. E , vejam só, o mestre Didi, que na época colocou uma garotada pra jogar por lá - bateu o Boca - e deixou um legado, adivinha pra quem? Para o River.  Isso mesmo, o River Plate, de Gallardo.  

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Magrão, lá se foram dez anos!



Magrão, meu velho, nem vou aqui falar da saudade que seria chover no molhado. Nesta última década pontuada de cabo a rabo pela falta que você faz muita coisa mudou. Mas tem uma coisa que segue igual, toda vez que penso em ti  duas frases cantadas pelo Gonzaguinha, que você curtia tanto, me vêm à cabeça. A primeira é: "eu acredito é na rapaziada".  

O Brasil de hoje iria te desapontar, se você voltasse exatamente agora, seria inevitável se perguntar como conseguimos andar tão pra trás assim. Mas também não vou entrar nessa, pois no fundo sei o que dirias, e estou de acordo: o caminho leva sempre adiante.  Sabe, houve tanta coisa tramada em teu nome nesse tempo que passou, gente boa reunida, que será capaz de honrar a data com obras e homenagens. De minha parte digo que fiquei devendo. 


Queria tanto tanto ter colocado à disposição de todo mundo aquelas  conversas que andamos gravando junto do Xico. Papos que o velho Mazza vigiava para na hora certa semear palavras também. Dia desses chegaremos lá. E quem sabe até além. Quero dizer ainda que me intriga que tenhas saído de cena justamente quando nosso país, o mundo, se revelou tão necessitado de pessoas com a tua força, com teus ideais. A parte boa é perceber que por um  viés não houve imprecisão na rota. O tempo se encarregou de fazer de você - e daquilo que você representa - algo ainda maior.


Ah, e a Merça mudou. Quer dizer, o lugar tá lá, mas o astral, os livros, o velho elenco, Marquinhos tratou de levar pra um outro lugar ali nas redondezas. Lugar que ganhou o sugestivo nome de Ria.  Assim mesmo como quem pede um sorriso, coisa que era sempre tão farta nas mesas que dividimos. Magrão, vou me despedir também sem falar do velho jogo de bola, do teu Santos. Opa!! do teu Corinthians.  E não pense que cometeria o deslize de  me despedir sem citar a outra frase 

cantada pelo Gonzaguinha que sempre me vem à cabeça toda vez que lembro de ti. 


Quer saber? " É a vida, é bonita e é bonita".  

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Não tem mágica



Há muitas maneiras de dizer que nosso futebol se descolou da realidade que vemos se desenhar em especial pelos gramados europeus. Assim como há várias maneiras consagradas de definir essa desconfortável diferença. O modo mais comum é dizer que o que se pratica por lá na verdade é outro jogo. E é preciso admitir que se não é realmente um outro jogo é quase. E o sintoma mais cruel de tudo isso se vê na garotada cada vez mais encantada por Reais , PSGs, Barças... e cada vez menos por nossas camisas sempre vaidosas de suas pretensas tradições. Há para reforçar essa sensação o histórico recente do cobiçado Mundial de Clubes da FIFA que tem vitimado nossos melhores times.  O Palmeiras no início do novo ano terá a oportunidade de mostrar que não é bem assim. 

Agora, mais do que nos preocupar  com o que se dá em campo deveríamos nos preocupar com a maneira como temos encarado as questões ligadas ao jogo de bola. Digo isso pensando em como os ingleses, por exemplo, tratam questões cruciais sobre o bendito impedimento e outros detalhes. Uma das consequências dessas diferenças é uma transmissão que incorpora outra dinâmica. Pra ilustrar a teoria vou resgatar aqui uma passagem que tenho a impressão de ter citado por aqui tempos atrás. Estava eu de olho na pelota que estava com o atacante de um dos times  da Premier League perto do bico da grande área. Eis que ele a puxa para a diagonal e se encaminha em direção ao gol, numa fração de segundo o marcador ganha dele na corrida e lhe toma a bola, não sem evitar um tranco que levou o sujeito que já se via comemorando o gol ao chão. 

Foi instintivo.  Fiquei esperando aqueles gestos bruscos dos companheiros dele cobrando do juiz uma atitude a respeito e, também, fiquei esperando acima de tudo o replay do lance. Santa inocência a minha. O jogo seguiu sem sobressalto algum e o lance foi relegado ao esquecimento. Soou como uma lição.  Essa realidade me fez lembrar de algo que foi notícia dias atrás. A cobrança do goleiro Ederson do Manchester City com relação à falta de amistosos da Seleção Brasileira com as grandes seleções do velho continente.  Declaração corajosa se levarmos em conta que o arqueiro está na disputa pela vaga de titular do time comandado por Tite. O coordenador da Seleção Brasileira prontamente tratou de responder. E e esteve longe de o fazer em tom polido. 

Dizer coisas do tipo "quem cuida desse planejamento somos nós", ou "se quiser uma explicação a esse respeito você me fala e eu te explico", soam ou não soam como aquele argumento gasto que defende que certas coisas devem ser tratadas internamente? Não que Ederson tenha sido polido. Mas o goleiro fazia uma crítica onde esse tipo de tom vira logo algo quase natural. A explicação dada para essa realidade que praticamente isola o time nacional dos grandes esquadrões do planeta é tão batida quando dizer que o futebol que se pratica por lá de tão diferente parece outro esporte. Como é fato que quem cuida disso deveria estar empenhado em achar uma solução. Só assim pra saber de verdade a quantas anda nosso futebol. Enfim, como disse, Juninho, o coordenador da Seleção, "não tem mágica".