quinta-feira, 12 de abril de 2018

Vestir a camisa



Poucas vezes escrevi com tamanha certeza de provocar melindres. Mas como não há salvação para jornalistas temerosos de melindres que venha a fogueira. De qualquer forma quero crer que o que vai aqui contribua de alguma forma para nos dar a dimensão de certos símbolos e que sirva também como reflexão.Desde que o país começou a arder tem me causado imenso desconforto dar de cara com gente nas ruas pedindo um Brasil diferente desse que herdamos trajando a camisa da nossa seleção de futebol. 


Mas reconheço algo de nobre escondido nessa situação. Ela nos revela também, com clareza absoluta, a dimensão daquilo que a CBF tomou pra si. Sou até capaz de lidar com a constatação de que o futebol tem dono e ponto final. Mas sonho o suficiente para defender que um time que joga em nome de todo um povo seja tratado de maneira mais cuidadosa, pra dizer o mínimo. O que se vê, de qualquer modo, é que ainda que o jogo culturalmente já não tenha o apelo e o alcance que teve em outros tempos segue nos ofertando um signo poderoso, um signo catalisador, que nosso povo transformou em algo tão expressivo quanto nossa bandeira. 



É claro, o amarelo faz todo sentido, como faria o verde e, em última instância, o azul,  sempre menos lembrado. Ah, as instâncias. Mas ao mesmo tempo em que se veste assim, de Brasil, o cidadão acaba por carregar no peito a imagem de uma Confederação que não teria lugar nessa nação que ele sonha. Porque se Tite nos deu algum horizonte e fez o torcedor brasileiro se aproximar da Copa que vem aí se sentindo capaz de encarar o mundo, no avesso nosso futebol ainda espelha um país de coronéis. Mas a cartolagem nunca dormiu no ponto. 



Tratou de cuidar das aparências, do linguajar, de enriquecer também o próprio vocabulário. Hoje em dia o que mais gosta é de alardear aos quatro ventos seu finíssimo compliance. Mas não se enganem, o futebol brasileiro nas entranhas nada tem de novo. Ainda muda as regras do jogo como bem entende, ainda altera o valor do voto dos que compõem seu colégio eleitoral, ainda empodera seu quadro de funcionários empregando políticos, ainda contrata gente na surdina. E mesmo quando a situação de um dos seus poderosos fica insustentável depende da FIFA para lhe dar um cartão vermelho. Não deixo de considerar que esse vestir a camisa  se dê assim quase por instinto. Vá lá. Mas se escrevo sobre isso é porque acredito, depois de matutar um bocado, que muitos acabem concordando comigo. Estou convencido de que exista um sem fim de trajes mais apropriados para a ocasião. 

Um comentário:

Reinaldo disse...

Essa confusão entre a seleção e nação vem da falta de educação, de instrução mesmo das pessoas... O mundo do futebol é um evento privado, com entidades privadas não tem nada a haver com patrimônio publico tanto que nesses 3 anos de recessão consecutivos no país com milhões de desempregados, nunca o futebol brasileiro ganhou tanto dinheiro...

Mas, o verdadeiro patriotismo começar a parecer com a sociedade civil organizada lutando contra quem rouba e roubou o país independentemente do partido. Pensando sobre o futebol talvez ele tenha sido e ainda seja uma das coisas que nos levaram onde estamos, já que por muitas vezes o governador de determinado estado é pego roubando, mas logo a notícia é ofuscada pela manchete de hoje tem clássico regional...

Não devemos esquecer que nada está acima da nação, e o pão e circo são estratégias usadas desde a época de Cristo estão se mostram efetivas. Já o futebol, não dá para tratar como algo acima do que ele é, entretenimento.