sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Futebol e carnaval



O futebol já não é aquele e o carnaval também não. Os dois foram de alguma forma transmutados. Ou, para ser mais claro, tiveram a alma tocada - e ferida - por outras intenções. Pela grana, pela TV. Ainda assim continuam sendo os grandes espelhos do nosso povo, ainda que espelhos não sejam. 

Se alguém os quisesse mais puros, na medida da pureza possível nestes dias que correm, deveria pensar, antes de tudo, em separá-los. Não que tenhamos de tirar da avenida a bola e os homens que com ela nos pés nos encantaram. Não! Pelé, Zico, Rivellino, que ainda outro dia estava lá no meio da folia, merecem e seria praticamente inevitável que em dado momento não fossem levados pra avenida. Ou para o Sambódromo, melhor dizendo, já que foi-se o tempo em que o desfile se dava na avenida. 

Não há nada mais legítimo do que o carnaval se apropriar de tudo o que retrata e revela nossa gente. Mas falo sobre um outro tipo de relação que temos visto se dar entre os dois. Das torcidas organizadas que, podendo trilhar outros caminhos, aos poucos vão fazendo o carnaval, paulistano em especial, se vestir com a fantasia de uma rivalidade que não deveria jamais se fazer presente na mais popular das nossas festas. Não é à toa que hoje quem cuida da tabela dos jogos, ou da ordem de apresentação das escolas, tem de cuidar pra que um certo tipo de carnavalesco não encontre um outro, pra que um certo tipo de torcedor não vá pra rua no mesmo momento que um outro. Civilidade e segurança neste nosso país, faz tempo, não passa de um anseio.

E que me perdoem os que dão a vida por isso. Não sou um sujeito obtuso. Não a ponto de achar que tanto o futebol quanto o carnaval poderiam ter virado o que viraram sem que nosso povo lhes tivesse emprestado os sentimentos, o coração. Mas gostaria de ver um carnaval sem dinheiro público, um futebol com mais alma. Coisa que tivemos um dia. Pense na nossa miséria de dribles, na saudade que chegamos a sentir de ver um gol de falta. Pense na duvidosa qualidade de um samba-enredo atual. Qual deles hoje em dia faria frente ao algum desses que o tempo transformou num clássico? 

Lembro bem do dia em que tomei o Metrô e vi piscar no letreiro de aviso pela primeira vez a seguinte mensagem: em dias de jogos evite usar a camisa de seu time. Lembrei disso agora ao tentar achar uma razão para que o futebol tivesse se misturado dessa maneira ao carnaval. Não encontrei. Pra mim o futebol no carnaval só deveria ser permitido entrar pelo viés da reverência. Reconhecido pelo que carrega de cada um de nós. Mas não deve ter sido por acaso que o pensador russo Mikhail Bakhtin escreveu certa vez que o carnaval"não é forma puramente artística de espetáculo...ele se situa na fronteira entre a arte e a vida". Ou seja, essa mistura um tanto nociva entre nosso futebol e nosso carnaval nos retrata.


* Pra quem gostou do tema segue abaixo o link da matéria escrita por Alvaro Costa e Silva no Ilustríssima do último domingo sobre o desenvolvimento do samba-enredo como gênero.

http://bit.ly/2lhKAGH 

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Viva os corneteiros!

O corneteiro é um nobre. Figura das mais notáveis no futebol. Pensando bem talvez só o secador seja páreo pra ele em importância nesse mundo da bola tão fértil para a tiração de onda. E hoje pinto aqui na área cheio de disposição para lhe fazer uma elegia. Não sem motivo. Não sei se vocês  viram com que dose de deselegância o jovem goleiro da nossa seleção sub-20, depois da vexatória campanha no Campeonato Sul americano, se dirigiu aos jornalistas. Palavrões à parte, acusou-os, inclusive, de cornetagem. Como se ser corneteiro fosse algo menor. 

O desabafo me deixou com a pulga atrás da orelha e vou já lhes dizer a razão. Ao ouvir aquilo fiquei com uma preocupação monumental. É que o modo de falar me fez levar em consideração a possibilidade de que um jovem que está sendo preparado para defender a meta da seleção brasileira não tenha nível de conhecimento suficiente para fazer a diferenciação. O que seria um quase analfabetismo ludopédico e o impediria de colocar as coisas no devido lugar. Ora, crítica é uma coisa,  cornetagem outra. E sou capaz até de entender que exista gente por aí que  confunda uma com a outra tão parecidas que são. Mas não um boleiro.Seja como for, sigamos.

O futebol sem a figura solene do corneteiro seria destituído de parte de sua alma. O corneteiro é tão fundamental que precisa estar presente sempre. E sabemos disso tão intuitivamente, que não raro nos flagramos fazendo esse papel ou damos de cara com gente as pessoas mais improváveis aceitando fazê-lo. Juizes, artistas, presidentes de clubes e até padres. Acho, inclusive, que não tardará o dia em que o San Lorenzo acabará colocando Sua Santidade, o Papa, nessa situação. 

Além do mais, a falta de humildade para as críticas, dado o exagero da reclamação, sugere que o jovem goleiro, Caíque, não esteja ciente de que nossa seleção sub-20, apesar de tantas derrapadas recentes, ainda é a maior vencedora do torneio com onze títulos, quatro a mais do que os uruguaios e seis a mais do que os argentinos. O que justifica expectativas. E foi a primeira vez em vinte e oito edições do torneio que o Brasil terminou pela terceira vez seguida fora das três primeiras colocações do hexagonal. Logo, não foi à toa - nem por cornetagem - que uma matéria sobre o assunto tenha tratado como tragédia o fato de o time brasileiro sub-20 não ter conquistado vaga para o Mundial da categoria. Ainda que eu ache que tragédia é outra coisa. Mas diante dos resultados sou capaz de perdoar a alusão. 


O que jamais perdoarei é que se trate o corneteiro como um qualquer. Dia desses ainda voltarei ao assunto para lhes contar a versão que mais gosto do que levou o sujeito que não pensa duas vezes pra soltar o verbo contra o seu time ser popularmente chamado de corneteiro. Até lá e sempre,respeito !

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Futebol não é ciência


Só não vê quem não quer: o jogo é outro. Ainda que muitos o vejam com os olhos de sempre. O tempo transforma tudo. Nesse sentido talvez fosse mais interessante tentar explicar porque que é que só nossas cabeças e nossas manias resistem tanto. Acredito que por gostar tanto do jogo de bola é que os homens quiseram fazer dele algo sem segredo, como desde sempre os homens têm tentado fazer com o mundo e com a própria existência. Assim nossa velha brincadeira se encheu de ciência. E cercado de tanto estudo e teoria o futebol virou o que temos visto. 

Como não aceitamos a principal lição que se poderia tirar de tudo isso, a de que tanto no futebol quanto na vida segue sendo impossível saber ao certo o que nos leva ao resultado esperado, já era tempo de perceber que pensar demais costuma jogar contra. Mas o que acho digno de nota é que o momento tem tornado muito claro o abismo existente entre o que o futebol foi e o que ele é. E a melhor maneira de dar conta disso é prestando atenção ao discurso dos treinadores.

Há em atividade profissionais de várias gerações. Alguns continuam acreditando na versão menos cientifica do jogo, em geral amparados num empirismo que não raro dá conta do recado. E há em ação os que representam a versão mais moderna da coisa. E aí eu citaria o nome do jovem Jair Ventura. Pois creio estar na boca dele o tipo de discurso que mais tem contribuído para tornar clara essa cisão. As falas do treinador do Botafogo, a meu ver, deixam transparecer um futebol esmiuçado, estudado, amparado em observações de fundo científico. 

Mas entre a geração mais antiga e essa mais nova há ainda uma outra, representada por treinadores que misturam um pouco das duas. E o detalhe aí é notar que esse discurso moderno na boca deles não soa tão encaixado. E não os culpo. Trata-se de um discurso que eles tiveram de incorporar sem, de repente, ter realmente a convicção de que apontam o melhor caminho. Usam as tecnologias, se informam do que anda acontecendo pelo mundo mas estão - por uma questão meramente temporal - presos a certos conceitos. Veja, não estão errados.

É um caminho sem volta? Sim, por hora não vejo outro com tantos adeptos. Adiante, quem sabe, algum iluminado irá sacar que é preciso uma dose mais adequada de tecnologia. E que uma dose de velhos métodos - deve haver algum - também poderia fazer bem ao jogo e, o melhor de tudo, trazer resultado. Ma se isso acontecer, não será já. Possivelmente daqui alguns anos quando o mundo começar a sacar que não deveríamos viver de olhos tão grudados em smartphones, tablets e afins. Há muitos lugares pra se buscar conhecimento. 

O tema está posto e não deve ter sido por acaso que o técnico Rogério Ceni, depois da derrota do time dele para o Audax, diante do revés e da supremacia numérica do tricolor, fez questão de lembrar que o futebol não é matemática ou ciência exata. Eu vou além. Digo que, apesar de toda a contribuição científica, o futebol jamais será ciência. Embora exista um exército fazendo força para transformá-lo nisso.  

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Sem essa de professor ! Treinador !


A FBTF - Federação Brasileira dos Treinadores de Futebol - que tem no técnico santista, Dorival Júnior, seu vice-presidente, se movimenta para tentar aprovar o projeto de lei 7560/2014, proposto pelo Deputado José Rocha, da Bahia. A intenção é regulamentar a profissão no país. O projeto, como uma forma de homenagem, ganhou o nome de Caio Júnior.Os envolvidos têm a intenção de organizar uma manifestação no início de março, quando treinadores do Brasil e do exterior, que se dispuserem, entrarão em campo vestindo uma camisa com o logotipo da Lei.

Dorival Júnior, por sinal o treinador mais longevo da Série A do futebol brasileiro, deu a seguinte declaração ao site globoesporte.com:

– Nossa intenção é regulamentar a profissão, oferecendo segurança para os profissionais de todas as divisões. Com a procura por direitos e de um tempo mínimo à frente de um clube de futebol, sem ficar pulando de galho em galho. Perto de 70% dos treinadores do país, por exemplo, não têm carteira assinada. Isso é inconcebível em um país que ama tanto o futebol. Nós ficamos para trás.

Deve-se pensar na questão das contrapartidas, pra evitar o que hoje costuma ser chamado de "dança das cadeiras". Um dos entraves é o Conselho Regional de Educação Física, que não quer abir mão da exigência do diploma da área. Um debate importante e uma regulamentação que já deveria ter sido feita há tempos e que pode dar imensa contribuição ao nosso futebol.. 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

2017: De olho no calendário !

Foto: Marcelo Carnaval / Agência O Globo /Arquivo

Se tem uma coisa da qual o futebol brasileiro carece é de gente com atitude. Nesse sentido gostei muito de ter dado de cara com a entrevista concedida pelo técnico Paulo Autuori, pouco antes de o time comandado por ele, o Atlético Paranaense, estrear na Libertadores. Com categoria, diria até com elegância, Autuori foi duro ao criticar a CBF. E disse uma coisa que, embora soe óbvia, é algo pra se ter em mente sempre. A saber, o sucesso da seleção não é o sucesso do futebol brasileiro. 

Claro, o início do trabalho realizado pelo técnico Tite inevitavelmente faz pairar no ar a sensação de que o nosso futebol encontrou um rumo. O que se dá, acredito eu, por um detalhe muito interessante, que merece ser destacado: o lugar que a seleção continua ocupando no imaginário do torcedor. A seleção, de um jeito ou de outro, continua sendo um dos grandes signos da nossa relação com o jogo de bola. Logo, quando algo de bom se dá com ela recebemos, quase instintivamente, uma descarga de contentamento, pra não dizer de alívio.

Outro grande sinal que me veio com a declaração de Autuori foi a coerência dele. Em dezembro de 2015, quando os integrantes do movimento chamado Bom Senso foram até a porta da CBF para fazer uma manifestação e ler uma carta de protesto que pedia, entre outras coisas, a renúncia do presidente da entidade... lá estava Paulo Autuori. E se a memória não me trai foi o único treinador a dar as caras. Daquela época pra cá o Bom Senso perdeu força e os outros nomes de expressão que marcaram presença no ato não voltaram a falar com tamanha veemência sobre essa nossa realidade. 

E vale lembrar também que dois anos antes, em 2013, Autuori já tinha feito muita gente por aqui lhe olhar torto por ter dito que os treinadores brasileiros estavam defasados. Dessa vez  voltou a falar sobre o tema, não correu dele não, e até apontou o que nos levou a essa defasagem. E não deixou de nos lembrar, como tem feito também o Tite, da perversidade do nosso calendário. Por isso, se tem uma coisa à qual devemos ficar atentos a partir de agora é o que esse novo calendário irá fazer com o futebol brasileiro. As mudanças recentes farão competições importantes como o Brasileirão e a Libertadores serem disputadas em paralelo.

Em outras palavras, parecemos seguir na direção inversa àquela que gente que entende do riscado nos têm apontado. Chega a ser desolador constatar que depois de tantos escândalos o principal esforço feito pelos homens que comandam o futebol foi jogar mais uma dose de fermento em alguns dos seus principais torneios para que a realidade deixe de ser uma ameaça ao crescimento do faturamento. Diante disso tudo a temporada que agora começa terá a virtude de nos mostrar quais serão os efeitos colaterais das últimas cartadas dadas pelos cartolas. Temo que ao fim dela Autuori esteja parecendo ainda mais lúcido do que agora.  



* A entrevista  na íntegra pode ser lida aqui: 
http://bit.ly/2jYKxl8