quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Quando a borracha termina primeiro que o lápis

Desde muito cedo você deve ouvir que errar é humano. E se, por acaso, não ouviu é porque alguém provavelmente errou ao lhe omitir isso ao longo do caminho. Fato é que por conta dessa constatação vira e mexe perdoamos as mais variadas pisadas de bola. Agora, o que talvez ninguém tenha lhe dito, e que me disseram uma vez, é que errar é humano desde que a borracha não termine primeiro que o lápis. Olha, depois de ouvir essa versão do dito nunca mais a esqueci e costumo sacá-la sempre que alguém tenta usar malandramente o argumento que inicia este artigo. Até porque como você também deve saber paciência tem limite. E em matéria de futebol a nossa está chegando ao fim. Tá ou não tá? 

O que resta da de vocês eu não sei, o que eu sei é que a última rodada do Brasileirão pelos acontecimentos quase esgotou de vez a minha. Em especial os erros registrados nos jogos de Palmeiras e Flamengo que foram de doer, pois são daqueles com potencial pra virar do avesso a história de qualquer partida. Fica difícil saber o que pensar. Até porque no caso do Maracanã o apito foi entregue àquele que é tido como o melhor árbitro do país. E quando digo que fico sem saber o que pensar não se trata de figura de linguagem, não. 

Vejam vocês a que ponto chegamos. Outro dia dei de cara com uma dessas enquetes feitas em programas esportivos. Ela questionava os telespectadores e internautas a respeito da confiança que tinham nos árbitros. Tudo bem, não era lá um universo muito representativo. Mas a questão era direta e clara: Você confia na arbitragem?  E não é que oitenta e oito por cento dos votantes disseram que não? E o pior, a essa altura eu já tinha sérias dúvidas sobre se deveria, ou não, me juntar a eles. Fiquei literalmente fora do ar por uns instantes, porque por mais que o tio Nelson Rodrigues tenha nos avisado há tempos de que a mais sórdida pelada é de uma complexidade Shakespeariana isso é pra lá de surreal. 

Será mesmo que enlouquecemos de vez e sem perceber passamos a ver o futebol como quem vê um teatro? É complexidade demais pra minha cabeça. O sujeito gastar seus dias, seus domingos, a torcer por um time sem acreditar que o homem que está ali para arbitrar tudo não é idôneo. Vai entender! Enfim, a última rodada do Brasileirão pode até não ter esgotado a minha paciência, mas que a borracha dos homens do apito acabou de vez, isso acabou.   

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Polêmicas

O que espera e o que diverte o torcedor nos dias atuais? Meio século atrás, suponho, essas seriam questões fáceis. Mas passado meio século e diante do que se apresenta rodada após rodada tais questionamentos tomam ares desafiadores. Ou não? Já não dá pra esperar muita coisa do futebol e, pela exaltação dos ânimos, começo a desconfiar que o torcedor anda se divertindo mais com os debates sobre os jogos do que com os próprios. O que tanto pode ser encarado como um sintoma de algum mal terminal quanto como prenúncio de uma nova maneira de se divertir. 

E não deixa de ser compreensível. Afinal, ali estão os melhores momentos, editados com precisão cirúrgica. Ali estão os filés que sobraram de todo o osso que o torcedor precisou roer durante mais de noventa minutos. E essa é ou não é uma oferta irresistível quando o nosso tempo se faz escasso? O jogo como um todo, como um espetáculo com direito a começo, meio e fim, vai perdendo terreno. 

Na falta de futebol florescem as polêmicas. E acho que elas são do jogo. O que não é do jogo é acreditar que alimentá-las é uma exigência dele. No fundo, o que elas são é uma maneira fácil de emprestar vigor a um futebol de pouco apelo técnico. Façamos um exercício já que entramos na reta final do Brasileirão. Tiremos das nossas conversas a imprecisão dos árbitros, os descontentamentos e os pitis dos cartolas, a surpresa com aquele time de tradição que vai mal das pernas, e o que fica? A imprecisão, a desconfiança. E a imprecisão é dos homens. A história está cheia de registros dela, dentro e fora de campo. 

Do jeito que a coisa anda chega a ser inocência acreditar que um recurso eletrônico vai inocular no futebol um antídoto capaz de tirar dele tudo o que tem de contraditório, de imponderável. O futebol de ontem -  como o de hoje - jamais foi feito só concordâncias, mas daí a reduzi-lo a polêmicas são outros quinhentos. O que tá  mais do que na hora é de fazer valer a regra. Os profissionais de TV e afins à beira do campo se perguntados se foi ou não foi impedimento devem responder que isso não é problema deles. E quanto ao juiz, talvez fosse o caso de fazê-los voltar a entrar em campo contando apenas com o próprio juízo. Mas pelo visto nem no próprio juízo eles acreditam mais. Então, fica o torcedor assim, desse modo pobre, se contentando em defender seu time das polêmicas já que o futebol dele muitas vezes se revela indefensável. 

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Uma pitada de poesia


Soneto XVII - Pablo Neruda

Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
amo-te como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma. 

Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta a luz daquelas flores, 
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascendeu da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde, 
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira, 

senão assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Dylan, o mais novo Nobel de literatura

Pete Seeger and Bob Dylan, Newport Folk Festival, 1964


sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Você já foi à Vila?



Não sei se o caro leitor sabe, ou se recorda, que Dorival Caymmi em uma das tantas músicas que fez para cantar seu amor pela Bahia tomou a liberdade de perguntar e, em seguida afirmar: Você já foi à Bahia? Não! Então vá. Pois diante do momento que se aproxima acho que um questionamento semelhante se faz apropriado. Afinal: Você já foi à Vila Belmiro? Não! então vá! É difícil acreditar que alguém que more por perto - ou vez ou outra passe por ali - tenha resistido à tentação, e que se não tiver ido por amor, não tenha ido por pura curiosidade. 

Vá á Vila! Mesmo que não seja santista, mesmo que tenha um certo receio do que costuma rolar no entorno dos nossos estádios, vá mesmo que não goste de futebol. Vá porque a Vila Belmiro - que será merecidamente cortejada nos próximos dias quando cruzará as fronteiras de seu primeiro centenário - é desses lugares que tomam outra dimensão em virtude dos fatos que abrigaram, dos homens que o frequentaram. E se quiserem uma dica, abram mão de um jogo à noite, ainda que seja importante. Escolha um jogo pela manhã ou à tarde, de preferência em um dia ensolarado, quando o azul do céu formará um lindo contraste com o branco e o preto de suas linhas. 

A Vila Belmiro é um lugar desses que merece ser visto à luz natural. Sei que andaram falando aí em construir uma nova Arena coisa e tal. Bom, sou um sujeito atropelado pelo tempo, que ainda compra filmes pra colocar em máquinas fotográficas, que ainda faz questão de ouvir discos de vinil. Em outras palavras, posso ser suspeito para analisar as exigências que o passar do tempo costuma nos impor. Mas nada me tira a certeza de que seria impossível construir um lugar que viesse a ter a aura que a Vila tem. 

Pensando bem, se for possível, vá duas vezes. Uma pra conhecer o seu silêncio, pra olhar distraído e sem pressa suas curvas e notar, quem sabe, que sua elegância também está na sua inadequação. Em ser um signo que atravessou o último século. Mas vá também pra senti-la pulsar, pra ver como o futebol a torna viva. Pra ver como lhe adorna de modo sublime a torrente de sentimentos que brota nas arquibancadas. Talvez a maior reverência que se possa prestar à Vila Belmiro seja reconhecer sua importância. Reconhecer que sem o futebol e a torcida pra lhe estufar as veias ela morreria aos poucos. 

Um estádio não é igreja, não é museu. Mas a Vila!? Ah, a Vila consegue ser ao mesmo tempo um pouco de cada uma dessas coisas. A Bahia, como também disse Caymmi, tem lembranças. Como a Vila Belmiro as têm. Lembranças minhas, de muita gente. Por isso se você ainda foi à Vila, vá! Nem que seja pra um dia ter do que recordar, pra poder dizer por aí que certa vez esteve lá. 

         

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Quanto vale uma Olimpíada ?


Se há uma coisa que faria muito bem para ao esporte mundial seria poder contar com o bom senso dos políticos que, no final das contas, são as engrenagens que fazem a roda megalomaníaca dos grandes eventos continuar girando. O fato de cidades como Estocolmo, na Suécia, por exemplo, terem nos últimos tempos desistido de entrar nessa, entre outras coisas, em virtude do alto custo, alimentou minha esperança de que isso a médio prazo pudesse ser possível. Mas quando na cerimônia de encerramento dos Jogos do Rio vi o primeiro- ministro do Japão surgir lá no meio do campo travestido de Mario Bros, confesso, perdi toda a esperança.

Afinal, o Japão segue no meu imaginário como um país de homens rígidos, um país onde os homens quando têm sua seriedade colocada em xeque muitas vezes preferem a morte do que a vida sem ela. O que, aliás, sempre me deu uma boa ideia sobre a cara de pau de boa parte dos nossos homens. Pra piorar no último final de semana dei de cara com a notícia de que o governo japonês acaba de aprovar a construção do Estádio Olímpico para os jogos de Tóquio em 2020. Um estádio que custará quase cinco bilhões de reais. Obviamente a coisa por lá não se deu como por aqui. O contrato inicial sugeria um gasto de quase nove bilhões.

Mas não foi só o custo que desagradou a população, o design também. Uma boa lição pra nós. Pois aqui um governo que leve em conta as impressões do povo sobre o projeto de um estádio é algo que beira a ficção. E o governo de Tóquio também está revendo o custo total do evento. A previsão é de que os gastos cheguem a noventa e sete bilhões de reais. Ou seja, ainda que seja cortado, permitirá ao COI manter seu padrão de ganho a cada ciclo olímpico. O poder de sedução de uma Olimpíada continua gigante, talvez maior até do que as próprias cifras envolvidas nela. Atitude séria seria admitir que o mundo, ainda que o esporte deva ser encarado como algo nobre, já não comporta gastos desse porte.

Além do mais, a nobreza do esporte nada tem a ver com a pompa que as cifras costumam emprestar, ao contrário. A grandeza do esporte está em ser simples. Despi-lo de todas as posses só tornaria evidente a sua essência. Mas cada vez mais custo a acreditar que um dia os homens irão se despir de suas vaidades e de suas ambições e colocar esse patrimônio de todos nós em um outro rumo. Algo que fica ainda mais difícil de acreditar quando se vive em um país em que a educação física e as artes são encaradas como algo do qual poderíamos abrir mão.