quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Serviu, sim, pra alguma coisa

Hoje ouvindo os Lordes falarem...atentei para um fato, que talvez não seja novidade para muitos. Foi quando o presidente do STF, comandando solene sessão, alertou aos presentes que a Constituição previa o impeachment e a inabilitação política, mas que a Lei da Ficha Limpa previa a inelegibilidade. 

Então, percebi que a Ficha Limpa, que eu sempre vi com bons olhos foi - como tantas  outras coisas por aqui - feita pela metade. Pois alguém condenado por um colegiado, ou dentro do que  prevê a tal lei, não deveria somente perder o direito de se eleger e sim ficar impedido de ocupar qualquer cargo público, ficar inabilitado. 

Foi um detalhe, claro, mas já não posso dizer que não serviu para alguma coisa este dia que nenhum brasileiro, ao menos os possuidores da "glândula da consciência", como disse certa vez o escritor Eduardo Galeano, deveria comemorar. 

A seleção de técnico novo!


Corre por aí, um papo de que a seleção já não dá ibope. Digo mais, conheço gente que defende com unhas e dentes que atualmente o torcedor quer é saber do time dele e só. Embora duvide de qualquer sujeito que se apresente com legitimidade pra falar em nome do torcedor, a falta de apelo é evidente. Mas, por incrível que possa parecer, a expectativa que cerca esta quinta-feira, dia da estreia de Tite no comando da seleção, parece desafiar todas as evidências. Tite chega ao comando do time nacional numa condição singular e com moral pra colocar em xeque essa situação. 

Desde que Felipão entrou de vez para o seleto clube de treinadores nacionais Mano Menezes foi, digamos, a única novidade. Durou pouco mais de dois anos, ou trinta e três partidas. Tirando isso, de lá pra cá nossa seleção esteve nas mãos de três nomes. Felipão, Carlos Alberto Parreira e Dunga. Juntos eles desenharam uma longa jornada de cento e noventa e seis partidas. E ainda que a trajetória de Mano possa guardar alguma semelhança com a que colocou Tite nesse panteão há um detalhe que vale lembrar. 

Mano estreou na seleção em agosto de 2010. Vitória contra os EUA. E não pensem que era um jogo qualquer. O apelo era enorme. Estavam na seleção, enfim, os aclamados Ganso e Neymar, que Dunga não tinha feito questão de levar à Copa. Ainda assim, a TV aberta não mostrou. Só viu, ao vivo, quem tinha TV a cabo. Com Tite o papo será outro. E o nobre torcedor pode até dizer que não há comparação, pois nesta quinta se trata de jogo das Eliminatórias. 

Fato é que bem na fronteira que divide a tarde e a noite desta quinta-feira, exatamente às dezoito horas, os telespectadores da novela Sol Nascente, da TV Globo, irão dar de cara com o primeiro capítulo da história de Tite no comando da seleção. Aos que insistirem nas diferenças faço questão de recordar também que aquele jogo contra os EUA foi em horário nobre. Não seria preciso cancelar nenhuma novela. Até por isso creio que a estreia de Tite receberia outro tratamento. 

Bom, Veremos uma seleção encantadora? Não é provável. Bastará ao novo técnico apenas triunfos? O torcedor, desencantado com a seleção, se dará por satisfeito com um time defensivamente forte, capaz de trabalhar por vitórias com placar mínimo? Veremos. Sem tempo para treinar, mais do que depender de seus conhecimentos técnicos, Tite dependerá de sua excelência em se comunicar com os atletas, explicar o quer. Os problemas da seleção são velhos e conhecidos, mas o técnico é novo. Novo mesmo! E isso, diante de toda falta de apelo do escrete nacional, não é pouco.



quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O espetáculo... são os homens


A Olimpíada nos fez lidar com nossos fantasmas. E se você, como eu, andou um tanto assombrado antes da festa começar, não se deixe invadir por certa culpa. Não acho que seja caso de terapia. Temos bons motivos pra ficar preocupados diante da responsabilidade de receber gente em casa. Só os inconsequentes não ficariam. E se passou a chance de exigir o padrão FIFA, então, nos resta pedir desde já um padrão olímpico pro nosso estimado povo. Dói trazer com a gente a certeza de que voltaremos a ter do Rio de Janeiro as notícias de sempre. Aos que insistirem na tese de que a cidade depois dos jogos nunca mais será a mesma reservo, com um sorriso triste, a afirmação de que padecerá sendo a mesma, ainda que transformada. 

Os que pairaram acima de nós deixaram uma lição. A de que nem tudo se resume a suor e preparação. É só passar os olhos na classificação geral e na lista de países com bom nível de educação para dirimir qualquer possibilidade de coincidência. Mas antes que o futebol volte a dominar as páginas dos cadernos de esportes deixo aqui meu encanto com a nossa espécie. As conquistas podem ser iguais, os homens jamais. O homem é cósmico, diverso. Capaz de se revelar pobre de espírito ou nobre. O que explica como um craque como Neymar depois de se tornar o protagonista de uma conquista tão esperada tenha despertado tanto descontentamento. 

A Olimpíada passou e, mais do que revelar campeões, nos revelou a soberba de Isinbayeva, a falta de honestidade do nadador Ryan Lochte. Mas pra mim, brasileiro, não houve pompa, não houve nada, que tenha me orgulhado tanto quanto a maneira simples e transparente do veterano Serginho, líbero da nossa seleção de vôlei, se exibir em quadra. Diante de seus olhos marejados que iam marejando os de todos que se aproximavam dele, não haveria nada que fosse capaz de fazê-lo menor, nem mesmo a derrota que não lhe permitiria o ouro. 

Vi em Serginho a nossa maior representação e isso independeria do título. Foi ele, de coração exposto ali no Maracanãzinho, o meu herói escolhido, que fez questão de dividir com a arquibancada cada grande dose de alegria que lhe chegava. E se você, como eu, não poupou críticas aos jogos, mantenha a cabeça erguida se for atingido por argumentos empolgados que jamais levaram em conta os meios. Diante de um Serginho nos dobraremos todos, mas não diante de um país de duzentos milhões onde é dada a poucos essa possibilidade humana de se revelar imenso. 

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O importante é competir !


Travava uma conversa informal com o amigo Celso Unzelte quando ele me lembrou de um detalhe importante que, em geral, passa despercebido. O fato de não haver para o Comitê Olímpico Internacional o quadro de medalhas. Estabelecer um ranking vai contra o espírito olímpico. Lembrem, o importante é competir. E como se não bastasse montar o quadro ainda se faz da medalha de ouro algo inigualável. Pelas regras estabelecidas - não sei bem por quem - de nada adianta um país ter cinquenta medalhas de prata porque basta que um outro obtenha uma de ouro para figurar acima dele na tabela de classificação. 

Em outros países isso pode ser mero detalhe mas por aqui esse critério só ajuda a reforçar a ideia de que que ser vice campeão é algo menor. Ora, basta ver a alegria estampada no rosto de gente como Diego Hipólito ou Poliana Okimoto pra ter noção do tamanho do triunfo que se esconde entre pratas e bronzes. Diego, aliás, proferiu uma das declarações mais legais que vi até agora. Disse ele depois da prata conquistada: "Já cai de bunda e de cara. Aqui, caí de pé". Perfeito! 

Quem está ali naquela condição está sujeito a tudo. A diferença que separa o triunfo de um segundo ou terceiro lugares é ínfima. Talvez estejamos diante de uma das edições mais equilibradas de toda a história olímpica moderna. Esta é uma estatística que ainda não vi e que seria de grande valia para enaltecer os atletas que ora se apresentam para o mundo. E ter visto a eliminação precoce de figuras como os tenistas Novak Djokovic e Serena Willians me faz ficar propenso a acreditar nisso. 

Mas apesar de todo o encanto não descarte a possibilidade de que os Jogos do Rio sejam os mais inoportunos da história. Que os gregos não me ouçam, pois devem ter bons motivos para dizer que esse título é deles. Podemos reclamar um empate técnico, quem sabe? Mas dispensemos as medalhas, por favor. Estou convencido de que o COI bem que poderia decretar o fim dos tais quadros em nome do maltratado espírito olímpico. Lógico, diante de um Michael Phelps, por exemplo, nada impediria que os meios de comunicação nos lembrassem que o rapaz ali é simplesmente o maior vencedor de provas olímpicas de toda a história moderna, com direito a citar o número de conquistas e por aí vail. Pensando bem o COI poderia ir além e decretar o fim das medalhas e passar simplesmente a adornar a cabeça dos vitoriosos com a velha coroa de louros. Planta que representava a vitória na Grécia e Roma antigas. Mas aí vocês dirão: logo agora que nosso futebol masculino parece tão perto da desafiadora medalha de ouro?

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Torcer contra

Sei que o momento é complicado para afirmações desse tipo. O nobre leitor, imagino, deve andar tocado pelo espírito olímpico. Mas eu aqui, meio com espírito de porco, quero justamente tirar proveito do fato de estarmos mais sensíveis às reflexões sobre o ato de torcer para dar uma cutucada na ferida. Torcer contra nossos atletas olímpicos é tarefa moralmente questionável por motivos mais do que óbvios. Não quero crer que alguém em sã consciência torceria contra uma Rafaela Silva, por exemplo.

Mas quando se sabe que o nosso Comitê Olímpico privilegiou certas modalidades com o intuito de dar uma turbinada nas nossas possibilidades de medalhas para, desse modo, ficar mais perto da meta por ele estabelecida de terminar os jogos entre os dez primeiros colocados no quadro de medalhas, o sentimento pode vir a ser outro. Faz tempo que resultados servem de escudo para dirigentes que teimam em deixar tudo como está, nas mãos de quem está. Pra ter certeza disso basta olhar pro nosso futebol. 

Não me julguem um louco. É claro que tenho um time para o qual escolhi torcer, mas já me peguei várias vezes rendido ao jogo do adversário tamanha era sua capacidade. Muitas vezes, acreditem, comecei a ver uma partida torcendo para um time e acabei seduzido pelo outro, convencido pela beleza de seu jogo. Mas isso faz tempo, foi quando o futebol brasileiro ainda nos dava o prazer de ver surgir grandes esquadrões. Coisa que não tem acontecido nos dias atuais nos quais o jogo de bola se vê reduzido a uma pobreza técnica quase absoluta que nos obriga a torcer para o menos ruim. 

E se venho com esse papo agora é também porque faz tempo que vejo muita gente por aí descer a lenha em tudo e em todos mas sem jamais admitir que torce contra, nem que seja ou tenha sido por um instante, como quem tem uma recaída. Pesa sobre os que torcem contra a sombra da discriminação. Mas aos que torcem contra digo que sempre será legítimo acreditar que só uma derrocada definitiva poderá ter força para mudar o futuro. 

Temos que aceitar o que torce contra onde for, ao lado da gente no sofá de casa, ou o sujeito que pinta lá no boteco decidido a gritar pelo outro time. Lógico que não falo daquele tipo que defende posições para aparecer. O mundo é feito de prós e contras. E não fosse o fato de eu ter percebido esta vocação por aí desde tempos longínquos levantaria a suspeita de que como torcedores tínhamos sido infectados pela intolerância que ora transborda do nosso jeito de encarar a política. Veja. Torcer contra não tem nada a ver com torcer com maus modos. Falo do ato em si. Torcer contra é um direito e ponto final.
 

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Eu vou torcer

Foto: Y.V. (EFE)


Nossas moças estiveram em campo e bateram a China. Mas, teoricamente, a missão delas será bem mais espinhosa do que a que espera os rapazes, que estarão amanhã à tarde no gramado do Mané Garrincha. E faz tempo que toda vez que elas entram em campo me vem à cabeça uma música do Jorge Ben, cujo título é o que eu tomei a liberdade de usar para esta coluna. Virou uma espécie de mantra que eu entôo secretamente na ânsia de vê-las alcançar um triunfo ainda maior do que os já alcançados. Ou alguém aí dirá que ser vice-campeã mundial e duas vezes  vice-campeã olímpica em um país onde o futebol feminino carece de existir de maneira digna é pouca coisa? 

A história de superação escrita pela nossa seleção feminina de futebol ao longo dos últimos anos bastaria para justificar minha torcida. Mas há bem mais do que isso, inclusive, o discurso preciso do técnico Vadão que em uma de suas últimas declarações antes da estreia fez questão de deixar claro que com ele não cola esse papo de que uma medalha de ouro irá salvar o futebol feminino. E foi além! Vadão deixou no ar também uma incômoda - mas pra lá de pertinente - pergunta. Disse o treinador das moças: Vamos admitir que a gente vença. No dia seguinte, vai ter futebol feminino nas escolas? No dia seguinte, as prefeituras vão decidir fazer uma escolinha de futebol feminino? O que nos falta é isso. O incentivo social. 

E eu diria que mesmo socialmente muitos são os detalhes que nos desafiam. Semanas atrás virou notícia a reação que os pais de alguns garotos teriam tido ao ver seus filhos perderem um título sub-13 para um time formado por meninas. A proeza foi obra do time do Centro Olímpico de São Paulo que teve autorização para inscrever na tradicional Copa Moleque Travesso um time formado por sete garotas de quatorze anos. A diferença na idade tinha a intenção de equilibrar a força física. Os sete participantes foram consultados e houve apenas uma objeção. 

A bola rolou, o time das garotas venceu a final por três a um e o que se ouviu no entorno foi gente alegando que pesou o fato de as meninas serem um ano mais velhas, que os meninos não entravam pra valer nas divididas com medo de machucar as adversárias e por aí vai. Mas a coisa teria engrossado pra valer quando alguém ousou dizer que futebol não era coisa pra meninas. E detalhe: a ideia de inscrever as garotas no torneio foi motivada pelo simples fato de não existir nenhum torneio que elas pudessem disputar. Vê se pode. Queria ver alguém dizer pra Marta, pra Cristiane, pra Formiga que acaba de viver a rara emoção de entrar em campo pra disputar a sexta olimpíada, que elas escolheram o esporte errado. E é por elas que eu seguirei cantando baixinho esse refrão que pra mim anda fazendo mais sentido do que nunca: eu vou torcer pela paz/ pela alegria, pelo amor/pelas moças bonitas /eu vou torcer, eu vou. 





Escute a música citada no texto - Eu vou torcer