quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Um pouco de coração


Sabe-se lá onde se escondem os mistérios do futebol. Como já disseram há muitos entre o céu e a terra. Mas convenhamos, há certa comodidade em atribuir tudo o que se passa entre nós a reinos metafísicos. Outro dia ouvindo o meio-campista, Pablo Escobar, atrás vibrei quando ele apontou o dedo na direção de algo bem terrestre para elucidar acontecimentos. E notem que a declaração se deu logo após o time dele, o The Strongest, ter alcançado o incrível feito de vencer uma partida fora de casa depois de quase três décadas e meia. Logo, não seria de espantar se o entusiasmo causado pelo triunfo o fizesse falar em forças sobrenaturais, ajuda divina, esse tipo de coisa. Nada disso, amigos. Escobar foi pé no chão de tudo. 

Apesar de ter recorrido no primeiro momento a um tremendo clichê dizendo que já não há time pequeno, no segundo seguinte corrigiu a rota e sentenciou: "... quando um time põe um pouco de coração...". Pimba! Aí está pra mim uma explicação magnífica porque sem arroubo algum. Uma interpretação que chega envolta na simplicidade para driblar os desavisados. A questão dos times menores é discutível por vários ângulos. Não existissem as diferenças de tamanho o futebol sul-americano não teria gerado nos últimos dias manchetes incríveis como aquela propiciada pelo encontro entre o Palmeiras - e seu elenco de quarenta jogadores - e o River Plate. A citada manchete avisava que o time uruguaio gastava por mês o que o alviverde imponente torrava em quinze horas. O próprio anúncio da vitória fora do The Strongest mais de trinta anos depois de ter vencido pela última vez nessa condição não deixa de evidenciar que existem abismos entre os clubes, sim. Sem essa de que tá tudo muito igual. Esse pensamento é reducionista. 

Escobar esteve envolvido no gol que levou à vitória e foi além, nos clareou as ideias. Colocar um pouco de coração no que está sendo feito, tá aí o segredo. E se a memória não me trai o jogador boliviano também citou a vontade. Outro detalhe que merece reflexão. Já vi muita gente zombar de artilheiros que costumam creditar seus gols a deus. A esses  os cáusticos costumam responder dizendo que neste caso o todo poderoso havia claramente tomado um partido, ou que os pedidos e preces vindos do outro time não tinham sido tão intensos como os do adversário que triunfou. Faz sentido. Mas com a vontade isso passa a ser factível. Vejam, não se trata de falar que tudo ocorre, ou ocorreu, por falta de vontade, no caso, do time são-paulino. Se trata é do que pode acontecer quando um time com vontade cruza em campo com um quem tem mais vontade do que ele. 

Aí já viu, né?   

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Fala aí, arquibancada!



Dias atrás lendo o livro "Política, propina e futebol", do jornalista Jamil Chade, mais uma vez lamentei em silêncio, como já fiz outras vezes, o fato de que neste dito país do futebol os torcedores até hoje não tenham explorado toda a potencialidade das arquibancadas. Nunca é tarde. Elas estão aí e poderíamos desde sempre tê-las transformado em uma grande tribuna que expressasse nossa indignação, nossas reivindicações e até nossas outras alegrias, aquelas que nada têm a ver com o jogo. 

O autor do livro repassa alguns momentos em que as arquibancadas, pelo mundo, ganharam essa outra dimensão. Como em um jogo no Cairo em que o líder da oposição foi efusivamente saudado pelos torcedores, que ainda fizeram questão de adornar o momento com gritos de "Fora, Mubarak". Amplificando o desejo popular de tirar o  político do poder. Na Jordânia, os gritos ofensivos dos torcedores do Faisali à Rainha Raina seriam fatalmente punidos com tortura. Mas como era impossível prender todo mundo restou aos donos do poder interromper o jogo e multar o time. O recado das arquibancadas, no entanto, estava dado. O livro traz ainda uma interessante declaração de um sociólogo britânico que nos alerta para o fato de que, apesar dos governos insistentemente usarem o futebol e os eventos esportivos para se autopromover, a massa pode durante noventa minutos transformar os estádios em "enclaves de autonomia". 

Eis que na última quinta-feira a nossa polícia militar entrou em cena para impedir a torcida corintiana de se manifestar através de algumas faixas, e fazendo do Estatuto do Torcedor seu escudo. Não vou entrar no mérito do teor das faixas, nem vou fazer digressões a respeito das intenções da torcida. Ocorre que o estatuto versa sobre faixas com conteúdos ofensivos. Impedir que a torcida se manifeste é um abuso, é atentar contra a liberdade de expressão. O torcedor pode até não fazer uso desse direito, como em geral não faz. Salvo belas exceções como aquela faixa erguida com astúcia em 1979 durante um Corinthians e Santos para pedir "Anistia ampla, geral e irrestrita". Algo que bem antes já se manifestava nas ruas. 

A arquibancada não é a rua mas tem a alma dela, sua transcendência. E digo mais, se de hora pra outra o "Estatuto do Torcedor" passar a ser usado contra ele, que o torcedor proteste exigindo que mude. Pois protestar, como aliás fizeram na semana passada torcedores do Liverpool e mais tarde os do Borusia Dortmund, indignados com o alto preço do ingressos, não deixa de ser uma forma nobre e inteligente de comungar com o futebol.  

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Não sou exatamente um saudosista



Dia desses, quando um papo sobre futebol na redação já dava sinais de cansaço dada a sonolência que costuma abater os interessados no jogo de bola todo começo de temporada, alguém tentou reanimar a conversa lembrando que outro dia havia chegado até nós um e.mail repleto de indignação. O autor da mensagem dizia  não aguentar mais o nosso discurso sempre sugerindo que futebol bom mesmo era o que se jogava antigamente. Olha, adianto-lhes que a discreta provocação não deu grande sobrevida ao papo mas ficou martelando na minha cabeça. E, entre marteladas e reflexões, fui obrigado a reconhecer que se o descontente autor da peça não tinha razão, ao menos, havia sugerido uma grande questão. 

Se dissesse que tenho pelo futebol de hoje a mesma reverência que tenho pelo praticado no passado estaria mentindo. Como devo dizer que gosto infinitamente mais da música do passado do que a atual. E isso  me leva a crer que há claramente em tudo uma dimensão que só o tempo traz. O que torna, portanto, inútil tentar alcançar a exata dimensão que terá no futuro, à luz da história, o que vivemos nos dias atuais. O que sou capaz de afirmar é que a maneira como trataram o futebol nos últimos tempos, sua evolução (ou seria involução?), e o modo como ele foi se moldando no cotidiano de quem se interessa por ele, roubou de nós certa inocência. O futebol não soa mais tão lúdico. Deixou de ter aquele ar de uma brincadeira que os homens carregavam consigo mesmo passada a infância e a adolescência. O futebol ganhou certa urgência. Virou coisa séria demais.

Mas o fato é que semeou entre nosso povo uma trajetória encantadora. Trajetória tão bela que hoje em dia sou capaz de sentir saudade dos jogadores que eu vi em campo e até dos que eu não vi. E como gostaria de ter visto um Zizinho com a bola nos pés com meus próprios olhos. O autor do e.mail não deixa de ter lá sua razão, já que essa resistência pode ser a prova do quanto somos refratários à evolução das coisas. Não! Não deixa de ser verdadeira essa má vontade com o futebol atual. Uma coisa eu sei. O futebol do passado fez entrar para a história um sem fim de homens, que foram comprovadamente capazes de representar o apuro técnico, que encantaram o mundo. E sou quase incapaz de enxergar nos craques de hoje essa relevância. 

A história certamente me punirá se isso for, como suspeito, uma incapacidade minha de acompanhar o andamento do mundo. Por certo lá na frente teremos saudade da ousadia e da juventude de um Neymar, da paixão clubística e do jeito simples de um goleiro como Marcos, ex-Palmeiras. Como já andamos cheios de saudade de alguém como Romário. O jogador, não o político, por favor ! E de quem mais ? Olha, se o futebol de hoje for , como pensam alguns, tão bom quanto o do passado a história se encarregará de redimi-lo. Enquanto o tempo não faz esse serviço sigo seduzido pelo das antigas e ponto!