quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O homem do apito


Imagine-se em um campo qualquer de várzea. Ali ao lado está um sujeito mal ajeitado no pedaço de tábua que faz o papel de arquibancada. Ele tem os olhos grudados no homem do apito. O enxerga, assim como você, sem muita precisão, prejudicado pela distância e pela poeira que levanta do chão de terra batida. Ainda assim, ele jura ter visto que o jogador do time para o qual ele está  torcendo não fez penalti coisa nenhuma. Você acaba de pensar a mesma coisa sobre o lance. Mas o homem  agora está bem perto da linha da grande área fazendo o apito soar estridente, com a mão direita apontando pra marca da cal. Em meio ao burburinho o sujeito levanta rápido, faz uma concha com as mãos na frente da boca - que é pra que o que vai ser dito ecoar bem - e grita com toda força:

_ Ô seu árbitro, tu tá de sacanagem !


Além da ausência de um palavrãozinho sequer na frase tem outra coisa que destoa: Um sujeito no calor do jogo chamar o juiz de árbitro. É ou não é? Tô cansado de saber que é o certo, mas errado mesmo é essa mania de querer corrigir o que se faz claro. Quem apita  futebol sempre foi chamado de juiz, e eu faço questão de continuar me dando o direito de lhe chamar assim. Árbitro soa tecnicista. Ouçam bem a sonoridade: juiz ! O termo cai a esse cidadão que aceitou tão ingrata tarefa como roupa de corte fino. E às favas com o politicamente correto. Nessa toada bandeirinha virou auxiliar, passe virou assistência. 

E tem outra coisa que anda me chamando a atenção quando se fala no juiz. É o seguinte, em outros tempos o cara tinha noção de onde estava se metendo e dava um jeito de se impor com naturalidade. Mas hoje em dia os caras não aceitam o nobre papel de chegar ao fim de um jogo sem serem percebidos. É um tipo de nobreza que não lhes interessa. E mais, já faz tempo entram em campo com ar e atitudes militares. Deram pra ser bombadinhos. Talvez pensem que o visual por si  só se encarregará de transmitir o aviso de que é melhor não mexer com eles. 

Nada contra, nem a favor. Só continuo achando que por mais que não lhes possa faltar certo preparo físico, um mirradinho, bem intencionado e com fôlego, pode fazer muito pelo  futebol. Mas admito, o problema pode estar comigo que continuo acreditando inocentemente, ou burramente mesmo, que o futebol ainda pode ser parecido com aquele que eu via antigamente. O que por tabela explica também essa minha teimosia de querer continuar chamando árbitro de juiz.   

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

E o Guardiola, hein?



Deixe que eu use a intimidade que criamos depois de tanto tempo usando esse espaço para fazer uma pergunta: Você acredita que Pep Guardiola estava dizendo a verdade quando afirmou que a nossa seleção precisa de um técnico brasileiro? Eu não! Talvez não se trate de uma mentira, mas de uma omissão. Se você não acompanhou o desenrolar dos fatos vou resumir. Tempos atrás, quando Mano Menezes foi mandado embora da seleção, chegaram a noticiar que Guardiola estaria disposto a abandonar o ano sabático que atravessava se fosse para assumir o escrete brasileiro. Mais recentemente o lateral Daniel Alves concedeu entrevista e fez o assunto voltar à tona, dizendo com todas as letras que Guardiola já tinha até o time na cabeça e que nem pensava na questão financeira. 

Estranho que mesmo diante de todo o burburinho ninguém tenha feito o óbvio: ir perguntar para Guardiola o que havia de verdade aí. Isso só se deu dias atrás, quando um jornalista brasileiro esteve presente em uma coletiva do treinador, ainda que lá estivesse por causa de outro assunto. Custo a acreditar que esse homem - que foi capaz de se impor um ano sabático, que estudou alemão para  poder conceder sua primeira entrevista à frente do time do Bayer naquela língua - acredite cegamente que o Brasil precisa ser dirigido por alguém daqui. É um pensamento que destoa totalmente do que ele representa. 

E o que eu estou falando não deve redundar naquele papo furado se o pessoal da CBF deveria ou não ter lhe procurado. Acho muito mais crível que Guardiola, inteligente como é, tenha sacado o que iria provocar se dissesse que teria topado a empreitada. Mais crível ainda é imaginar que como bom conhecedor do mundo da bola jamais amarraria seu bode por aqui. Semanas atrás escrevi  sobre a ausência de técnicos estrangeiros no nosso futebol e recebi uma mensagem de um leitor fazendo questão de registrar que nem sempre fomos tão resistentes a eles. Aqui tivemos Filpo Nuñez (fita azul com a Portuguesa Santista), Bélla Gutmann,e outros, que certamente nos deixaram algo de bom. 

Acredito que se algum cartola por aqui soube dessa disposição de Guardiola deve ter pensado que não cairia bem abrir as portas para um estrangeiro justo na hora em que país se ufanava de receber uma outra Copa. Maneira rasa de pensar. E é por essas e outras que digo, não que Guardiola não combine com o futebol brasileiro, ele não combina é com o modo como andam pensando o nosso futebol. Acho que teria sido uma bela continuação de tudo o que conseguimos construir de mais bonito pelos gramados. Um último respiro da sedução que nosso jogo exerceu sobre o mundo. Mas nada temos feito para merecê-lo.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Nossa Pátria Esportiva




Nunca se falou tanto em esporte neste país. Os comandantes da Pátria de olho em holofotes planetários fizeram do Brasil sede da última Copa e da Olimpíada que vêm aí. Mas em nenhum momento pensaram de modo respeitável no esporte. Tivessem feito isso teriam trilhado outros caminhos. Minha experiência de vida - e profissional - manda desconfiar de qualquer projeto que não una o esporte à educação. O esporte deve, antes de mais nada, ensinar o homem a lidar com seus limites, a conhecer o próprio corpo, a desfrutar dos seus benefícios do ponto de vista físico e mental e, por tabela, deixar provar do que é capaz a disciplina. Normal que alguns não segurem a onda e queiram mostrar que são melhores do que os outros.O esporte tem de estar à mão. Uma escola sem quadra esportiva ou sem aulas regulares de educação física não condiz com nenhuma nação que se pretenda evoluída e saudável. Mas o que temos? Um ensino em que a Educação Física está longe de ser tratada devidamente, colocada entre aulas de outras matérias. E esse é um dos motivos que me fazem não suportar esse papo de legado. 

Faz uns dias li uma  matéria sobre o projeto que a Alemanha está colocando em prática para o futebol. Uma espécie de próximo capítulo do planejamento que os levou ao tal sete a um. Não se trata de algo mirabolante, mas que impressiona pela cidadania e simplicidade. Baseia-se em dar a todas as escolas diretrizes para que a criançada se inicie no jogo de bola. Quadras de 20 x 15, com quatro jogadores pra cada lado, sem goleiro. E assim vai. Aos maiores trataram de garantir que terão um lugar próximo deles para lapidar seus talentos. E com trezentos e tantos milhões gastos pela Confederação do país estão erguendo em Frankfurt um centro já apelidado de "A Catedral". O local congregará tudo e todos. E vejam. A decisão de erguê-lo foi tomada depois de uma consulta popular, já que a construção envolvia isenções de impostos. 

E aqui? Aqui se você tem perto de meio século de vida como eu, sabe muito bem que não temos mais jogos colegiais, os jogos universitários morreram. E iniciativas como os Jogos Abertos do Interior tiveram a alma liquidada pela esperteza. Faz uns dois anos participei de um evento em Piracicaba. O Professor Idico, que lá me recebeu, durante um jantar me contou todo esforço que tinha feito certa vez para resgatar os Jogos. Coisas básicas como um regulamento que impedisse os atletas de mudar de cidade. Eles até poderiam escolher a cidade que gostariam de defender, mais feita a escolha deveriam permanecer ligados a ela por pelo menos três temporadas. O que evitaria esse absurdo que se vê hoje, cidades contratando atletas de destaque só pra fazer bonito por uns dias e depois tchau. 

Ora, incorporamos tanta baboseira do " american way of life". Há quem diga até que a nossa derrocada educacional começou no dia em que decidimos adotar o padrão norte-americano. Pra quem não sabe do que se trata basta escrever a palavra MEC/USAID no Google e pronto. Se pelo menos tivéssemos copiado deles essa intimidade que eles sustentam entre o esporte e a universidade, talvez nossa situação fosse outra. Mas por hora, não somos nem a Pátria educadora que nossa presidente prega, e muito menos uma Pátria Esportiva. E essas têm sido algumas das nossas grandes derrotas.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Sentimento FC


Faz tempo que alimento a ideia de escrever sobre times não profissionais que reuniram grandes figuras. O mais emblemático deles carrega também o nome mais bem sacado de todos. Falo do "Sentimento Futebol Clube", criado por Plínio Marcos, pelo jornalista, Brasil de Oliveira, e pelo zagueiro, Estevam Soares, que mais tarde viria a ser treinador. O Sentimento era uma seleção de boleiros que se reuniam pra jogar a favor de alguém. A definição é do ponta-esquerda do time, o próprio Plínio Marcos. Na biografia dele, "Bendito Maldito", escrita por Oswaldo Mendes, é possível saber dessa esquadra com detalhes e como, certa vez, Plínio entrou numa tremenda dividida com um delegado para salvar - literalmente - a perna de Estevam. 

E se hoje estou aqui falando finalmente disso é porque na semana passada tive a alegria de conversar com o ex-jogador, Afonsinho. Ele mesmo, o cabeludo que em plena ditadura não medrou e se tornou o primeiro jogador brasileiro dono do próprio passe. Afonsinho foi o mentor de um time dessa natureza também, o "Trem da Alegria". Garrincha, Nilton Santos, Fio Maravilha, foram alguns dos tantos ilustres que vestiram a camisa do "Trem". Íntimo de intelectuais e músicos, um dos amigos de Afonsinho era, e é, Paulinho da Viola, que por sua vez capitaneava o "Chulé Futebol Clube", que de chulé não tinha nada. Afinal, era dono de um elenco estrelado, do qual fazia parte - entre outros artistas - o músico Moraes Moreira. 


Por falar em Moraes Moreira, recentemente lendo o livro que conta a história de Dadi Carvalho, que também é amigo do Afonsinho, e baixista com lugar garantido na primeira divisão da nossa música, fiquei sabendo de um outro time nascido assim. Você pode até não lembrar de quem se trata, mas certamente já ouviu o baixo tocado por ele. O que só não seria possível se você até hoje nunca tivesse ouvido alguns dos maiores sucessos de Caetano Veloso, Gal Costa e Jorge Ben. 


Dadi, antes de tudo isso, fez parte do conjunto Novos Baianos. E como todo mundo sabe o pessoal por lá adorava uma bola. As peladas para eles eram tão essenciais quanto fazer um som. Tanto é que um dos discos do grupo se chama "Novos Baianos FC". Pois bem, Dadi conta em sua auto-biografia que ser titular no time dos Novos Baianos não era fácil. Diante disso só teve uma saída: fundar seu próprio time, magnificamente chamado de "Passa a bola meu bem". No Passa, formaram nomes como Evandro Mesquita, o eterno líder da Blitz. E no relato, Dadi, que é botafoguense apaixonado, aproveitou pra falar do dia em que ele viveu a maior glória como torcedor do time da estrela solitária. É que certa vez o Botafogo fez um jogo contra os Novos Baianos. E o que aconteceu? Dadi, preterido pelos amigos, acabou sendo chamado pra entrar no outro time. E a partir daquele dia, legitimamente, passou a encher a boca e dizer que um dia jogou no Botafogo. Quem dirá o contrário? O futebol tem dessas coisas.