quinta-feira, 21 de maio de 2015

O paraíso é dos secadores


Pobre daquele que não dá o braço a torcer. O grande barato do futebol é secar o próximo. Triste dos que desfrutam do jogo de bola e não percebem que o horizonte de quem seca é infinitamente mais amplo do que o de quem simplesmente torce. Ouço aqui as palavras de um companheiro de redação, corintiano, falando pra quem quisesse ouvir do prazer que desfrutou em uma recente noite de quarta-feira na hora do jogo do São Paulo. Jogo que antecedeu a derrocada corintiana na mesma noite.

Pois bem. Dizia ele que tendo a irmã são-paulina como visita fez questão de abrir uma cerveja com toda a cerimônia que o momento exige. Aí foi só ajeitar o sorriso no rosto, se acomodar no sofá ao lado dela e se entregar à tiração de sarro. Os olhos brilhando denotavam a imensidão do prazer. Do que veio depois não falou. Nem precisava. O depois foi só o carcere inevitável de torcer. Castigo que veio a cavalo, paraguaio, para lhe fazer sentir até o limite do insuportável como poderia se tornar amarga uma cerveja, outrora acompanhante perfeita da zoação. Talvez  tudo não tenha passado de um equilíbrio universal. Algo na linha... aqui se seca, aqui se paga. 

E por falar em pagar, a conta da nossa falta de capacidade administrativa para organizar os grandes eventos esportivos que nossas ilustres autoridades decidiram abraçar continua caindo no colo do povão. A última foi de doer. Responsável por reformar seis estações de trem para a Olimpíada que bate à porta o governo do Rio usou a seguinte tática: fez um acordo com a concessionária de trens urbanos passando para ela o custo das reformas. Algo em torno de duzentos e cinquenta milhões de reais. Em troca, aceitou reduzir o número de composições que estava acordado para o ano de 2020. Serão trinta a menos do que estava previsto. 

Não tardou e especialistas foram convocados. Pintaram na área cheio de argumentos. O principal deles garantindo que, como algumas composições serão trocadas, uma frota nova permitirá melhorias que irão reduzir o intervalo entre os trens. Custo muito a acreditar que qualquer melhoria possa ser mais eficaz do que trinta novas composições. Mas não sou parâmetro. Não sou especialista. Sou apenas um desconfiado. Desconfiado, mas quase convencido de que o São Paulo não se reinventará enquanto permanecer administrativamente desafinado. E como bom desconfiado ando achando a missão do Corinthians neste momento ainda mais desafiadora. Ter de se reinventar com o caixa, pelo que andam dizendo, pra lá de emagrecido. Seja como for, com eles bem sucedidos, ou não, o paraíso continuará sendo dos secadores. 

quinta-feira, 14 de maio de 2015

O Brasileirão é o tal. Ou não é?

 
O torcedor brasileiro sonha com a Libertadores. Trata a Copa Sul Americana como o genérico dela. Se diverte como dá com os estaduais. Tem certo respeito pela Copa do Brasil. E, quase sempre, desfruta a conquista de uma Recopa como a possibilidade de um sarro dos bons em cima dos adversários. Mas o Brasileirão é outra história. E se digo isso não é como quem emite uma opinião. Digo por me render a uma constatação. Afinal, qualquer torcedor atento já deve ter percebido que é o Brasileirão, mais do que qualquer outro torneio, o grande motor das conversas de bola por esse Brasil afora. E quem sou eu para esclarecer as minúcias que fazem dele dono de tamanho apelo. 

Dizer que estão ali espalhados por sua tabela os times mais importantes do futebol nacional, salvo um ou outro que não conseguiram se sustentar na elite, seria simplista. O Brasileirão, acertadamente ou não, irá com a gente até o final do ano. Criará raízes nesse nosso acelerado cotidiano. E, extenso, nos ofertará um enredo diferente dos outros campeonatos em que os times vão sendo eliminados, vão ficando pelo caminho. E lá no fim, na profundidade de uma trigésima oitava rodada, quando o novo campeão estiver revelado, haverá em nós também uma sensação acentuada de algo que se encerra. Os calendários todos estarão por um triz e serão esquecidos, vencidos que foram pelo tempo. Talvez nesta camuflada cumplicidade resida parte do sucesso dele. 

Haverá entre nós, no entanto, aqueles que estarão de olho em tudo, sempre. Capazes de nos dar detalhes do que se passa nos campos aqui do novo mundo e nos de lá do velho continente. Mas não falo deles. É em outro tipo que vocês hão de notar a diferença e, quem sabe, antes do fim concordar com minhas palavras. O Brasileirão, vejam bem, fará até os distraídos, os poucos interessados, emitirem alguma opinião, uma versão sobre um lance, um gol perdido. E se por acaso algum time grande voltar a se debater na zona de rebaixamento, iniciar uma conversa falando do calvário dele será tão fácil quanto provocar um papo usando como ponto de partida a previsão do tempo. Previsões, muitas vezes, falíveis como nossos instintivos palpites de placar. Este Brasileirão, que acaba de começar, com seu tamanho e seus dramas inevitavelmente terá um quê de novela. Desfilarão por seus gramados heróis e vilões. Goleadores improváveis e efêmeros. Mas já não sei se hoje o torcedor lhe corteja ou se, simplesmente, se rende a ele. 

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Retrato de um santista




No domingo não fez questão de acordar cedo. Como bom santista fez questão de ir à praia. E de lá voltou com o corpo salgado do mar. Quando a mulher avisou que o almoço estava pronto perguntou também se ele ainda iria tomar banho. De primeira respondeu que não. Faria questão de manter o sal na pele que era um tipo de mandinga pra ajudar o Peixe. Comeu massa. Ignorou solenemente os amigos palmeirenses que no decorrer da semana insistiam naquela conversa normalmente desfiada por quem se acha com mais motivo pra sorrir do que os outros. 

Não, ele não era um fanático, longe disso. Mas o que estava em jogo ali era um tipo raro de decisão. Sentimento que nos últimos dias os jornais tinham insistido em noticiar. Desde os idos de mil novecentos e bolinha não se via o Santos e o Palmeiras num momento desse. Mas o que lhe fazia ficar circunspecto não era o fato do time adversário ser sabidamente aquele que mais tinha sido capaz de encarar o melhor Santos de todos os tempos. Isso nem tinha sido no tempo dele. Também não se importava com as estatísticas que revelavam um Palmeiras bem sucedido no gramado da Vila. Não!. É que mais uma vez aquela aura mística tinha se revelado e o time praiano - mesmo sustentado por jogadores rodados - estava novamente com seu jeito moleque. E só um santista é capaz de entender perfeitamente que esse jeito moleque tão falado tem menos a ver com a idade e mais com o espírito. 

Não chamou os amigos. Não se importou quando a casa se revelou vazia. Assistiu a tudo solitariamente. E não cometam o erro de achá-lo triste. Não mesmo. É que jogo importante é melhor assim. Mil vezes assim do que cercado de gente falando pelos cotovelos. Solitariamente se rendeu à importância de Robinho. Praguejou quando viu o Santos perder espaço no início do segundo tempo. Não suportava a ideia de perder pro Valdívia. Pouco depois, quando mudou de canal e acabou traído pela algazarra que chegava da vizinhança adiantando o que a imagem da TV dele ainda não tinha revelado, relevou, conformado em perceber naquilo uma comunhão tardia e também uma maneira de sofrer um pouco menos. E ao ver o chute de Lucas Lima colocar o Santos num lugar em que o Palmeiras já não poderia alcançá-lo, acertou a respiração com prazer, curtiu o triunfo. Sentiu uma ponta de orgulho do jeito malandro como o time foi dirigido. Foi tomar banho, tirar, enfim, o sal do corpo. Não foi pra Praça da Independência comemorar, mas estava lá.