quarta-feira, 29 de abril de 2015

Na mesa do bar



Era uma vez uma conversa sobre futebol em uma mesa de bar. Lá pelas tantas o sujeito da direita - que não chega a ser íntimo das coisas da bola mas é exímio conhecedor do que vai na cabeça dos homens - sentenciou que de nada adianta esse blá blá blá sobre o futebol porque quando o cabra cisma com uma coisa não há Galvão Bueno e nem Nelson Rodrigues que o faça mudar de ideia. Diante do ar interrogativo semeado no semblante dos presentes foi tentando se explicar. Disse que o homem dado a esse tipo de distração na hora em que vê a cena faz dela um juízo e, a partir dali, ninguém mais consegue convencê-lo do contrário. Se deu um silêncio. 

Diante de tamanha  reflexão não havia escapatória e todos decidiram dar mais um gole em seus líquidos. Provocador, o calvo de óculos redondos à esquerda foi logo colocando a pensata do amigo à prova. Como assim? Se tudo o que se faz e hoje em dia é justamente mudar de ideia? Pegou o copo com precisão de dar inveja em muito centroavante, mandou mais um pouco do Jack Daniels pra dentro, e prosseguiu dizendo que hoje a gente acha que viu uma coisa e no segundo seguinte o cara da TV dispara o bendito do replay e pronto! A cena do jogo fica mais é parecendo um detalhe do Lago dos Cisnes, aquele balé famoso. E aí, como saber se aquele esbarrão, aquela cutucada no ombro ou aquele toquezinho com o bico da chuteira tinham mesmo sido merecedores de todas as acusações? 

Eu, que não estava nem à direita e nem à esquerda, não queria ficar de fora. Mas fui pego um tanto desprevenido. Não esperava que um encontro rotineiro se revelasse tremendamente filosófico. O que me ocorreu, estou ciente, não era nenhuma Brastemp, mas era o que tinha no momento. Disse que não achava impossível que se mudasse de ideia a respeito de certas convicções mas que o que complicava o quadro pra maioria é era ter de lidar com a carga emocional ali embutida. O que faz cada um puxar a sardinha pro seu lado. 

E pra honrar o verniz catedrático do papo finalizei, olhando nos olhos do amigo à direita, assegurando que o problema dos homens não era exatamente não mudar de ideia e sim ver tudo apenas pelo vértice que lhes interessa. E disse assim mesmo, com jeito blasé, citando os homens como se eu não fosse um deles. E quanto mais a noite ficava profunda, mais a conversa ficava sem saída. Então, fui tocando de lado, evitando grandes lançamentos. E dei um jeito de resistir quando a curiosidade quase me fez pedir à roda uma opinião sobre o impedimento do Robinho, do Palmeiras, no jogo do último domingo contra o Santos. Mas desisti, preferi foi pedir a saideira. Concordando secretamente com o sujeito da direita. Quem já formou juízo não vai mudar de ideia.  

* Foto: cena do filme "Boleiros", de Ugo Giorgetti

quinta-feira, 23 de abril de 2015

A nossa diversão

Eu sei que sua cabeça teima em reviver as semifinais do final de semana. Que o embate entre São Paulo e Corinthians na noite de ontem mal saiu de cena. Enfim, sei que em matéria de bola você tem muito pra pensar. O futuro do seu time. Se for o caso, a final do Estadual que vem aí. Mas permita que eu lhe faça refletir um pouco sobre a relação que você mantém com o jogo de bola. Que o jogo já não é o mesmo de outros tempos não parece haver dúvida. Mas existem outras coisas que estão se transformando tanto quanto o nosso jeito de tratar a bola. Afinal, os estádios já não são tomados por bem mais de cem mil. O preço do ingresso explodiu. Os meninos já não voltam pra casa com os dedos estourados, sujos de barro, mais seduzidos que andam pelos dribles do videogame do que pelas emoções reais e intensas de um campinho qualquer. 

E se tem sido assim não há porque imaginar a cada rodada que ainda seja possível dar de cara - entre um lance e outro- com aquele futebol que carregamos no peito e na memória. Futebol cheio de improvisos. Sem chuteiras coloridas. Sem essas caneleiras que nos deixam com um quê de gladiadores. O futebol que cavou um lugar de respeito nesse nosso caldo cultural foi outro. Foi um futebol que tinha mais apelos. Que movimentava a massa. Um futebol no qual o torcedor precisava pouco mais do que a vontade pra estar em cena. Um futebol repleto de outros adereços. Hoje a história é outra. Hoje muitas vezes a primeira reação do torcedor na arquibancada não é entoar um canto, nem bater palmas, nem olhar ao redor. É fazer um selfie, provar pra todo mundo que está inserido na festa. Mais deslumbrado com a estética da Arena do que com o plástica do próprio time. 

Não que não haja diversão nessa nova fórmula. O Corinthians e Palmeiras do último domingo deu um bom caldo. É que perceber tais detalhes e levá-los em conta leva ao óbvio: alterados os ingredientes o sabor só pode ser outro. Imagino que na infância dos meninos de agora o bate bola já não seja tão soberano. Quase inevitável, como era em outros tempos. A educação sentimental futebolística da minha geração incitava a querer mais do que ver um time construir um placar. E essa ânsia se legitimava quando a gente sentia na própria pele o que era levar uma virada. Quando tomava uma bola no meio das pernas. Quando tinha de lidar com um adversário desleal. Eterna metáfora da vida. Ou quando descobríamos como, às vezes, inexplicavelmente um time meia boca dava liga. Por isso, hoje enquanto uns se divertem confinados no jogo eu me distraio sonhando em, de repente, reencontrar entre um lance e outro esse futebol das antigas que trago em mim.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Ô malandragem, dá um tempo.


Outro dia me peguei pensando como deve ser o malandro alemão, ou melhor, o malandro suiço. E me poupem, por favor, das piadas. Paraíso fiscal é paraíso fiscal. Tá tudo dentro da lei. Mas, como ia dizendo, fui tomado por esse surto de curiosidade ao acompanhar a postura de Emerson Sheik nos últimos jogos. Sou um sujeito dado a respeitar a malandragem, desde que à tal não falte, digamos, um mínimo de contorno ético. 

Durante muito tempo achei que era o caso do atacante corintiano. Será difícil esquecer o que Emerson fez na partida que levou o Corinthians ao sonhado título da Libertadores. Aos distraídos faço questão de lembrar que naquele jogo o atacante, cheio de manha, quase levou o argentino Caruzzo à loucura. Com direito a morder-lhe a mão com tamanha astúcia e dissimulação que o juiz nem chegou a desconfiar. 

Confesso que na época fiz parte dos que vibraram com o comportamento do atacante em campo. Em parte porque o argentino se mostrava, vejam, metido a malandro. E em parte também porque o ocorrido revelava um raro caso em que um brasileiro se mostrava mais versado do que um argentino na arte da catimba. Aquele triunfo em cima do Boca Juniors significou não só a consagração de Emerson, autor dos dois gols na histórica decisão, mas também de seu estilo esperto.

Mas como nem o mais notável dos malandros é capaz de cair nas graças de todo mundo, Emerson se viu preterido pelo Corinthians. Pouco tempo depois, a volta do técnico Tite ao clube significou a ressurreição do atacante. Vigoroso, destemido, Emerson continua seduzindo o bando de loucos. Mas, nesses dias que correm, já me deixa a sensação de que esse pegada aguerrida e cheia de disposição não anda tão leal quanto parecia outrora. E, vocês sabem, se tem uma coisa que malandro gosta é de jogar pra torcida. E eu, que não sou um deles, mas também não nasci ontem, sou capaz até de imaginá-lo, com ar boleiro, me fazendo a seguinte advertência: se eu não jogar pra torcida vou jogar pra quem, irmão? Pois é. 

E não pensem também que foi por ver a canela do volante Renato avariada outro dia, depois de uma entrada do atacante corintiano, que eu me sensibilizei. Nada disso. O que me parece é que o Emerson de agora, muitas vezes disputa a bola na força, tentando intimidar o adversário, que se crê tão cheio de moral a ponto de poder apitar o jogo. Pra resumir, deixa escapar o que o malandro têm de pior: achar que é mais esperto do que os outros. Bom jogador que é - e malandro também - deveria apostar um pouco na discrição. Não incorporar tanto esse personagem que seduz o imaginário do torcedor corintiano. De outro modo, a malandragem, tempero daquele momento que pode ser visto como seu apogeu, tem tudo pra se revelar também motivo de sua derrocada. Ser malandro é uma coisa, ser marrento é outra.  

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Aí o mar...




A imagem acima estava no caderno de Ciência da FOLHA, de ontem. A matéria era intitulada:
"O impacto da expansão humana". Uma imagem vale mesmo mais do que ...

Veja a galeria de fotos no link abaixo:








segunda-feira, 6 de abril de 2015

Pensando o futebol


O que é ilusão, e o que não é, quando se trata de futebol? Não, não quero lhe pegar de calças curtas, como dizem. Mas, é que assim como se faz com a vida, todo mundo tem seu jeito de encarar o jogo. Há os que só acreditam na força da grana. E há os que depositam sua crença em outras táticas, bem menos ortodoxas. Embora me sinta pra lá de afinado com os que se enquadram no segundo caso não condeno os do primeiro. Afinal, como teria dito o escritor Oscar Wilde, o dinheiro não compra felicidade mas traz uma sensação tão parecida que só mesmo um especialista pra dirimir a questão. 

E se faço disso meu tema é porque mesmo não triunfando, não vencendo, são esses adeptos de estratégias menos pragmáticas que emprestam algum colorido aos nossos horizontes. Vejam o caso de Paco Jimenez que tempos atrás ganhou notoriedade ao fazer do time dele, o modesto Rayo Vallecano, o único a ter mais posse de bola do que o Barcelona, acabando com uma hegemonia que durava mais de quatrocentos jogos. 

Visto como louco por muitos, o treinador do modesto time espanhol só não é tão maluco a ponto de dizer que não quer vencer. Mas deixa claro que, acima de tudo, quer que o time dele jogue bem e que faça coisas esteticamente bonitas. Diz querer sair do estádio com os torcedores em pé, aplaudindo o que foi feito em campo. Diante do que vivemos é praticamente impossível dar de cara com um pensamento desse tipo e não imaginar muitos dos nossos treinadores, com certo ar professoral, dizendo sem nenhuma paciência que o Rayo Vallecano não é a seleção brasileira, não é Flamengo, não é Corinthians. Como se alguém pensasse que é. 

E tão interessante quanto confrontar visões é ficar sabendo que mesmo com essa tática - que muitos podem considerar sem sentido - um treinador de quarenta e poucos anos foi capaz de levar o time de menor folha salarial da primeira divisão espanhola à melhor campanha da história, uma oitava colocação. Mas.... continuamos adulando os clubes de elencos caros. Calando quando ouvimos o papo sugerir que só por isso eles estão mais perto do triunfo. Fazendo cara de espanto quando naufragam em meio às suas cifras de dar inveja aos adversários. Olha, sei muito bem em que tipo de tática ponho fé. Deve ser por isso que me identifico tanto com uma frase da música Canção Noturna, do Skank. Aquela que diz: " Camarada, acredito em tanta coisa que não vale nada".