quinta-feira, 31 de julho de 2014

Futebol econômico


Neste momento por mais que as dívidas nos assombrem somos todos credores. E ainda que os cadernos de economia nos mostrem um panorama de contornos dantescos, com números provando que o endividamento das famílias brasileiras impedirá sustentar o consumo daqui pra frente, ainda assim é possível, pelo menos sob um aspecto, se sentir credor. Creiam. 

E o responsável por esse paraíso artificial só poderia mesmo ser o jogo de bola. Vejam. Há muito tempo depositamos nele nosso tempo e nossas emoções e ele tem nos dado em troca cada vez menos. O lucro que outrora parecia nos inundar a alma e nos deixar absolutamente satisfeitos com o investimento desapareceu. A impressão que alimento diante desse panorama econômico é que seguimos insistindo nesse tipo de ação por puro hábito. E o hábito, meus caros, como dizia um pensador de frases instigantes é " a nossa segunda educação".

No final de semana os jogadores do Botafogo fizeram questão de esclarecer a razão que os levou até o centro do gramado. Sim, disseram que só estavam lá por serem profissionais e por respeito à torcida, pois dinheiro que é bom não têm visto há meses. A tática que costuma acompanhar períodos como esse que atravessamos, especialmente quando se tem uma eleição à vista, é pra lá de manjada. Os craques em tirar proveito do caos existem desde sempre, são mais velhos do que o futebol. 

Por isso não me espanta nenhum pouco que, recebidos em Brasília pela presidente Dilma Roussef, os dirigentes que lá estiveram se esmeraram em mostrar a quantas andam as finanças do glorioso futebol nacional. Se fosse apenas isso, seria do jogo. Mas fizeram bem mais. Sugeriram que sem o tal refinanciamento das dívidas talvez não consigam chegar ao fim da atual temporada. Isso como se todos eles tivessem chegado outro dia ao futebol e nada tivessem a ver com essa terra arrasada que agora fazem questão de desvendar.

A bola está com o governo e caberá a ele ter pulso firme pra não permitir que venham a ganhar no grito. Não custa lembrar que nos últimos tempos a engrenagem do futebol foi azeitada, acaba de receber altos investimentos, ainda que por via indireta. E de uns anos para cá, graças a renegociação dos direitos de transmissão viram seu faturamento disparar. Mas longe de mim querer aborrece-los com temas desconfortáveis. Olha, há tempos ando querendo comentar a chegada do técnico argentino Ricardo Gareca ao Palmeiras. Quem sabe falo disso semana que vem. E sem falar de economia, claro, porque...vocês já viram como andam as coisas por lá? Se não viram não custa dar um espiadinha num caderno qualquer de economia.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Dunga, na linha de frente


Há na escolha, e não só na de Dunga, uma prova clara do estreito horizonte que os homens que comandam o futebol brasileiro são capazes de vislumbrar. Continuam todos fiéis ao mandamento de que o importante numa hora dessas é não naufragar e tocar o barco adiante até que os resultados os levem pra águas mais calmas.s. Lá nos idos de 94 tinha um companheiro de redação que dizia sentir calafrios só de pensar em ver o Dunga levantando a taça de campeão do mundo. E ele levantou.

Longe de mim me ancorar nas estatísticas. Mas dizer que Dunga, com toda sua falta de experiência e descrédito não foi bem no comando da seleção é uma mentira. Dunga foi bem sucedido. Obteve boas conquistas, mas que não conseguiram se transformar em marcas maiores do que as de seu   temperamento.Graças ao seu estilo Dunga alcançou uma outra façanha, a de tratar a imprensa de maneira mais igual. O que não quer dizer educada. 

Costumo brincar com os meus amigos fazendo com que eles lembrem como eram feitas as escolhas dos times nos seus tempos de moleque. Lembro que, geralmente, começavam com um par ou ímpar e quem estivesse jogando mal podia se preparar porque só seria escolhido no final. Pois está aí o mandamento que o futebol brasileiro mais ignorou nos últimos tempos por motivos óbvios. Quase sempre mercantilistas.

Viver uma boa fase em outros tempos era flertar com a seleção. Hoje em dia tudo mudou. Estamos cansados de ver jogadores em boa fase ignorados na hora das convocações. O próprio Dunga fechou os olhos para a fase vivida por Ganso em 2010. O que temos visto são jogadores passarem uma temporada inteira sem jogar nada e sem perder seu lugar na seleção. Não se trata de um aspecto que é só de Dunga. Ele, talvez, por seu temperamento, seja mais dado a laços de confiança. E por isso a crítica de que Dunga havia transformado a seleção numa espécie de igreja fez tanto sentido. 

Dunga pode fazer a seleção brasileira voltar a vencer. Mas o fato é que nesse momento da história a vitória só deixará satisfeitos os interesseiros e os distraídos.Todos os outros exigirão um futebol digno, transparente, renovado, bem comandado, bem sucedido e de estilo próprio. Portanto, se Dunga acha que foi escolhido só por seus méritos está redondamente enganado.Dunga foi escolhido, principalmente, por ter um estilo muito apropriado para fazer a linha de frente para todos os que estão, desde aquele sete a um, sendo alvejados por sinceros e oportunos pedidos de mudança.  

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Ultrapassados pela Copa

Caímos do trono, de certo caímos. Vitimados por dez gols impiedosos que nos foram desferidos em momento pra lá de solene, justo quando do alto da nossa cegueira ludopédica começávamos a achar que poderíamos voltar a ser campeões do mundo. Tombo bendito, obra de alemães e holandeses. Mas, pensemos pra frente como o momento exige. Alguém haveria de nos colocar no devido lugar, ainda que não falte por aí gente batendo no peito exigindo respeito e bradando aos quatro ventos que ainda somos os únicos a ostentar cinco estrelas. E daí, e daí? A quem interessa sentar nos louros de uma glória passada? 

Talvez a esse senhor já um tanto gasto que prometeu falar amanhã pela manhã. Bebi esses dois placares como quem sorve uma dose  amarga de realidade. Era uma vez o futebol arte, que seja. Os alemães nos deram aula do jogo, sem uma firula se quer, sem colocar uma cereja no bolo, por mais que aquela matada de bola no peito de Gotze - antes de decretar o fim do sonho que movia o futebol dos sempre valentes argentinos - tenha algo de sublime. 

O futebol arte pode ter morrido, tudo bem. Mas é com ele que eu continuarei sonhando, será ele que eu continuarei procurando toda vez que pousar meus olhos sobre um campo gramado de jogo. Mas isso só interessa a mim. Na condição de pátria de chuteiras  tratemos, então, de nos mostrar capazes de criar algum antídoto pra esse futebol científico que nos vitimou. Se tivermos a erudição de nos mostrar capazes de lutar com outras armas, como fizemos outrora, tanto melhor será. Pois antes de tudo terá sido o resgate do orgulho de triunfarmos de um jeito todo nosso. 

Mas se não der, tratemos de estudar as táticas, convocar os catedráticos. Tratemos de esmiuçar cada estudo que aponte um caminho. E não custa inocular no peito dessa nossa gente algo que acabe de vez com essa multidão de pais que enxergam teimosamente um craque em cada casa. Que levam os filhos pra jogar bola como quem leva um galo pra rinha. Vendo os alemães e os índios, e seus banhos de mar no mar da Bahia me bateu uma sensação tão nítida de que o que nos falta mesmo é uma consciência coletiva. Uma exaltação do coletivo. Daquilo que se conquista junto. Não essa coisa meio cada um por si que desde sempre pareceu tentar nossas almas. O futebol ? O futebol é e será o que sempre foi. Algo que nos aglutina. Mas que antes, em nós, conseguia cumprir à risca essa sua missão.


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos     

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Refaçam suas apostas


Uma cena representativa causada por nossa maior derrota na história das Copas vislumbrei na roda que se formou em volta da secretaria de redação e que num primeiro momento custei a entender. Mas o que se passava era óbvio. Estavam todos pegando o dinheiro de volta porque, afinal, ninguém tinha chegado nem perto de acertar o bolão do jogo entre Brasil e Alemanha.  Amuados, nem levaram em conta  um apelo vindo lá de trás sugerindo que a grana não deveria ser retirada, deveria ficar acumulada para um próximo bolão, que não parecia mesmo fazer o menor sentido.

Vi, nas apostas, e não só ali naquelas derradeiras, a grande crença do brasileiro na sua seleção. Pelo que pude perceber no decorrer das últimas semanas as apostas eram sempre feitas de maneira esmagadora no Brasil. Um sujeito no Paraná, que acreditou no sonho de uma amiga e acertou o placar, virou até notícia. No mais, não houve vitória com pênalti discutível, nem empate sem gols que fizesse isso mudar. Os bolões que cruzei por aí foram, antes de tudo, uma grande prova de fé. Um verdadeiro GPS capaz de revelar com quem estava o coração da maioria. E vale lembrar que na ínfima parte representada pelos que preferiram apostar nos adversários se escondiam ainda apostadores frios, sonhando em vencer sem ter de dividir o prêmio com ninguém.

A fezinha no bolão - que em matéria de popularidade só deve ter perdido para o tradicional álbum de figurinhas - sempre foi um pouco uma aposta no que se que ver. Portanto, era nelas que o técnico da seleção brasileira deveria se basear pra saber com que fervor o povo estava torcendo. E acho que depois disso ele se sentiria muito amparado. Pelo que percebi, a crônica esportiva sempre tão maldita, acusada de jogar contra, pode ajudar sim a  formar opinião, que a respeito de escalação e jogadores soou quase unanime, mas influenciar os palpites dos bolões, jamais.

O bolão, como disse , é diferente, não é quina , não é Mega Sena, nem loteria. O bolão é mais passional, o bolão é coração. O bolão faz pouco caso de teorias, desse papo boleiro-psíquico que tomou conta das nossas cabeças e que, como dizem por aí, nem Freud explica. Os bolões que bisbilhotei, todos eles, tinham uma alma desafiadora, que ousava rir do futebol organizado dos alemães. Tinham todos uma aura que desdenhava do momento mais maduro, e propício para grandes triunfos, vivido pelos adversários. 

Os palpites expressos nos bolões estavam cheios de fé e de esperança. Neles é que se escondeu a mais perfeita escala para medir o que significou esse monumental sete a um para a Alemanha, que carregaremos como um fardo daqui em diante, e que mesmo espelhando tanta falta de competência não sei se conseguirá mudar nosso futebol. Mas que essa vexatória derrota tem tudo pra fazer o brasileiro repensar a fé que insistentemente depositou na seleção até o fim da tarde da última terça, ah isso tem!. E a ausência de fé também pode, verdadeiramente, mudar o jogo.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Quem merece ser ídolo?


Foi o papel desempenhado pelo craque português Cristiano Ronaldo que despertou em mim a vontade de falar sobre a inocência que costuma se embrenhar na imagem que fazemos dos grandes artistas. Que teçam seu coro de descontentes aqueles que ainda enxergam alguma divisão entre os que se apresentam nos palcos e os que se apresentam nos gramados. 

Parece existir desde sempre em nós uma dificuldade em aceitar o fato de que alguém tão talentoso pra alguma coisa possa se revelar totalmente desinteressante, cheio de defeitos. Nos últimos dias a figura de Cristiano Ronaldo foi pra mim a personificação desse dilema. Reconheço a genialidade do gajo com a bola nos pés, a fase realmente estupenda que vinha atravessando, talvez a melhor de toda sua carreira.

 Mas bastava ouvi-lo em alguma coletiva para que essa sensação me tomasse. Via aquele seu olhar que pouco diz, as palavras encontradas com certa dificuldade, banais. Da vaidade nem falo, mas a tomo por gancho para dizer que foi na contramão disso tudo que encontrei alguém cujo estilo merece ser observado mais de perto. Falo do lateral Ekotto, que nasceu na França mas defende Camarões, e que roubou a cena num jogo da seleção dele ao ameaçar um companheiro do próprio time. 

Ekotto, não é santo, tem no currículo uma agressão a um torcedor, mas não esconde de ninguém que joga futebol por dinheiro. Afirma com todas as letras que não suporta ver jogadores beijando escudos de times que seis meses depois abandonam sem o menor pudor. Ekotto é embaixador da ONU contra a pobreza na África, anda por Londres de ônibus usando o que seria o equivalente ao nosso bilhete único. Toca, na Inglaterra, um time Sub-12 pra crianças carentes. E não esconde de ninguém que não tem nem o telefone dos seus companheiros de clube. 

É óbvio, não espero que um jogador de futebol se expresse como um literato, não é isso. Mas, vejam, a capacidade de se expressar não está só na fala, no toque de bola, está em tudo. Nas ideias que a gente defende, nas teorias que se abraça, no jeito de encarar a vida. O que pode ajudar a explicar o sucesso e a representatividade de figuras como Maradona, Sócrates. Ao colocar tudo isso na balança é que se descobre ao que se chega, a quem se chega. Cristiano Ronaldo, por exemplo, pra mim, é um jogador de futebol raro. E nada mais.