sexta-feira, 23 de maio de 2014

Nosso descaminho


O sintoma mais forte foi ouvir a Presidente da República dizer, ao falar sobre a Copa, que os aeroportos e os estádios estavam encaminhados. Vejam, encaminhados. Isso em um país em que a praxe manda inaugurar antes mesmo de finalizar, sem maiores problemas. Uma prova de que mesmo com o Mundial batendo à porta a chefe do executivo não se sente à vontade pra dizer que está tudo pronto. Pudera, depois de sete anos na condição de sede não há nada que justifique tudo não estar devidamente preparado. Mas não é só aí que enxergo nosso descaminho. 

Ele está também nos protestos, que no início sugeriam a possibilidade de um despertar, mas pelo visto descambaram para a baderna e agora padecem de um oportunismo barato. E nesse caldo não incluo, claro, a reivindicação de categorias que se sintam prejudicadas já que em todo o planeta não há nação que não tenha precisado lidar com greves deflagradas em  momentos como o que vivemos agora. Nosso descaminho, que o dicionário define como um sair do caminho correto, é flagrante.

 Pode ser conferido em um evento teste, que inventamos de fazer de um outro jeito, com público reduzido etc e tal. A própria votação da legalidade de Lei Geral da Copa no Supremo Tribunal Federal me deu essa impressão. Não consigo discordar do presidente Joaquim Barbosa, que sugeriu a um colega que não é porque o país assinou alguma coisa que temos de aceitá-la, pois " não se trata de não gostar ou gostar do país. Trata-se de gostar muito e saber onde está o interesse nacional". Mas ele foi o único, todos os outros por seus votos, pelo visto pensam diferente dele, eu não. 

Devo dizer ainda que me senti de alma lavada ao ouvir  Joaquim Barbosa, na mesma seção, dizer que estavam todos ali  "com uma visão muito romântica, e que o que estava em jogo era Big business" ,  quando o que deveria ser analisado era " a capacidade contributiva de toda essa organização (FIFA) e seus satélites que vão ganhar bilhões de reais", enquanto " nós, brasileiros, vamos ficar com a conta". Não quero crer que o presidente do Supremo estava , como dizem, jogando pra torcida. 

Estava, a meu ver, apontando um caminho. Ou alguém imagina que se o Supremo tivesse votado contra essa Lei Geral, a essa altura, a FIFA decidiria não realizar o evento, ou tirá-lo daqui?. Teria sido, sim, um exemplar exercício de cidadania. A Copa irá nos divertir não há dúvida, mas de que trouxe consigo esse amargo de nos obrigar a ver pelas entranhas o país que temos construído também  não há. 

sexta-feira, 16 de maio de 2014

O estilo Ganso


Nos últimos tempos ele tem sido muito falado por tudo o que anda falando de si mesmo, não exatamente pelo futebol que anda mostrando em campo. Tem carregado no tom e não tem deixado de sugerir elogios ao descrever sua própria pessoa. Situação que me fez notar duas coisas interessantes. Uma é como a gente que trabalha no meio esportivo tem dificuldade de aceitar quando um jogador deixa de ser humilde. A outra é como Paulo Henrique Ganso se tornou um jogador intrigante. 

Não é difícil encontrar por aí alguém que tempos atrás apostaria mais nele do que em Neymar. Mas hoje em dia o que todo mundo  se pergunta é o que aconteceu com o Ganso. Afinal, a modernidade pode ter nos condenado a todo tipo de miopia ludopédica mas não nos roubou essa paixão pelo jogador capaz de pensar o jogo e de o fazer com rara beleza. Que seu futebol não anda parecido com o de antigamente não resta dúvidas. Mas o estilo continua sendo de uma elegância impar. E é justamente aqui que penso estar um detalhe fundamental para entender tudo o que se passa.

Visto por essa ótica Ganso pode até estar coberto de razão quando diz não enxergar ninguém acima da média como ele. O que o meia são paulino precisa levar em conta, e parece estar esquecendo, é que o futebol atual não perdoa a ausência de competitividade. Basta acompanhá-lo durante uma partida para perceber que ele não tem marcado como fazia em seus melhores momentos com a camisa do Santos. No clássico contra o Corinthians no último domingo correu bem, mas na maior parte das vezes desistiu do adversário antes de ter alcançado a possibilidade de dar o combate. Algo que fazia com maestria nas temporadas anteriores, ajudado até por seu ótimo tempo de bola. Há quem prefira reduzir tudo à questão física. Não é o meu caso. 

Tenho a sensação de que Paulo Henrique Ganso tem apostado numa receita que mescla uma postura firme com uma boa dose de plástica na hora de se exibir em campo, ciente que está de que poucos tem o segundo ingrediente para usar em abundância como ele. Para colocar em prática sua estratégia chegou até a contestar a tática de Muricy Ramalho. O passe dele para Luis Fabiano marcar o gol de empate contra o Corinthians no último domingo foi de movimentos complexos e deixou à mostra sua visão diferenciada do jogo. No entanto, acho que Ganso tem algo a aprender com a conclusão cheia de vigor e disposição de seu companheiro de ataque. Em matéria de esporte de alto nível a ausência de estilo é quase um pecado, mas só estilo também não basta.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Aos olhos da história


Sempre gostei muito de história e por isso não são poucas as horas que passo imaginando o papel que o tempo reservará a certos acontecimentos e épocas. Vira e mexe deixo rastros desse meu comportamento por aqui. Essa pasmaceira que vive o nosso futebol, por exemplo. Será que um dia veremos nos livros de história os idos da década de 2010 traduzidos como um momento em que o futebol brasileiro amargou uma grave crise técnica? Ou tudo isso não passa de falta de foco de cronistas pouco sensíveis ao que realmente constrói a história? Vou chocando dúvidas.

Mas aí vejo o Juca Kfouri dizer que a partida entre Chapecoense e Corinthians foi uma ofensa ao futebol, o Antero Greco escrever que as diretorias de Santos e Grêmio deveriam  devolver o valor do ingresso para os valentes que foram á Vila Belmiro e começo a achar que não é rabugice minha. As evidências existem. Ter um único time brasileiro nas quartas de final da Libertadores. Um líder de Brasileiro cujos jogos foram nítidamente pífios. E pensar que no próximo final de semana teremos um clássico entre São Paulo e Corinthians sem Alexandre Pato e Jadson, que por força de cláusulas contratuais não poderão enfrentar seus ex-times.

Ora, acabamos de ver a UEFA impedir que algo assim acontecesse no maior torneio de clubes da Europa, ao vetar a cláusula que impedia o goleiro belga Thibaut Courtouis de enfrentar o Chelsea, que o emprestou ao Atlético de Madrid. E o argumento foi simples: manter a integridade da competição. Gesto corajoso que nossa CBF deveria copiar. Agora, aqui quando se fala nisso chovem justificativas. No futebol em si ninguém pensa. Mas, voltando ao contexto histórico, arrisco dizer que no futuro iremos lembrar que foi um pouco antes dessa Copa do Mundo no Brasil que a bancada da bola nos condenou a mais um de seus dribles descarados e aprovou não só o refinanciamento das dívidas bilionárias dos clubes como, ainda por cima, colocou no pacote a liberação das apostas on-line. Tudo em nome do nosso esporte. 

Assim deixaremos de ver cifras astronômicas a caminho do exterior dirão os entusiastas da ideia. E com a grana preta que irá entrar criaremos um fundo de iniciação esportiva escolar, justificarão outros. Ou seja, as histórias maravilhosas de sempre, que serão levadas adiante exatamente pelos personagens  manjados que estão em cena há tempos e que nos condenam,  não é de hoje, a num futuro próximo constatar que o esporte brasileiro continua sofrendo de velhas chagas

quinta-feira, 1 de maio de 2014

À espera de evolução

 

Vamos lá, sem meias palavras. A atitude do lateral Daniel Alves de comer a banana que lhe foi atirada no gramado na partida entre Barcelona e Villarreal foi simplesmente sensacional, espirituosa. Foi dessas atitudes que desconcertam. Pouco depois veio a declaração do pai do jogador dizendo que era preciso tomar cuidado pois ela poderia estar envenenada. Não cheguei a pensar exatamente nisso mas estou convencido de que a partir de agora ninguém deve repetir o ato. Quem nos garante que, depois do que se viu, esses infelizes capazes de fazer esse tipo de coisa não terão uma ideia perversa dessa?

O ocorrido me fez lembrar de uma cena que presenciei uns dez ou doze anos atrás quando fui à Espanha fazer uma série de matérias com jogadores brasileiros. Na época o lateral Roberto Carlos ocupava um lugar de destaque no time do Real Madrid. E não era um Real Madrid qualquer. Era um time merengue na versão que incluía nomes como Zidane e Raúl.

Recordo que para exemplificar a importância do brasileiro um dos diretores de marketing do time foi até sua mesa, sacou um carnê de ingressos e nos mostrou com entusiasmo quem é que estava estampado na capa. Roberto Carlos, claro. Segundo o diretor a identificação do torcedor do time madridista com Roberto Carlos era enorme. Sua simpatia tinha virado uma arma do clube para conquistar novos associados. Dava também como  prova dessa simpatia o fato do sorriso do lateral brasileiro ter recentemente vencido um concurso realizado por uma associação de dentistas. 

A entrevista foi gravada na Cidade Desportiva que era o nome do centro onde o time treinava. Ao terminar nos dirigimos para a parte de trás do lugar, onde ficava o estacionamento e, lógico,onde os torcedores se amontoavam em meio a Porsches, Mercedes e Maseratis em busca de uma foto ou um autógrafo. Roberto Carlos, como boa parte das estrelas ali cumpriu o ritual. Parou o carro, tirou fotos, trocou sorrisos, conversou.

A única diferença entre ele e Zidane, Figo, Hierro, é que ao sair, para estes ninguém gritou a frase que um certo torcedor gritou quando o carro de Roberto Carlos já ia longe: "Roberto Carlos que macaco éres, hein?". Um jornalista espanhol que estava ao meu lado pareceu constrangido e me olhou com cara de quem diz... as coisas aqui nesse sentido não são fáceis. Mas, quero crer, um dia ainda iremos evoluir.