quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Essa é boa



Poderia ser piada, mas não é. Dona FIFA a mais poderosa dama do futebol mundial está preocupada com o crescimento do viés teatral em seu bilionário negócio. E para que o citado avanço não descaracterize o espetáculo - o que poderia redundar em prejuízo - decidiu treinar seus árbitros selecionados para a Copa do Mundo para realizar com precisão algo que desde sempre fez parte das obrigações dos mesmos: indentificar simulações.

Gostaria muito de saber como e quais serão as aulas que levarão os homens do apito a esse desejado aperfeiçoamento. E mesmo sem a intenção de desanimar esses bem intencionados cartolas me sinto na obrigação de lembrá-los de que a atual epidemia do cai-cai é apenas a face mais óbvia desse problema. Também me sinto na obrigação de citar aqui que muito me intriga o fato de tal epidemia ter como vítimas potenciais alguns dos nossos melhores jogadores e como principal infectado, justamente, o rapaz que melhor sabe tratar a bola neste país.

Espero, por razão de justiça, que não façam do Brasil um exemplo, pois achar que esse lado ilusório do futiba só existe por aqui pode nos deixar em maus lençóis, o que além de injusto, por certo se transformará em trunfo nas mãos (ou melhor, pernas) dos gringos.

Essas cenas grotescas, mal interpretadas, que temos visto por aí nada mais são do que frutos da deselegância de gente repleta de má intenção e que não tem talento nem pra simular. O lado teatral do futebol exige astúcia, refinamento, é algo tão sútil quanto bater uma carteira.

Eficaz seria dar a esses senhores que abraçaram o ingrato ofício um pouco de malandragem e critérios, muitos critérios. Também não seria demais pedir que no futuro seja inventado um detector de bajuladores e de homens dispostos a fazer média com os poderosos, invento que faria o futebol melhorar muito. Sou capaz de acreditar até nisso, mas crer que alguém poderá se aproximar da perfeição a ponto de saber com enorme precisão o que é instinto e o que é intenção nos movimentos de um jogador, isso eu acho difícil.

Na Espanha, não sei se vocês viram, um grupo de teatro resolveu tirar proveito dessa onda e usou duas imagens para fazer uma propaganda. Nelas, os jogadores Busquets, do Barcelona , e Pepe, do Real Madrid, estão no chão com ares de dor, simulando contusões. Abaixo se lê o seguinte texto:

"Você gosta de atuar? Aulas de teatro para todos os níveis". Essa é boa.



quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Treino é treino, jogo é jogo?


De tão surreal o momento atual da nossa seleção conseguiu destruir a lógica de uma das frases mais emblemáticas do nosso futebol. Falo de uma frase pra lá de famosa cunhada por mestre Didi, o inventor da folha-seca, e integrante do time que nos deu o primeiro título mundial em 1958. Pelo que li teria sido ao dar uma entrevista para a revista Manchete Esportiva em maio daquele ano, que Didi, acusado de não estar fazendo tudo o que podia durante os preparativos para a Copa da Suécia, em tom de desabafo, decretou: "treino é treino, jogo é jogo".

Sempre gostei de frases. Considero uma arte nobre condensar sabedoria. Ou vocês não concordam que quando alguém diz, como Millôr dizia, que " quem mata o tempo não é assassino mas sim um suicida", não estava sendo sábio?

O interessante é que a autoria da frase dita por Didi muitas vezes me driblou. Não foram poucas as vezes que a considerei obra de Neném Prancha, o lendário olheiro, massagista e treinador brasileiro que por sua capacidade ímpar de, digamos, sintetizar ensinamentos acabaria batizado por Armando Nogueira como o Filósofo do Futebol. Neném, dizem, tinha até uma frase sobre Didi. Ele teria dito certa vez o seguinte: "O Didi joga bola como quem chupa laranja, com muito carinho".

Creio que a razão dessa confusão foi o fato de saber que Neném, sem alcançar sucesso entre profissionais, acabou se envolvendo com o futebol de praia. E em que lugar mais do que na praia uma frase dessas faria sentido? Lembro bem da minha época de moleque quando os jogos nas areias pareciam muitas vezes um sem fim de treinos para um jogo importante que estaria por vir, e que muitas vezes demorava pra acontecer. É, só que quando chegava nos fazia viver outras emoções, outra realidade.

Mas voltemos ao ponto central de toda essa reflexão. Ao assistir o jogo entre Brasil e China já tinha ficado com essa impressão. Aí veio o contra o Iraque e me convenceu de vez. Aquilo não era um jogo, era um treino. Só podia ser. Como classificar o que se viu? Contra o Japão, tudo bem, a coisa pode ter mudado de figura. Os japoneses podiam não estar em dia dos mais inspirados. Mas a partir de agora não ousarei mais usar a famosa frase de Didi. Estou convencido de que um jogo pode, sim, ser um treino. Pode até ser menos do que isso. E não há rancor na observação.

Reconheço a evolução no time brasileiro, modesta, mas reconheço. Como não temos eliminatórias e as principais seleções não podem nos enfrentar por várias questões, padecemos nesse mar de treinos, com todo mundo tentando nos convencer de que são jogos. Enquanto isso as agendas das outras seleções continuam tendo adversários mais expressivos do que os nossos. Por que será? Neném Prancha, que muita gente chegou a achar que era um personagem inventado, teria dito também que "jogador bom é que nem sorveteria: tem várias qualidades". Ora, adversários também

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Sobre a nossa condição de torcedor



Um país como o nosso que diz ter deixado para trás anos de chumbo deveria se sentir um tanto traído quando um árbitro de futebol se sente com autoridade suficiente para mandar retirar uma faixa das arquibancadas. Sabemos que quanto menor a autoridade mais problemático costuma ser lidar com ela.

Acredito que o caso da torcedora do Náutico que teve a sua faixa censurada no jogo contra o Atlético Goianiense deveria ser levado às últimas consequências. Precisamos saber a exata dimensão do quanto somos livres nas arquibancadas. Ao menos, se ficasse decidido que o torcedor só tem o direito de fazer por lá o papel de animador de auditório, estendendo sobre a cabeça cartazes de conteúdo idiota, os descontentes poderiam se mobilizar para tentar acabar com essa mordaça.

Pois se irão mexer no Estatuto do Torcedor para liberar bebidas alcoólicas e atender aos interesses da FIFA, seria possível nos garantir por lá esse direito. A arquibancada, afinal, pode ser a nossa maior e mais retumbante tribuna. O Speakers' Corner tupiniquim, onde reivindicaríamos o que bem quiséssemos.

Depois do episódio no Recife ouvi de tudo, e de gente muito esclarecida. Ouvi, por exemplo, que havia coisa mais importante a ser dita do que " não irão nos derrubar no apito". Mas e se o assunto fosse mais sério poderia? E se eu fosse ao estádio com uma faixa dizendo "Os políticos do meu país me dão nojo"? Passaria?

Também ouvi gente dizendo que liberar qualquer faixa transformaria as arquibancadas num circo. Não creio. O bom senso acabaria fazendo uma seleção natural. Uma faixa imbecil seria vaiada. Só o pertinente teria força para ocupar esse espaço, ou o cômico, mas haveria uma seleção. Outra versão para diminuir a importância da faixa foi a de que elas não são necessárias, pois o torcedor tem a voz e pode muito bem dizer aquilo que pensa.

Ora, pobre dos que não perceberam no episódio o poder da palavra escrita. Deveríamos lutar pelo direito à livre manifestação nas arquibancadas. No último final de semana os torcedores da Catalunha, no clássico entre Real Madrid e Barcelona, usaram o nobre espaço para defender a polêmica causa separatista e mostraram muito bem o poder do que é estampado ali, mostraram que estão cientes dessa possibilidade. Mas as oportunidades passam, e rápido.



quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Carta ao deus do futebol II


Tu bem sabes que não sou de pedir. Na maior parte das vezes contento-me em dividir contigo, em silêncio, minhas aflições ludopédicas. Aflições que, reconheço, são muitas. Mas és a mais venerável das testemunhas que em todos esses anos por aqui uma única vez ousei transformar estas linhas numa espécie de súplica. E já não estou certo de ter tomado a atitude correta uma vez que urgente mesmo me parece que é essa causa que te trago agora.

Entendo que à luz dos dias passados aquele meu outro pedido se revela até carente de sentido. Prometo passar longo tempo sem voltar a lhe pedir prioridade, só não digo que será pra sempre porque nunca se sabe o tamanho da pendenga que o amanhã pode trazer no ventre. Leve em conta o fato de que o que venho lhe pedir nada tem de egoísta. Uma vez atendido, estou convicto, muitos ficarão felizes.

E não precisa ficar aí se ajeitando na cadeira ao ler essa breve carta porque sou um sujeito que não costuma confundir as coisas. Não vou te amolar com questões que envolvem o homem, como aquela selvageria de intimidar uma garotinha e seu pai só porque ela decidiu pedir a camisa do jogador do time adversário, muito menos teria a petulância de te pedir que amansasse os homens que obrigaram um certo escocês desavisado no Pacaembu a tirar da frente deles sua camisa verde e branca, de um time de uma terra distante vale lembrar, só porque ela trazia as cores do maior rival do que time se apresentava ali. Essa questão dos homens devem ser endereçadas a outro Deus, e não a ti. Afinal - estou ciente - esta é uma carta para o deus do futebol.

O que lhe rogo, no entanto, não deixa de ser uma tarefa também hercúlea. E antes, que desista de ler isso aqui, por descobrir entre estas linhas alguém tão hesitante em pedir...lá vai! (E espero que ainda estejas sentado). Aí meu deus ! Bom, eu, em nome de muitos, imploro: nos dê, por clemência, um rodada que seja, sem que os juízes cometam erros. Um rodada, uma só, com os juizes fazendo apenas o seu papel. Uma rodada sem que eles sejam mais analisados do que os jogos.

Claro, não sou louco de te pedir que eles não errem, posto que errar é dos homens. Mas uma rodada em que eles com seus apitos não desviem as pelejas de suas trajetórias, criando vitórias e derrotas claramente injustas. E se o problema formos nós, que nos cure dessa mania ranzinza de ficar procurando pelo em ovo. Mas não é o que me parece. Veja os teipes. O senhor há de concordar, descambamos para o desatino. Estou certo que do alto de vossa sabedoria jamais dirás que a regra é clara. Como disse um amigo outro dia, juiz também precisa ser analista. E, me perdoe a falta de modéstia de vir à ti, descaradamente, pedir um milagre.