quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Meu Brasil, brasileiro


Não sei se é do conhecimento de todos mas dias atrás o tal de Jérôme Valcke por pouco não voltou a causar certo desconforto entre nós. Jérôme, pra quem não lembra, é aquele secretário-geral da FIFA que sugeriu dar um chute no nosso traseiro pra ver se os preparativos da Copa de 2014 não entravam nos eixos.

Cafu, capitão da nossa seleção em 2002, perambulava pela Suiça participando de uma campanha de um patrocinador esportivo quando a FIFA o chamou para reencontrar a taça erguida por ele dez anos atrás. E não é que o tal Jérôme antes de colocá-la nas mãos de Cafu o alertou para não perde-la, pois isso já havia acontecido por aqui? Mas ainda bem que não voltaram a querer a cabeça do secretário pois seria um tormento reviver esse blá bla blá. Desconfio que ele escapou disso justamente graças ao seu histórico de indelicadezas que...cansou.

Mas o que eu acho, pra valer, é que esse é o tipo de coisa que deixa transparecer a imagem que se faz do nosso país naquelas rodas que ele frequenta. Sei que o episódio ficou pra trás. Mas é que voltei a pensar nele ao ler as notícias sobre o roubo de informações sigilosas do Comitê Olímpico de Londres por parte de funcionários do Comitê Organizador dos Jogos do Rio 2016. Uma notícia que pouco ecoou por aqui mas que foi amplamente divulgada no exterior. Notícia considerada por veículos dos mais diferentes países como vergonhosa para a imagem desse Brasil que se pretende organizador de grandes eventos.

Será que alguém poderia avisar o secretário, ao menos, que ninguém aqui perdeu a Taça Jules Rimet? Que ela foi roubada e que essa é uma história muito mal contada e que segue mexendo com a cabeça dos mais desconfiados? Conhecendo tão bem como conhece nossos dirigentes não deveria se espantar com o fato deles terem conseguido transformar o nosso país no único capaz de permitir que uma taça de campeão do mundo desaparecesse? E será que ele sabe que por aqui até mala de dinheiro já caiu de avião?

Por outro lado, ele provavelmente não desconhece que somos um país surreal que nos últimos quatro anos deu ao Comitê que cuida dos nossos esportes olímpicos quase um bilhão de reais só em repasses feitos pelas loterias, e quase outro meio bilhão em renúncias fiscais. E que a nossa Confederação de Atletismo mesmo estando entre as que mais receberam recursos - cerca de 129 milhões- voltou de Londres sem uma única medalha, o que desde 1968, no México, só tinha ocorrido nos Jogos de Barcelona, em 1992.

Essa, afinal, deve ser uma informação preciosa para o secretário, a de que não costumamos cobrar duramente os milhões que gastamos com o esporte. E diante disso é fácil entender porque Jérôme vê o Brasil como um país que se pode tratar sem medir bem as palavras.


*artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos - 25.09.2012




quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Aurora boreal, em Nordland Fylke - Noruega



* Foto: Arild Heitmann - segunda colocada em um concurso sobre fotografia espacial  

E o Felipão?


Dizem que ter em si algo do cotidiano é a alma de toda boa crônica. Sem isso as linhas, ainda que elaboradas com esse intuito, podem se transformar em tudo, até num venerável texto literário. Crônica, jamais.

Tal pensamento me ocorreu diante da ideia de dividir com vocês uma dificuldade. Não uma dificuldade que todo cronista, às vezes, é levado a dividir com o leitor. A de escrever. Outro dia mesmo li uma bela crônica do Veríssimo. Era sobre musas, mas no fundo, no fundo, era sobre o vazio que vez ou outra toma a cabeça de quem escreve.

Mas a dificuldade que ora irei lhes revelar é outra. Não sei ao certo como interpretar a última passagem de Felipão pelo Palmeiras. E desde o início foi assim. Questionava a qualidade técnica do time mas em seguida o via vencer um time que considerava muito melhor. E quando o Palmeiras venceu a Copa do Brasil a coisa complicou de vez.

Como não exaltar um grupo que depois de tantos anos consegue voltar a colocar o clube em uma Libertadores? Seria pura teimosia minha? Acreditaria mais no discurso dos descontentes de agora se eles tivessem se pronunciado antes da queda do comandante. O insucesso também não deve servir como prova de que Felipão não é mais um cara, digamos, familiar.

Se até famílias de verdade dão errado imaginem as que nascem de pessoas com histórias e interesses dos mais variados. E tem mais, nunca considerei o futebol profissional inclinado a ter ambiente familiar. Uma confraria, ou uma turma daquelas que - de tão porretas - marcam nossas vidas pode até ser, mais do que isso...é rótulo.

Estou longe de acreditar também na teoria de que foi a falta de intimidade com a glória que tornou o Palmeiras campeão da Copa do Brasil tão vulnerável. Muitas vezes vi nesse Felipão atual um profissional sem paciência para viver certas dificuldades. Há um ditado que diz que não devemos voltar a um lugar onde fomos muito felizes. Tal ditado não nasceu do futebol, mas pelo jeito pode servi-lo.

Bom, algumas linhas depois de começar a escrever esta pretensa crônica tudo me parece mais claro. A Academia, desde o início, já não era o lugar perfeito para Felipão, como tinha sido uma vez. E por falar em técnico, gostei muito das entrevistas pós rodada dadas por Muricy e Fernandão. O primeiro por não ter pudor de dizer que o futebol anda muito chato, e o segundo por ter a coragem de dizer que teve vergonha ao ver seu time em campo.




quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Boca no trombone

A falta de brilho do clássico entre Santos e São Paulo foi claramente um sintoma do nosso calendário que rouba - e continuará roubando - nossos jogadores mais brilhantes de seus clubes toda vez que a seleção precisar estar em campo. E, é óbvio, que o Sr Moheyddin kamel, que comprou os direitos de organizar os amistosos do nosso escrete até a eternidade de 2022 irá colocar a boca no trombone se alguém por aqui ousar ter a lucidez de achar que Neymar ou Lucas não precisam estar num jogo qualquer, ainda mais se for contra um adversário inexpressivo, como a China.

Não tenho certeza de que com Neymar, Arouca e Lucas em campo teríamos visto uma partida sensacional mas tenho a convicção de que desse modo teríamos tratado a torcida e o futebol brasileiro de maneira mais respeitosa. A pobreza do confronto também me pareceu decisiva para vitimar o lateral esquerdo Léo. Teria sido bom para todos se a crônica esportiva tivesse um mar de bons lances para analisar. Mas o que restou foi um deserto de acontecimentos. E esse deserto amplificou o discurso indignado do jogador.

Sem querer, Léo incrementou o ar de novela mexicana que ronda a Vila Belmiro. Nesse sentido foi perfeito na análise. Louvável também seria sair em defesa do amigo, não fosse a prepotência de achar que desse jeito ajudaria a fazer a novela chegar ao fim. Tenho o maior respeito pelo lateral, um dos nomes de  destaque na história recente do clube. Diria até mais. Léo tem uma capacidade de se comunicar com a torcida que é impar, e sabe disso. Basta olhá-lo em campo.

Mas acreditaria mais no discurso dele, de pedir respeito, se esse não fosse insistentemente usado para falar de si mesmo. Louvável a atitude que se seguiu de reconhecer que o tom não tinha sido apropriado. E que ele não deixe de falar o que pensa por causa do episódio. É normal que um jogador, vencedor como Léo, se sinta ferido com certas observações, principalmente quando do alto dos seus trinta e sete anos ainda tem a capacidade de entrar em campo e ser decisivo como foi contra o Velez recentemente na Libertadores.

Outra coisa é se incomodar com o fato de que o Santos precisa, sim, pensar em encontrar um jogador capaz de cuidar daquela posição como ele cuidou. Sua experiência segue sendo de grande valia. E tomara que apesar de todos os desafios que o tempo impõe ainda tenha fôlego para dar e viver alegrias com a camisa do peixe. Mas não há como lutar eternamente contra o fato de que os clubes costumam durar mais do que os homens.


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Os fiéis das arquibancadas


Estamos todos em plena era dos fiéis torcedores. Assimilamos o bendito jargão como se os torcedores de outrora não passassem de uma cambada de infiéis. Mas foram eles, os de outros tempos, que pagaram as maiores penitências. Estou certo de que não há nesse Brasilzão afora um apaixonado pelo jogo que em nome dele não tenha perecido numa fila cujo fim não se avistava ou que não tenha sido extorquido por um cambista. E mesmo debaixo de todo esse destrato o futebol brasileiro se fez grandioso, cultuado. 

Quem hoje chora a beleza das gerais demolidas sob o argumento do progresso e do fino trato, chora um pouco também aquela beleza atravessada onde o dinheiro gasto no mais barato dos ingressos sugeria que mais tarde ele iria fazer falta. Mas isso era coisa pra se pensar só depois de terminado o espetáculo. Sim, a beleza das gerais era um pouco a beleza da entrega.

Não duvido da eficácia comercial dos planos de fidelização. Duvido apenas que sejam compatíveis com a democracia que o futebol sempre pediu. Perceba. Hoje paga-se para se ter direito a comprar um ingresso. É isso, ou o que resta é o purgatório reservado aos comuns. Mais cruel ainda é começar a perceber a necessidade que passamos a ter de salvar o futebol da própria torcida.

Dias atrás enquanto o Rio de Janeiro criava um núcleo para cuidar desse tipo de problema, a Federação Paulista de Futebol readmitia duas das maiores torcidas organizadas de São Paulo nos estádios, como se elas um dia estivessem estado fora. E como se tivesse a capacidade de expurgá-las quando bem entendesse. Diante da notícia a imprensa se apressou em ouvir o Ministério Público, e aí está a parte mais rocambolesca de toda essa história.

O Ministério Público prontamente negou ter dado o aval para que as mesmas fossem reintegradas. O promotor, Thales Cezar de Oliveira, um do envolvidos lembrou que reuniões semanais com a presença de representantes da Polícia, das torcidas e tal, vinham sendo realizadas mas que não tinha sido feito acordo algum. " Isso é uma questão interna da Federação Paulista de Futebol", afirmou de maneira categórica. E diante de tamanho ruído nada mais foi dito.

A pergunta que fica é: quem deverá ser responsabilizado pela próxima ocorrência? Conhecendo a história é difícil acreditar que os clubes não tenham agido nesse sentido. Eles todos, de certa forma, são reféns, são cúmplices, e sem precisar. Não dependem desse amor minado de interesses. Deveriam aproveitar o momento e declarar independência desse tipo de gente. 

A impressão que tenho é a de que os cartolas, que se acham espertos, acreditam estar explorando quando na verdade estão sendo barbaramente explorados. Mas ao fechar os olhos para esse mal estão dando um tiro no pé, pois em algum momento a presença desses dois tipos de fiéis na mesma arquibancada se fará inviável.