quinta-feira, 26 de abril de 2012

Um salto sobre o futebol

O futebol, amigos, é incontrolável como o mar. Aos que estranharem a comparação peço que entendam as visões que costumam acompanhar alguém que sempre teimou e, ainda teima, em viver à sua margem. E aos indignados com o fato do oitavo colocado, a Ponte Preta, ter eliminado o primeiro, o Corinthians, devo dizer que me alegra muito essa prova de que o jogo continua indomável.


Você certamente já ouviu muita gente por aí dizer que o oitavo tirar o lugar de quem foi líder é descabido. Tudo bem que agora há o detalhe do jogo único, sem a vantagem do empate e tal. Mas alguns anos atrás, quando o Santos entrou de azarão nas semifinais do Campeonato Brasileiro e acabou campeão, o discurso foi o mesmo. A solução para promover "justiça" foi a fórmula dos pontos corridos.


Descabido pra mim é esse desejo incontrolável de usar a regra para controlar o jogo. Mas hoje não vou me render nem a isso, nem mesmo a derrocada do Barcelona que monopolizou todos os papos de futebol que tenho ouvido por aí. Escutei de tudo, até gente se dizendo entediada com a infindável troca de passes do time comandado por Pep Guardiola. Fazer o quê? 


Hoje quero driblar um pouco essa hegemonia que faz o futebol ocupar quase todo o espaço da crônica esportiva. Gostaria de comentar aqui um fato recente que me chamou a atenção. Foi o ambiente que cercou o salto triplo do jovem Jonathan Henrique Silva - um mineiro de vinte anos - ao alcançar o índice para estar na Olimpíada de Londres. 


Era um final de tarde quando Jonathan  partiu para saltar. O estádio Ícaro de Castro Melo, no Ibirapuera  já estava com as arquibancadas praticamente vazias. Os interessados em acompanhar o evento de atletismo organizado pela Federação Paulista não se interessaram muito por ele, foram embora. Mas ao terminar sua sequência de saltos Jonathan aterrissou a exatos dezessete metros e trinta e nove centímetros do ponto de partida. Surpreendente para quem fechou 2011 com um dezesseis metros e setenta como melhor marca. Aplausos, foram poucos, quase nenhum. 


Ali uma das nossas maiores tradições olímpicas, a de ter triplistas de primeiro gabarito, suspirava. Hoje, o elegante Ademar Ferreira da Silva, ouro no salto triplo nas Olimpíadas de 1952 e 1956, mal é lembrado. Mas os que têm a minha idade certamente não esqueceram as façanhas de um tal João do Pulo. E só. 


Se o futebol seduz, nosso esporte olímpico está longe de exercer fascínio. E não se deixem levar pelos jogos que vêm aí, eles colocarão os esportes olímpicos em evidência por pouco mais de vinte dias, e olhe lá.


Vou batucando essas linhas e me vem uma certeza: estou parecendo um pouco o personagem vivido pelo ator argentino, Ricardo Darín, no filme "Um conto Chinês". Nele, Darín interpreta um comerciante solitário que tem como hobby colecionar notícias esquisitas que encontra no jornal. Por falar nisso, lembrei de outro fato um tanto bizarro. O protesto da torcida do Genoa, da Itália, que indignada com a campanha do time resolveu invadir o campo e obrigar os jogadores a tirarem as camisas que, afinal, não estavam honrando. Ah! Lembrei de outra. Bom, deixa pra lá, estou parecendo demais o personagem vivido por Darín. 

* artigo publicado no jornal "A Tribuna", Santos

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O estúdio que Romário deixou vazio



O que você faria se ao pedir uma entrevista ouvisse um sim, mas com o empecilho do convidado 
não poder se deslocar? Bom, aceitamos a condição. Só precisávamos ir à Brasília. Mas uma vez lá, depois de um telefonema esquisito, atendemos a um pedido urgente feito pela assessoria de Romário. O compromisso marcado para às dez da manhã, então,
foi remarcado para às onze. 


Às onze, com lamentos, nos disseram que o trato estava de pé, claro, mas que o entrevistado só chegaria por volta de uma e meia da tarde.O que veio a seguir passou a ser patético. 


A assessora chegou dizendo que Romário vinha em outro carro, logo atrás.Os telefonemas - meio à francesa - se sucederam.Em um teatro cruel com todos os profissionais envolvidos no trabalho a cena toda ainda seestenderia por mais de hora. Ao ouvir, no fim disso tudo, a indecente proposta de fazer a entrevista
às seis da tarde, só restou dizer algumas verdades, lamentar o tratamento que nos foi dispensado pelo nobre Deputado Federal, e partir.Estava mais claro do que nunca, a partir dali, porque é tão difícil acreditar nos compromissos que certos homens assumem. 

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Santos, o enfeitiçado

Na semana que vem quando a gente se encontrar o Santos já será um time centenário. E eu não poderia deixar essa oportunidade passar, ainda mais quando o dia que se aproxima deixa no ar essa ilusão de que posso me adiantar ao tempo, chegar na frente dele como se fosse um Neymar.

Olha, já vi muita gente boa de letra, de escrita, coçar a cabeça quando recebe a missão de escrever sobre Pelé. E escrever sobre o Santos em momento tão solene parece desafio similar. Não quero ser bairrista, principalmente, para não ferir a alma do Santos, para não ficar na contra-mão da história do clube, que apesar de estar ali, na Vila Belmiro, há tempos se fez do mundo.

Há Santos espalhados por tudo quanto é canto desse planeta. Da Paraíba a Belfast. De Santa Catarina a África do Sul. O Santos, do Amapá. O Santos Laguna, do México. O tal deus do futebol, se existe mesmo, foi ao criar o Santos que deixou transbordar seus caprichos. Muitas equipes são míticas, mas apenas uma delas pode dizer que teve o mito. E apenas esse detalhe já seria mais do que suficiente pra fazê-lo diferente de todos os outros.

Além do mais, centenários nem sempre são antecedidos por dias que envaidecem a torcida. Que o diga o Flamengo. Mas ao Santos foi dado até esse direito. Altivo, vai se aproximando dos 100 com a elegância de sempre, campeão da América. Seus craques - que construíram esse imenso patrimônio abstrato feito de suor e dribles - seduziram desde o início.

Hoje quase ninguém lembra, mas o time que leva o nome da vizinha São Vicente um dia se chamou Feitiço. Feitiço era o apelido de Luis Matoso, um goleador que, dizem, não tinha pudor em bater na bola de bico. Nos idos da década de 1920 era ele, nascido no bairro paulistano do Bixiga, em São Paulo, um dos grandes nomes do Peixe. E era também o grande ídolo de um grupo de jovens que se reunia perto da Biquinha pra jogar bola.

No dia em que esse grupo de jovens decidiu fundar um time o nome veio rápido, se bobear não precisaram nem pensar duas vezes para batizar o escrete de Feitiço. O Feitiço Atlético Clube só iria passar a se chamar São Vicente Atlético Clube algumas décadas depois. E do jeito que a coisa anda não duvido que em breve apareça por aí um Neymar Futebol Clube.

Torço para que as novas gerações tenham consciência do que o Santos Futebol Clube representa, de todo compromisso que se encerra no ato banal de vestir uma camisa, se essa camisa for do time da Vila. E não falo com o ranço de toda caretice que costuma impregnar instituições. Falo em honrar a beleza que permeia essa longa trajetória, pra que a Vila continue sendo um reino onde o talento sempre foi mais cultuado do que a raça.

Ao Santos nunca foram dadas certas alcunhas. O Santos nunca foi chamado de academia, mas não resta dúvida de que poderia. Nos dias de hoje quando vejo o Edu caminhando à beira-mar, quando dou de cara com Mengálvio sentado em uma cadeira de praia com olhar vago, quando encontro a figura de Zito ou o boa-praça José Macia, o Pepe, caminhando por aí, vem a mim uma sensação difícil de descrever. É como se estivesse vendo mais do que homens.

No fundo sei bem o que é. É essa história bonita que se derrama invisivelmente sobre eles. O Santos dos homens, o Santos dos meninos. E eu aqui, em silêncio, penso: Feitiço! Que palavra tão afinada com tudo isso.



* artigo publicado no jornal " A Tribuna", Santos

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O artilheiro

O assessor de imprensa atende o telefone. Digo que gostaria de bater um papo com o artilheiro do Campeonato Paulista. Adianto que na minha modesta opinião o goleador não tem tido a atenção que merece.

O interlocutor se mostra um tanto contrariado com meu ponto de vista. Diz que estou enganado. Lista alguns veículos que já fizeram matéria com o rapaz e me avisa que um carro de reportagem da TV Bandeirantes acaba de sair do clube e, enfático, diz que a pauta era justamente Hernane, o homem-gol do Paulistão.

Imagino duas possibilidades. A primeira é que eu realmente estava com a impressão errada. A segunda, que esta semana tudo mudou. Levo, por vaidade talvez, a segunda mais em conta. Encontro alguns motivos pra isso. Já na segunda-feira os jornais traziam a notícia de que Hernane estaria na mira do Palmeiras. Além do mais no sábado o Mogi Mirim, time do artilheiro do torneio, será o adversário do líder São Paulo na abertura da penúltima rodada dessa longa fase de classificação do estadual.

Nem por isso minha curiosidade esfriou. Confesso, inclusive, que cheguei a pensar que se tratava de alguém mais rodado. Mas Hernane, que passou pelo São Paulo em 2007, ainda nem completou vinte e seis anos, e do jeito que a coisa vai tem tudo para engrossar a lista de jogadores que depois de amargar o desprezo dos grandes acabam, de alguma forma, lhes seduzindo.

Hernane chegou ao Mogi Mirim no início da atual temporada depois de defender o Toledo, do Paraná, a Catanduvense e o Paulista de Jundiaí. Antes do São Paulo, na sua ficha consta que o pequeno Atibaia foi o primeiro clube do jogador. De lá pra cá, pelo visto, Hernane apurou muito sua vocação pra goleador.

A tentativa de papo foi em vão. Ter de encarar assessores pouco dispostos a fazer esse meio de campo é fato comum pra nós, jornalistas. Mas a intuição me diz que não devo desistir. Alguém que nasceu na pequena Bom Jesus da Lapa, pequena cidade baiana que fica a quase oitocentos quilômetros de Salvador, que veio dar os primeiros chutes como profissional em Atibaia, que viu o São Paulo não fazer questão de segurá-lo e que conhece muito bem o futebol que vive de cifras modestas, deve ter boas histórias pra contar.

Fiz uma pesquisa rápida, sem nenhum método científico, a fim de testar se isso fazia sentido ou se era apenas um delírio meu. Alguns não souberam dizer quem era o atual artilheiro do Campeonato Paulista, também teve gente que só conseguiu dizer que era "aquele cara do Mogi". Não cheguei a conclusão alguma. Mas não são poucas as vezes que me basta a curiosidade.

Fiquei sabendo que na cidade em que Hernane nasceu se faz a segunda maior festa religiosa do Brasil. A Romaria de Bom Jesus. E que o santuário do lugar fica em uma gruta descoberta há mais de três séculos, antiga morada de onças. Por aqui o garoto que saiu de lá vai colocando as garras pra fora.

Desde que o Campeonato Paulista começou Hernane já viu seu nome em muitas manchetes. Aí vão algumas delas. "Com dois gols de Hernane Mogi vira e bate Comercial fora de casa". "Com dois gols de Hernane Mogi bate Oeste de virada". E até: "Artilheiro Hernane marca gol mais rápido do Paulistão".

Pra não matar vocês de curiosidade, claro, vou dizer quando foi. Foi no dia em que o Mogi enfrentou o Linense, em Lins, e venceu por dois a zero. Hernane precisou só de dezessete segundos pra colocar a bola na rede. Agora me diz, vocês acham mesmo que esse rapaz, que até aqui marcou treze gols, três a mais que Neymar, está tendo mesmo o tratamento que merece? E antes de ler estas linhas você sabia quem era o artilheiro isolado do Campeonato Paulista?

E olha que são várias rodadas nesse isolamento, viu?