quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Mais que um desabafo

Tenho com o futebol relação muito saudável. Nunca xinguei ninguém na hora de torcer, nunca me desgastei pensando nas alegrias que ele deixou de me dar, jamais olhei de lado para os que adoram outro time e, ainda que possa ser acusado de total apatia, só tiro um sarro usando o jogo como tema quando tenho certa intimidade com o interlocutor.

Nos casos em que não costumo segurar a onda, procuro ter em mente uma palavra que faço soar internamente como um mantra: parcimônia. Questão de educação, ainda que vocês não acreditem. Mas no exato momento em que escrevo estas linhas sou obrigado a ver um corintiano desfilando na redação com a camisa do Barcelona, o que quase me faz deixar de lado esses princípios que me são tão caros. Na verdade, ainda que tenha sido por um instante, deixei. Ah! Se deixei. Na terceira vez em que cruzei com ele, disparei:

_ Pô, essa daí é de um campeão legítimo, hein?

Sarrinho de nada. Se tratava de um amigo. Mas para não colocar a amizade em risco apertei um pouco o passo - já que estava de passagem - e na sequência não fiz força alguma para ouvir a resposta. Olha, não levem muito em conta essa minha rigidez moral. A minha regra pra esse tipo jogo é simples: Jamais permitir que a brincadeira derrote os bons modos.

Fazer essa espécie de auto-análise ludopédica foi o jeito que encontrei para tratar tão amarga derrota. Não me lembro em passado recente jogo que tenha despertado tamanho sarcasmo nos secadores, independentemente do seu nível de crueldade. Foi um embate que serviu pra muitas coisas. Pra mostrar quais são os santistas que gostam de analisar o jogo, e quais os que diante de uma possibilidade histórica se transformam numa espécie de "Pacheco", se é que os mais novos irão lembrar do famoso torcedor que era Brasil de qualquer jeito.

Aos mais entusiasmados andei dizendo que estavam exagerando por razão simples: Ou a vitória santista não seria muito provável ou tudo que andávamos falando do Barcelona de Pep Guardiola até ali era um tremendo exagero. Espero um desconto para o tom dessa nossa conversa, uma vez que ela não deixa de ser também um desabafo. Abro o coração pra dizer que esse jogo com o Barça me fez repensar muitas das minhas teorias.

Sempre acreditei e defendi o futebol limpo, mas toda aquela cortesia dos santistas, a todo instante fazendo questão de levantar os adversários do chão, de passar a mão em suas cabeças, chegou a me irritar. Jamais serei a favor de entradas duras ou desleais mas um pouco de virilidade não compromete a qualidade do jogo.

Por outro lado, me peguei pensando que diante de adversário de recursos tão leais e bonitos qualquer falta soava como tremenda deselegância, e ninguém ali queria ser chamado de brucutu. Seria muito bom se essa aura se instalasse na maioria das partidas. Mas pedir pra todo mundo jogar um pouco como o Barcelona é demais.

Quero crer que para nós, que vimos o jogo por esse vértice doloroso, tenha ficado alguma herança. Pelo que foi dito houve um ensinamento em tudo isso. Não me recordo de um jogo em que os derrotados, em uníssono, tenham dito que a derrota lhes ensinou. Muricy disse, Neymar disse, Ganso disse. No mais é acreditar nas palavras de Fernando Pessoa que dizia que
" conformar-se é submeter-se, e vencer é conformar-se, ser vencido. Por isso...vence só quem nunca consegue."

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Para o Doutor Sócrates

O último domingo, Magrão, o dia da tua partida, durou uns dez anos. E como foi difícil atravessá-lo. No sábado, um tanto sorrateiro até, entrei na igreja de Santo Antonio do Embaré e rezei por ti. Algo me dizia que precisavas disso.

Ali, em meio a quietude inquietante dos templos, tive comigo a certeza de que mesmo muito baixinho, quase em silêncio, todas as preces que estavam sendo ditas em teu nome, juntas, seriam capazes de fazer mais barulho do que todos os estádios cheios que um dia tua elegância foi capaz de emocionar.

De lá pra cá, tanto foi dito, escrito e mostrado em teu nome. Tua figura, de repente, ganhou uma onipresença, e como ela te fez justiça. O velho Michel, na segunda, batucou um texto bonito, como sempre, falando dessa coisa inestimável - mas nem sempre percebida - que é estar ao lado de um gênio. Eu li, e fiquei lembrando de você, ali, sentado na cadeira ao lado da minha, humildemente envaidecido com a maneira como levamos o compromisso de fazer um programa de televisão juntos toda semana. Como foi bacana meu amigo.

Admirava em segredo a tua devoção com esse nosso encontro semanal por saber muito bem que eras esse tipo de pessoa rara que por motivo nenhum nesse mundo aceita fazer o que não gosta, e muito menos o que não lhe dá prazer.

Teimosamente vou te esperar no corredor que leva ao estúdio, mesmo sabendo que não vais chegar. Fecho os olhos agora e vejo você se aproximar, sem pressa, e dizer com um sorriso no rosto: "Fala Véio Mussa". Magrão, você não gostava da limitação dos scripts e dos roteiros e esse ditador terno aqui sabe que ficou te devendo um pouco de anarquia, no melhor dos sentidos. Teria sido a melhor maneira de provar que tinha me rendido ao seu estilo.

Quando dizia que esse teu jeito de não se preocupar com a vida me causava inveja não se tratava de uma metáfora. Saiba que vou carregar esse ensinamento comigo mesmo que ele não passe de um plano mirabolante que eu jamais seja capaz de colocar em prática.

Que saudade eu já sentia de invadir as madrugadas em tua companhia em uma mesa de bar, e nem preciso dizer que o nosso Xico também. Pra alguém que tinha orgulho da boemia se perder numa madrugada faz todo sentido, mais até do que essa coisa de partires num domingo em que o Corinthians ganhou um título. Que importa isso, se te perdemos um pouco?

Digo um pouco pois sei que vais continuar por aí, teu rosto permanecerá estampado nas camisas dos jovens de corpo e espírito. És uma bandeira. E pensar que nas nossas noites inundadas de risos, conversas, ideias e ideais, vinham à nossa mesa os bêbados te saudar. Os caretas a confessar a adoração pelo Doutor, apesar das juras de amor por um time que não era o teu. E vinham as moças, os velhos, a implorar uma fotografia. Vinham os loucos pedir pra beijar tua mão. E nos embasbacava a tua habilidade pra lidar com tudo isso, como quem dava um daqueles toques de calcanhar, surpreendentes, quase impossíveis.

Parta em paz. Você merece mais do que essa terra pode te dar. A ladainha do futebol permanecerá a mesma e do jeito que a coisa vai tua imagem e teus lances parecerão cada vez mais geniais. Ficará a tua lição de que o homem deve estar sempre acima de qualquer time. Ficará a tua lição de quem teve a coragem de fazer tudo que quis. o exemplo de ser sempre você mesmo. De agir em absoluta sintonia com o que se pensa. Nem que fosse por dez segundos, como gostavas de dizer.

Você, Magrão, foi a mais pura tradução do que a inteligência é capaz de fazer quando se une à arte de jogar bola. Acostumar com a ideia de que você deixou nosso time vai ser jogo duro, ô se vai.

Com carinho, do Véio Mussa.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Magrão, nosso time é para sempre !