quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Não dá pra se gabar do Gabão

Não quero ser um desmancha-prazeres. E se, por acaso, o termo lhe soar antiquado, posso apelar para uma época mais recente - que já vou avisando também não será moderna - onde os sujeitos dados a esse tipo de desprazer eram tidos como aqueles que "cortam o barato". Fui claro? Temo que não! Mas explico.

Hoje é dia de jogo da seleção brasileira. Não se espante caso tenha esquecido. Eles já foram muito importantes, quase inesquecíveis. Não são mais. Portanto, não se trata da sua memória e eu espero que isso de alguma forma o tranquilize.

A partir das quatro horas da tarde, horário de Brasília, narradores e comentaristas irão usar de todo seu poder de sedução para capturar sua atenção. As análises serão abundantes. Teorias sobre como Mano Menezes poderá tirar proveito de um jogo contra o Gabão não faltarão. Mas não se deixem levar por quimeras táticas, no que diz respeito ao futebol o embate será de pouca valia.

O papel da seleção na tarde de hoje será o de um "grande convidado". A definição não é minha. Foi dada por um diretor da Federação de Futebol do Gabão ao comentar o amistoso. Pode soar estranho mas será exatamente esse o papel da nossa seleção já que a partida marca a inauguração do novo estádio de Libreville, a capital daquele país.

Mas não pensem que o suposto cachê de um milhão de dólares será pago pelo país africano. Há mais gente envolvida nesse jogo. Não se trata de uma tabelinha e sim de uma triangulação. O novo estádio, que no ano que vem será o palco da grande final da Copa das Nações Africanas, foi um presente dos chineses.Para explicar essa jogada só entrando nos detalhes de um outro jogo, muito mais pesado e muito mais lucrativo do que o futebol, por incrível que isso possa parecer.

A nossa seleção, que dessa vez terá somente jogadores que atuam fora do Brasil, empresta a sua popularidade para melhorar a imagem dos asiáticos que vão expandindo cada vez mais seus negócios pelo continente africano. Fico aqui com essas coisas todas na cabeça e sinto pelos torcedores humildes que estarão na arquibancada sem o direito de ver ao menos Kaká, que acabou cortado por contusão, e poderia dar algum brilho a esse nosso escrete e ser, de alguma forma, útil ao Mano.

Sabe, não se trata mesmo de cortar o barato ou de ser um desmancha-prazeres. Mas é triste, muito triste, constatar como o nosso futebol está sendo usado. Senti uma certa melancolia na segunda quando li que a seleção tinha se reunido em Frankfurt, na Alemanha, e que os vinte e um convocados depois de um almoço seguiriam para a capital do Gabão, com jogadores convocados pela primeira vez como o lateral Alex Sandro, o meia Dudu... Fiquei imaginando a falta de intimidade ali, por mais que o clima que se respira seja de amizade, companheirismo.

Pasmem. Os chineses, pelo que andei lendo por aí, construíram cinquenta e dois estádios no continente africano e devem entregar mais nove até o fnal do ano que vem. Estádios que seguem um mesmo padrão de arquitetura. Estádios sem alma. Dizem que os que foram construídos em Gana, distantes menos de quinhentos quilômetros um do outro, são idênticos. Imagine você indo ao Rio de Janeiro ver um jogo, e depois a Minas Gerais, e depois a Salvador, entrando em arenas absolutamente iguais. Não faz sentido. É muita pobreza no meio de tantas cifras milionárias.

Homens de negócios. Estão todos lá, os chineses, de olhos crescidos pra cima tanta riqueza, pro mar de petróleo que se esconde sob o solo do Gabão. O ferro, o manganês, as madeiras, as coisas que um dia também arrancaram da nossa terra. Transações. O jogo continua. A nossa seleção entra em campo só pra dar o drible, entende? O mundo continua o de sempre. Importa é faturar.Não dá pra se gabar do Gabão.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O deserto de um zero a zero

Não é de hoje que eu cismo com o zero a zero. Ninguém merece ser castigado por este que é o placar mais miserável do futebol. E essa minha compaixão se faz maior quando eu lembro de toda provação reservada aos que - em plena oferta do pay-per-view - ainda teimam em acompanhar as pelejas das arquibancadas.

Um verdadeiro exército de românticos que faz questão de alimentar essa paixão que os arrebatou desde a mais tenra infância. Faço essa afirmação baseado no fato de jamais ter encontrado um torcedor que tenha se apaixonado pelo jogo depois de burro-velho.

E falo de um tipo que nada tem a ver com essa versão pós-moderna chamada sócio-torcedor. Falo do sujeito que ainda tem coragem de encarar filas, do cara que topa o desafio de ir, dias antes do jogo, ao Pacaembu, ao Morumbi, seja lá onde for, encarar uma fila dantesca, mal organizada, mal intencionada.Gente que aceita na boa o risco de sair de mãos abanando depois de tanto esforço, gente que aceita barganhar o preço dessa emoção com cambistas.

O embate do último domingo entre Vasco e São Paulo turbinou esse meu desconforto diante do referido placar. O duelo travado em São Januário é meu argumento maior para essa teoria insana, mas poética. Não há nada capaz de aplacar o vazio contido em uma partida de futebol sem gol.

Mesmo um cara como eu, que quando moleque tinha os goleiros em alta conta, que sonhava em fazer defesas como Manga, como Rodolfo Rodrigues, mesmo eu me peguei desiludido. Nem mesmo as fantásticas defesas do arqueiro tricolor Denis, honrando, no sentido mais literal da palavra, o posto que pertence ao lendário Rogério Ceni, me satisfez.

Há algo que uma partida sem gol não tem e que não é o próprio gol e sua emoção. Não me venham com obviedades, por favor. Guardem o sorrisinho cínico de quem sugere que um jogo de futebol sem gol, claro, não tem bola rede, não tem o abraço caloroso entre os atletas depois dele, não tem aquela explosão histérica da torcida. Não é nada disso. Futebol sem gol é festa de aniversário sem brigadeiro. Praia sem sol.

Futebol sem gol é obra inacabada, e aí está uma boa explicação para que, apesar de tudo, alguns jogos sem eles sejam lembrados. Para os do contra, deixo aqui a pergunta fatídica: Por que será que jogos repletos de gols nunca são questionados?

Vai me dizer que nunca existiu um 6 x 2, um 8 x 1 , um 5 x 2 que tenha sido ruim? Qual é a graça que se esconde em tamanho desequilíbrio? O que ocorre é que a fartura costuma esconder fraquezas. Será que os velhinhos, e nem tão velhinhos, do "board" da FIFA jamais pensaram em por um fim a esse castigo? É do jogo dirão.

É verdade, é do jogo. Sem o castigo a própria humanidade seria outra. Pensando bem, se o futebol sempre esteve a imitar a vida, não poderia estar livre desse infortúnio. Ainda que não lhes falte beleza, o que eu sei é que há um deserto imenso escondido em uma partida sem gol, pode notar.