quinta-feira, 29 de setembro de 2011

De Loco todo mundo tem um pouco

Com a vossa permissão vou tratando aqui de misturar nesse caldeirão de palavras assuntos diferentes, pois que hoje acordei com um receio tremendo de ser visto como um chato. O que pode ser inevitável, eu sei. Devagar aí com a graça. Mas quero menos ainda que pese sobre essa minha cuca a culpa de não ter feito pelo menos meio artigo na intenção de obter a salvação.

Tô cansado de saber que o sujeito que se dá ao trabalho de falar sobre futebol com certa sobriedade e sem deslumbre está fadado a ser visto como um mala. Mas fazer o que se essa minha bendita consciência - seja lá o que isso for - não me dá sossego à alma?

O primeiro e mais agradável dos temas é o direito que qualquer um tem de perder gols. Não há nada nesse mundo que exista só com perfeição, o próprio mundo em si não me deixa mentir, e não seria o futebol a exceção. Você mesmo, se é metido a jogar bola, já deve ter tido seu momento Loco Abreu.

O jogador do Botafogo, que pode ser acusado de tudo menos de não ter estilo, pagou o mico? Pagou! Mas senhores, a bola é redonda e não perdoa a mínima imperfeição motora. O pior de tudo foi ver o lance do Loco Abreu comparado ao do Rivaldo. Na minha visão duas situações totalmente distintas.

O lance de Loco Abreu só esperava uma conclusão qualquer. O de Rivaldo exigia a escolha de uma maneira para concluí-lo. Ouvi de tudo, até especialista dizendo que naquela situação o camisa dez do tricolor tinha que ter enchido o pé. Rivaldo tentou o sublime. Teve a coragem de optar pelo mais difícil. Quem garante aos devotos do chutão que a bola não teria resvalado em alguém e ido parar nas arquibancadas?

E pra não dizerem que estou aqui puxando o saco do Rivaldo e pra manter viva a possibilidade de ser visto como um mala, aproveito pra dizer que nem tudo que ele faz me agrada. No jogo contra o Corinthians, por exemplo, que terminou num retumbante zero a zero, Rivaldo teve a última chance do jogo em uma cobrança de falta. Optou por bater direto pro gol e viu a bola se perder por cima do travessão adversário.

Naquela situação, ao contrário, o que me parecia mais inteligente era alçar a bola na área e deixar o bicho pegar, como fez Rogério Ceni no lance que levou o tricolor ao empate com o Botafogo no último domingo. Nem sempre a coragem de optar pelo mais difícil é sinônimo de inteligência. O grande jogador sempre se imagina capaz de tudo, só o equilíbrio o torna diferente. Jogar futebol é difícil como fez questão de lembrar o jogador do Botafogo depois da partida.

Feitas tais considerações, com as quais o nobre leitor pode concordar ou não, vou logo azedando a conversa pra não deixar passar em branco essa Lei Geral da Copa. A votação dela nos dará a medida exata do quanto estamos vendidos. Semanas atrás citei a visita de consultores alemães dizendo que o Brasil tinha que jogar duro com a FIFA. Volto a dizer, acho vergonhoso que tenha que vir alguém de fora nos dizer isso.

Veja tudo que o governo cedeu, o tamanho da cobiça dos cartolas. A entidade máxima do futebol não está brigando porque o nosso governo decidiu barrar o descalabro que é permitir a livre transferência de divisas, as isenções de impostos para a FIFA e seus comparsas. Nada disso. Teria ameaçado levar a Copa de 2014 para outro lugar porque a Lei enviada para o Congresso não retirou a meia entrada, porque o governo - que está bancando praticamente tudo - quer que as TVs que não são detentoras dos direitos do Mundial possam usar três por cento dos jogos e trinta segundos de eventos. Repito, três por cento e trinta segundos.

Melhor seria que a Copa fosse mesmo parar nos EUA, assim poderíamos alimentar a ilusão de ter resgatado uma parte ínfima que fosse da nossa soberania. De outro modo me restará a certeza de ter sido derrotado muito antes da bola ter começado a rolar, e sabe-se lá onde.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Pobreza coletiva

Entrevistas coletivas são, em geral, muito chatas. Nessa realidade infértil que se abateu sobre o futebol em nome da modernidade - em que já não é possível ao jornalista tramar uma pauta e decidir soberanamente que jogador irá ouvir - esse tipo de entrevista virou um mal necessário. O resultado está aí para quem ainda tiver paciência para ver ou ouvir.

A coletiva concedida por Neymar na última segunda foi uma prova cabal dessa teoria. O jovem jogador santista teve os nervos testados. Precisou repetir infinitamente as mesmas coisas, provocado por perguntas feitas de maneiras diferentes mas que giravam em torno de uma só questão. Como dizem os espanhóis, Neymar ficou "aburrido". Não era pra menos.

A culpa de tudo isso não é dos jornalistas, ou só dos jornalistas. A eles só resta, ou restou, aquele momento. Uns perguntam o mesmo porque querem a interpelação gravada na sua própria voz, outros se distraíram no momento em que ela foi respondida pela primera vez, há também os que concluiram que as respostas anteriores não esgotaram o tema, e assim a roda da mesmice passa a girar de maneira irritante e descontrolada. Seria demais pedir aos repórteres que não repitam questões sobre um mesmo tema. Embora eu ache que esse dia não tardará.

Agora, imaginem que os treinadores, jogadores ou dirigentes quando vão gravar, em geral, atendem veículos em separado. Primeiro falam pra TV, depois para as rádios e finalmente para o pessoal da mídia impressa. Pensam o quê? Jogar em times de primeira linha não é só andar de carrão, flertar com mulheres bonitas e fazer um considerável pé de meia. A vida de boleiro tem lá suas penitências, e são muitas, eu sei. Todo ofício tem.

Muitos ali têm sido levados dia após a dia a repercutir essa ladainha da saída do Neymar só por causa das notícias que chegam até nós vindas dos sites e jornais esportivos da Espanha. O Caro leitor já notou que os furos nunca saem de um veículo como o "El País", por exemplo, hoje considerado um dos jornais mais respeitados do mundo? Nada disso.

Elas, as notícias bombásticas, sempre partem dos "ilibados" diários esportivos da Espanha que só faltam estampar as bandeiras do Real e do Barça como se fossem logotipos da empresa. Tenham a santa paciência. Não resta dúvida de que a permanência de Neymar tem sido de grande valia não apenas para o Santos mas também para o futebol brasileiro.

Acredito que a única razão que poderia amparar e provocar um desejo de partida em Neymar seria o fato de querer ser reconhecido como o melhor do mundo. Um desejo pra lá de legítimo. Não podemos ser inocentes. Pra brigar por esse título só mesmo atravessando o Atlântico, pois a FIFA parece não ter olhos para a América.

E pedir que Neymar dê conta disso, mude essa realidade, é pedir para que ele aceite brigar com moinhos de vento. Enquanto isso, ficamos todos nós, que nem sabemos ao certo onde vamos almoçar amanhã, querendo saber de Neymar o que ele fará depois da Libertadores do ano que vem.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Futebol pelego

Que os dirigentes não queiram colocar fogo no circo dá pra entender. Eles são partes atuantes dessa imensa festa chamada futebol brasileiro. Uma boa prova disso é que o Ministério do Esporte abriu o cofre para o Sindafebol, o Sindicato Nacional das Associações de Futebol, que pelo que o Google me diz aqui nem mesmo um site tem.

Os mais de seis milhões de reais foram repassados com a intenção de que o Sindafebol coloque em andamento um projeto visando a Copa de 2014, cujo objetivo é cadastrar torcidas organizadas, mesmo sem ter a mínima experiência pra isso. Oito meses se passaram desde a assinatura do contrato e até agora tudo continua no papel.

Mustafá Contursi, figuras das mais conhecidas no mundo da cartolagem e presidente do Sindicato se apressou em dizer que não era bem assim, não estava apenas recebendo dinheiro, e que havia uma contrapartida. É verdade, ela existe, e é de dois por cento do valor do convênio. Ou seja, para receber os mais de seis milhões o Sindafebol terá que gastar cento e vinte seis mil reais. Mas não era exatamente sobre os cartolas que eu queira versar.Acabei levado pela indignação.

Queria falar da atitude dos nossos atletas. Na minha vida de repórter o que mais escutei foram histórias de jogadores que depois de trabalhar ficaram sem ver a cor do dinheiro. E nesse time de maus pagadores jogam todos,grandes e pequenos. Pois acabamos de ver os jogadores da Espanha colocarem em curso a quarta greve da história do futebol naquele país. Uma das grandes bandeiras era fazer com que o fundo criado para salvar os atletas, vítimas de calote, tivesse recursos suficientes para cumprir sua função.

E pensar que nós aqui, no terror do nosso subdesenvolvimento, na eterna condição de país do futuro, do futebol e tal, nem fundo temos. Não seria uma boa hora pra pensar nisso? Os movimentos do mundo estão aí pra nos ensinar, ao menos. Mas vocês são capazes de imaginar algumas das estrelas da nossa seleção dando a cara a tapa,como fez o Puyol e tantos outros lá na Espanha?

Vale lembrar que no mundo da bola os bem pagos são minoria, as cifras estampadas nos jornais criam um mundo de fantasia. O fato é que os caras bateram o pé e fizeram os manda-chuvas garantirem o pagamento de cinquenta milhões de euros que os clubes ainda deviam a mais de duzentos jogadores que ficaram com salários atrasados da última temporada.

Eles também conseguiram ampliar o valor do fundo para cobrir salários de jogadores de clubes em dificuldades financeiras e incluir no acordo uma clausula que põe fim aos contratos se os clubes ficarem em dívida com o atleta por mais de três meses.

Na Itália a bola só irá rolou na última sexta depois de encerrada uma greve, que se não foi tão contundente e eficaz como a da Espanha, mostrou que os jogadores são capazes de se mobilizar para lutar por seus interesses. Eles se negaram a pagar sozinhos um tal "imposto de solidariedade" criado pelo premiê Silvio Berlusconi, que é também o presidente de honra do Milan.

Outra preocupação dos italianos foi exigir garantias de que os clubes irão preservar atletas em fim de contrato, ou que não façam parte dos planos dos times, e de que eles não serão transferidos contra sua vontade, além de ter assegurado o direito de continuar treinando com o restante do grupo.

Não é só o nosso jeito de jogar que anda frágil, é nossa maneira de lidar com o futebol também. Pelo visto estamos ficando para trás. O que somos capazes de copiar dos europeus em matéria de bola? Planos de marketing extravagantes, o jeito pesado de jogar?

Fossemos nós um povo que cuida bem dos seus direitos não seria exagerado dizer que os nossos jogadores de futebol teriam vergonha de encarar a torcida de cabeça erguida, olho no olho. Fossemos nós esse outro tipo de povo. Mas de alguma forma somos todos pelegos,no amor,na vida,e isso por si só é capaz de explicar o futebol que temos. E, olha, não foi por falta de alguém para apontar o caminho, não é mesmo meu nobre Doutor Sócrates? E viva a nossa independência fantasiosa, a nossa democracia.